Cumprimento o cocheiro encostado num sapateiro, mas evitei falar com ele. Na basílica, um dos secretários de Balcónio acompanha-nos a um fresco refeitório nas traseiras do templo de Isís, onde cerca de cem clérigos estão sentados em compridas mesas. Lá, servem-nos uma sopa amarga de cebola, bróculos e couve-flor com pão azedo e vinho que parece vinagre. Não admira que estes padres tenham má cara a comer todos os dias esta mistela! Ainda por cima, no fim da refeição, agradecem a Deus o alimento rançoso. Perguntamos por Odro e por Balcónio mas ninguém sabe nada, levam-nos para um canto dum obscuro corredor e dizem-nos que podíamos pernoitar ali nas duras esteiras. Uma corrente fria corre vinda dalgum túnel perdido. Estamos vigiados por um busto de negro bronze de um imperador careca. Tapo-lhe a cabeça com o meu manto.
- Não faz
Um peso morto caiu redondo nos fardos, os cavalos assustam-se, sacudindo o garrote e levantando as patas dianteiras, depois o líder baixa o longo focinho cheirando o peso. Eu também me aproximo vendo um homem enorme de tronco nu e bragas de pele de vaca malhada com o sobrolho aberto e um fio de cerveja pelo peito peludo. “Por Donnar, sentado no trono à direita do pai, rex Hermerich!” A minha tendência era de ajoelhar e prestar vassalagem , mas depois observo mudo o do gancho descendo atabalhoadamente as escadas e uma mulher de cabelos pretos desgrenhados a assumir-se à janela e a gritar feito louca. Ouço berros guerreiros defronte da casa, decerto os guardas já deram pela falta dos cavalos e em grande algazarra dirigem-se a nós, gritando pela rua: “O rex! Atentam contra o Rex! “ O logro do secretário de Balcónio já acabara. Podia era ter durando mais tempo. Sem demoras amarramos
- E agora? Desmantelamos a ponte? – Odro lança uma gargalhada. - Acho que é melhor pormos o rex de pé. - O rex? Queres dizer o teu pai! – noto que a cara de Hermerico fica tensa. Paramos de cavalgar e saímos da garupa das montadas. Cortamos as cordas que mantinham o rei amarrado ao dorso da égua. Ele ressentiu-se com dores, mas ficou satisfeito por cavalgar erecto. Amordaçamos o rei para não o ouvirmos amaldiçoar-nos, seu olhar era puro ódio e eu tento ver se a cara dos dois era parecida. - Não terá sentinelas a ponte? - Não, isso era nos velhos tempos, ali, do outro lado estão pescadores da noite. - Pesca-se bem à noite? - Acho que sim. - lentamente atravessamos a ponte, vendo em baixo as lucernas que alumiavam a sombras dos pescadores do rio que, em vigília de trabalho, vigiavam as suas canas que trariam mais algum parco alimento para a sua prole. Os sombrios pescadores miravam-nos, vendo-nos levar alguém amordaçado. Po
A figura elegante de cogula negra armada de gladio à cinta acerca-se de nós. Cabelo negro curto para a frente como um senador romano, barba entremeada com brancas até ao queixo untada com um óleo aromático. - Deus vos abençoe, nobre búrio Boríngio Langobardo, chefe dos búrios, os austeros pastores dos suevos, herdeiros por sangue do teu pai. – saúda-me, reconhecendo-me como chefe, Os narbassos reconhecem-me como chefe! O velhote deita as mãos à cabeça. Odro acena positivamente, segurando na trela de escravo de Rex Hermerich. - Regicídio não, por favor. – pede-nos o padre Julião, o padre guerreiro. - Quem vos mandou? Arcebispo Balcónio? - Não, foi um movimento espontâneo das populações, eu apenas sou a sua voz. – replica-me Julião, mentindo-me e abrindo os braços como o redentor. E realmente ele era o nosso redentor. - Não planeamos matar o rei, pelo menos para já. Queremos uma assembleia como nos velhos tempos. - Assembleia! Esta
- Sim, a empatá-los, a feri-los, a matá-los, que importa? É a única maneira de os enfrentar, só se vossa exª tiver melhor ideia. - Jogar com a vida do rei. As vossas terras em troca da vida do rei. - Meus tios não aceitariam isso e, como toda a gente diz, os langobardos influenciam muito. Têm a faca e o queijo na mão. Já temos sentinelas à beira da Geira? - Já. – responde Brigote. Começa a chover, lentamente, uma chuva miudinha… as fogueiras acendem-se. - Amanhã, construiremos as estacas com os sobreiros lá de baixo. Descansemos, pois. – ordeno, mandando dispersar e ficando só, sem saber muito bem para onde me dirigir, se procurava uma fogueira reconfortante ou não. Odro toma-me o braço e os dois entrámos no forte. As pedras calarias estavam todas negras e musgentas. Uma lucerna estava acesa, enfaixada nas pedras. Pego nela e noto uma cela com umas grades onde Rex Hermeric dormia. Seu longo cabelo solto descaía-lhe pelo pescoço, ombro, p
Vejo, por debaixo das minhas repas molhadas, Sardenna embalando o bebé junto ao fogo. Mira-me e informa-me:- Dormiste que nem uma pedra, caíste no sono e parece que morreste. – não lhe respondo ainda não sei como lidar com ela. Não tenho confiança nela, deveríamos falar calmamente e durante muito tempo, mas lá fora o meu exército de pastores me chama. Saio do forte espreguiçando-me e comendo queijo.- Padre Julião, há noticias das sentinelas?- Não capitão, ainda estamos todos a acordar da noite de cão que tivemos. – os homens iam acordando estremunhados e escarrando as agruras da noite, as lonas estavam ensopadas mas ainda se mantinham em pé. Sentia-se um cheiro de papas de aveia aquecidas nas panelas.- Que raios estará a acontecer, porque é que eles não aparecem? o melhor é mandarmos um espião?
- Os búrios sempre foram pastores na velha Suábia, vivíamos na retaguarda dos suevos protegendo-os contra os marcomanos. Possuíamos um território em que cada homem e a sua família não tinha que dar satisfações a ninguém, cada um tinha o seu rebanho e se decidisse juntar-se a outro burio para apascentar o gado, fazia-se isso, não pagávamos impostos a ninguém e só nos juntávamos, caso alguém invadisse o nosso território, e nesse caso… - Tinham um caudillho de ocasião. – complementa Julião. - Sim padre, agora tudo está diferente, somos servos na nossa própria terra em favor de um sistema que só favorece alguns. Pagamos impostos, mas para quê? Para protecção? De quem? Sobre o peso dos teus tios langobardos uns empobrecem outros enriquecem e os que enriquecem são os seus favoritos. - Ou seja, tu e os teus búrios têm empobrecido com os meus tios. - Não é isto que está em causa. - diz Otix, levantando a mão. - Se tudo fosse segundo a velha lei, sem estes laç
- Deus pai vos conserve unidos no mútuo amor, para que a paz de Cristo habite em vós e permaneça abundante em vossa casa. - Amén - Sêde abençoados no filhos, ajudados pelos amigos e vivei com todos em verdadeira paz. - Amén. - Aplaudimos todos no fim, muitos se abraçaram. Foi de facto emocionante ver a união e a solidariedade entre todos. Mais tarde, assistimos a um simples baptizado no qual nos pediram para sermos testemunhas. Fizemos todos um sinal da cruz entre a cabeça, a barriga e os ombros. Renunciamos vivamente a Satanás, água nova foi imposta, celebração de renovação, uma veste branca o menino vestiu, chorando aos quatro ventos. Agastado pelas cerimónias, sentei-me juntamente com búrios e narbassos nas mesas onde cairiam os respastos. Sardenna pede-me licença para se retirar para o forte. Eu, como provavelmente isto iria ser a última festa da minha vida, deixei-me ficar. Os gaiteiros, o tambor e a pandeireta começaram a encher o ar, os
– depois decido retornar à festa, receoso. Sento-me no meu lugar.- Raios, estais amarelo! – o pastor põe-me a mão no ombro. - Bebe, come e esqueçe, amanhã lutaremos, hoje festejaremos. - fiquei catatonico por momentos, depois decido tornar a comer e a beber a cevada fermentada quente que já saía dos alambiques. Ocorre-me pedir perdão a Odro, mas que se lixe. Cambaleio, alguém me ampara e me torna a sentar, acho que a baba escorre-me pelo peito, tou todo a suar… devo ter a cara de me ter passado uma quadriga em cima. Não me situo nem na mesa nem no acampamento, perdi o meu norte e parece que tudo rodopia. Tenho um búrio à minha frente, é alto e jovem e tem o cabelo apanhado num tufo.- Tu existes?- Quê?- Que tás aqui a fazer?- O tipo ri-se e pergunta-me:- E tu? Que tás aqui a fazer?- Se s