- Finalmente poderemos procurar um feiticeiro. – diz esperançada a miúda Fabilda, provocando um sinal da cruz do padre. Aos solavancos, fomos descendo a via ainda com as lajes, percorrendo um grande souto de castanheiros em que varas de porcos andavam livremente. Chegamos a uma zona de quintas todas muito bem tratadas, com os campos que nos ladeavam com viçoso milho miúdo e centeio prontos para a colheita. Grupos de servos livres carregavam enxadas e ancinhos com chapéus de palha na cabeça. O padre diz-nos que eram servos livres, mas que a grande diferença entre eles e os escravos não era muita.
Lembrei-me dos nossos amigos de Viseum, Asdrobal e Demérito e da sua pele morena e curtida como estes pobres servos de túnica suada, uma vida inteira de costas vergadas na terra, que escravidão!
Comemos laranjas para nos refrescarmos, ao mesmo tempo que víamos por entre algum disperso casario e vegetação as muralhas graníticas da importante cidade. Contornamo-las, admirando s
- Quereis ver a vossa mãe? – pergunta Balcónio, levantando-se energeticamente. A cara antes agastada, estava agora radiosa.– olhei para ele surpreendido, minha mãe morrera. - Não! não é a vossa mãe. A essa o povo agora chama-a Santa Diamonda. Por ter sido a primeira sueva convertida na Gallaecia, veneram a sua campa, erguida debaixo da ponte das goladas, à beira do rio Oriens[1]. Estou a falar da mãe dele. - Aponta Odro. - Da minha mãe? – “a minha mãe é venerada” - Sim, nunca a conheceste, pois não? – “chamam-lhe santa!” - Não, tiraram-me dela quando eu era pequeno. – “o povo venera-a” - Ela é uma serva do senhor, quereis conhecê-la? - Quero visitar o seu túmulo, podeis levar-me até lá! – puxo pela toga do arcebispo primaz das Hispânias, interrompendo a conversa entre ele e Odro. - Mas, a tua mãe foi enterrada em Saturning, eu estava lá. Foi Teófilo que fez as exéquias! – contrapõe Odro - O túmulo é falso. –
Cumprimento o cocheiro encostado num sapateiro, mas evitei falar com ele. Na basílica, um dos secretários de Balcónio acompanha-nos a um fresco refeitório nas traseiras do templo de Isís, onde cerca de cem clérigos estão sentados em compridas mesas. Lá, servem-nos uma sopa amarga de cebola, bróculos e couve-flor com pão azedo e vinho que parece vinagre. Não admira que estes padres tenham má cara a comer todos os dias esta mistela! Ainda por cima, no fim da refeição, agradecem a Deus o alimento rançoso. Perguntamos por Odro e por Balcónio mas ninguém sabe nada, levam-nos para um canto dum obscuro corredor e dizem-nos que podíamos pernoitar ali nas duras esteiras. Uma corrente fria corre vinda dalgum túnel perdido. Estamos vigiados por um busto de negro bronze de um imperador careca. Tapo-lhe a cabeça com o meu manto.- Não faz
Um peso morto caiu redondo nos fardos, os cavalos assustam-se, sacudindo o garrote e levantando as patas dianteiras, depois o líder baixa o longo focinho cheirando o peso. Eu também me aproximo vendo um homem enorme de tronco nu e bragas de pele de vaca malhada com o sobrolho aberto e um fio de cerveja pelo peito peludo. “Por Donnar, sentado no trono à direita do pai, rex Hermerich!” A minha tendência era de ajoelhar e prestar vassalagem , mas depois observo mudo o do gancho descendo atabalhoadamente as escadas e uma mulher de cabelos pretos desgrenhados a assumir-se à janela e a gritar feito louca. Ouço berros guerreiros defronte da casa, decerto os guardas já deram pela falta dos cavalos e em grande algazarra dirigem-se a nós, gritando pela rua: “O rex! Atentam contra o Rex! “ O logro do secretário de Balcónio já acabara. Podia era ter durando mais tempo. Sem demoras amarramos
- E agora? Desmantelamos a ponte? – Odro lança uma gargalhada. - Acho que é melhor pormos o rex de pé. - O rex? Queres dizer o teu pai! – noto que a cara de Hermerico fica tensa. Paramos de cavalgar e saímos da garupa das montadas. Cortamos as cordas que mantinham o rei amarrado ao dorso da égua. Ele ressentiu-se com dores, mas ficou satisfeito por cavalgar erecto. Amordaçamos o rei para não o ouvirmos amaldiçoar-nos, seu olhar era puro ódio e eu tento ver se a cara dos dois era parecida. - Não terá sentinelas a ponte? - Não, isso era nos velhos tempos, ali, do outro lado estão pescadores da noite. - Pesca-se bem à noite? - Acho que sim. - lentamente atravessamos a ponte, vendo em baixo as lucernas que alumiavam a sombras dos pescadores do rio que, em vigília de trabalho, vigiavam as suas canas que trariam mais algum parco alimento para a sua prole. Os sombrios pescadores miravam-nos, vendo-nos levar alguém amordaçado. Po
A figura elegante de cogula negra armada de gladio à cinta acerca-se de nós. Cabelo negro curto para a frente como um senador romano, barba entremeada com brancas até ao queixo untada com um óleo aromático. - Deus vos abençoe, nobre búrio Boríngio Langobardo, chefe dos búrios, os austeros pastores dos suevos, herdeiros por sangue do teu pai. – saúda-me, reconhecendo-me como chefe, Os narbassos reconhecem-me como chefe! O velhote deita as mãos à cabeça. Odro acena positivamente, segurando na trela de escravo de Rex Hermerich. - Regicídio não, por favor. – pede-nos o padre Julião, o padre guerreiro. - Quem vos mandou? Arcebispo Balcónio? - Não, foi um movimento espontâneo das populações, eu apenas sou a sua voz. – replica-me Julião, mentindo-me e abrindo os braços como o redentor. E realmente ele era o nosso redentor. - Não planeamos matar o rei, pelo menos para já. Queremos uma assembleia como nos velhos tempos. - Assembleia! Esta
- Sim, a empatá-los, a feri-los, a matá-los, que importa? É a única maneira de os enfrentar, só se vossa exª tiver melhor ideia. - Jogar com a vida do rei. As vossas terras em troca da vida do rei. - Meus tios não aceitariam isso e, como toda a gente diz, os langobardos influenciam muito. Têm a faca e o queijo na mão. Já temos sentinelas à beira da Geira? - Já. – responde Brigote. Começa a chover, lentamente, uma chuva miudinha… as fogueiras acendem-se. - Amanhã, construiremos as estacas com os sobreiros lá de baixo. Descansemos, pois. – ordeno, mandando dispersar e ficando só, sem saber muito bem para onde me dirigir, se procurava uma fogueira reconfortante ou não. Odro toma-me o braço e os dois entrámos no forte. As pedras calarias estavam todas negras e musgentas. Uma lucerna estava acesa, enfaixada nas pedras. Pego nela e noto uma cela com umas grades onde Rex Hermeric dormia. Seu longo cabelo solto descaía-lhe pelo pescoço, ombro, p
Vejo, por debaixo das minhas repas molhadas, Sardenna embalando o bebé junto ao fogo. Mira-me e informa-me:- Dormiste que nem uma pedra, caíste no sono e parece que morreste. – não lhe respondo ainda não sei como lidar com ela. Não tenho confiança nela, deveríamos falar calmamente e durante muito tempo, mas lá fora o meu exército de pastores me chama. Saio do forte espreguiçando-me e comendo queijo.- Padre Julião, há noticias das sentinelas?- Não capitão, ainda estamos todos a acordar da noite de cão que tivemos. – os homens iam acordando estremunhados e escarrando as agruras da noite, as lonas estavam ensopadas mas ainda se mantinham em pé. Sentia-se um cheiro de papas de aveia aquecidas nas panelas.- Que raios estará a acontecer, porque é que eles não aparecem? o melhor é mandarmos um espião?
- Os búrios sempre foram pastores na velha Suábia, vivíamos na retaguarda dos suevos protegendo-os contra os marcomanos. Possuíamos um território em que cada homem e a sua família não tinha que dar satisfações a ninguém, cada um tinha o seu rebanho e se decidisse juntar-se a outro burio para apascentar o gado, fazia-se isso, não pagávamos impostos a ninguém e só nos juntávamos, caso alguém invadisse o nosso território, e nesse caso… - Tinham um caudillho de ocasião. – complementa Julião. - Sim padre, agora tudo está diferente, somos servos na nossa própria terra em favor de um sistema que só favorece alguns. Pagamos impostos, mas para quê? Para protecção? De quem? Sobre o peso dos teus tios langobardos uns empobrecem outros enriquecem e os que enriquecem são os seus favoritos. - Ou seja, tu e os teus búrios têm empobrecido com os meus tios. - Não é isto que está em causa. - diz Otix, levantando a mão. - Se tudo fosse segundo a velha lei, sem estes laç