Desde a noite em que revelou sua gravidez, Evelyn não tinha mais visto Reginald. Já se passavam duas semanas. E, por mais que tentasse não pensar nisso, a ausência dele era um vazio inquieto. Justificava para si mesma que era apenas pela semelhança com Donovan — os olhos idênticos, o modo como erguiam a sobrancelha quando contrariados, a forma como caminhavam com elegância distraída. Mas, no fundo, sabia que era mais do que isso.Era um misto confuso de saudade, raiva e rejeição. Evelyn oscilava entre a mágoa de ter sido ignorada e o alívio de não ter de lidar com o desprezo silencioso de Reginald. Às vezes, sonhava com ele — não como ele era agora, frio e distante, mas como nos primeiros dias, quando seu olhar parecia curioso, talvez até gentil. Depois acordava aflita, com a sensação de que havia se perdido em um labirinto emocional sem saída.Nos jantares formais organizados pelos sogros, onde era apresentada a parentes e acionistas da empresa, Evelyn sentia-se como uma peça fora do
A manhã nasceu com cheiro de decisão. Evelyn olhava pela janela do quarto, sentindo no rosto o toque leve do sol. Apesar da acolhida calorosa na mansão dos sogros, ela precisava de mais. Não apenas espaço, mas autonomia. Independência. Algo que refletisse quem ela era — não quem esperavam que fosse.Na sala de estar, com as mãos pousadas sobre o ventre ainda discreto, Evelyn falou com firmeza: — Eu não tenho do que reclamar, de verdade. Vocês foram maravilhosos comigo. Mas eu preciso de privacidade, de liberdade para tomar as rédeas da minha vida. De um espaço só meu.Cecil, com o rosto materno um tanto aflito, tentou disfarçar a decepção.— Mas, minha querida, e o bebê? Você não deveria enfrentar isso sozinha...Henry se adiantou, franzindo o cenho.— Você terá ajuda aqui. Segurança. Conforto.— Eu sei — respondeu ela, a voz embargada. — Mas também preciso respirar, fazer minhas escolhas. Quero criar meu filho com dignidade, não como uma hóspede eterna.A tensão cres
"O FUTURO ÀS VEZES CHEGA DISFARÇADO: DE CAFÉ OU DE SORRISO" C.R.SANTOS Evelyn acordou com a chuva forte batendo na janela do pequeno quarto que alugava no subúrbio de Bell Buckle, no Tennessee. Olhou as horas no pequeno relógio da mesa de cabeceira e percebeu que ainda faltava meia hora para se levantar, mas já não conseguia mais dormir. Levantou-se e foi tomar um banho.Uma hora depois, estava dentro do trem a caminho do Daisy's, uma charmosa lanchonete com estilo anos oitenta, onde trabalhava. Olhando pela janela, avistou uma mulher com duas crianças caminhando pela calçada. O grande guarda-chuva protegia os três. A menina mais nova carregava uma mochila rosa nas costas, o objeto parecia maior que ela, deixando-a um pouco curvada para frente. Órfã de pai e mãe, Evelyn nunca conheceu aquela sensação de proteção que toda mãe deveria ter po
Eram quase oito e meia da manhã quando Donavan despertou. O calor do corpo de Evelyn ainda envolvia seus sentidos, e a lembrança da noite maravilhosa de amor o fez sorrir. Há muito tempo não sentia aquela mistura de liberdade e autonomia. Com cuidado para não acordá-la, saiu da cama, calçou os chinelos e vestiu o roupão. Antes de sair do quarto, ficou ali, parado, admirando-a. Evelyn dormia tranquilamente, sua respiração suave, os fios de cabelo espalhados pelo travesseiro. Uma pontada no estômago o atingiu. O peso do passado sempre voltava, e ele se condenava por não ter contado toda a verdade a ela.— Espero que um dia você me perdoe, minha Evelyn... Queria ter te conhecido antes das decisões que tomei — sussurrou, sua voz carregada de arrependimento.Seguiu para a cozinha, sentindo falta dos cafés da manhã londrinos. Por mais que quisesse esquecer sua vida passada, certos hábitos eram difíceis de abandonar.Enquanto preparava o café, Evelyn acordou ao escu
O tempo passava lentamente, e Evelyn se arrastava com ele. Alguns dias depois, retornou ao trabalho, tentando esquecer sua dor. Mas a saudade rasgava seu peito a cada manhã, a cada vez que se levantava, e nas longas noites mal dormidas. Alguns fregueses a olhavam com dó, outros trocavam palavras de encorajamento. O xerife entrava todos os dias para tomar um café e perguntar como ela estava indo. "Conforme o tempo", ela respondia, agradecida, mas vazia.Os dias seguiam, e as contas começaram a se acumular. A conta do hospital, o aluguel da casa, as dívidas... Sem seguro e sem conseguir localizar o responsável pela tragédia, tudo estava se agravando. O dono da casa onde morava exigiu que ela desocupasse o imóvel. Sem alternativas, Evelyn retornou ao antigo quarto alugado, aquele lugar onde nunca imaginara que voltaria.Ainda fechada em sua dor, tentando lidar com a perda, algo inesperado aconteceu. Após um longo expediente na lanchonete, Evelyn desmaiou. A out
Os dias pareciam se arrastar na rotina árdua de Evelyn. Depois do telefonema que a abalou, ela havia decidido não fazer o aborto. Algo em seu interior dizia que os sobrenomes coincidiam por mais do que simples acaso. Havia algo mais por trás disso, algo que ela precisava descobrir. A verdade estava ao seu alcance, e ela sentia que não poderia ignorá-la.Era uma manhã comum, e Evelyn estava preparando o café, quando o som da campainha quebrou sua concentração. Um freguês havia chegado. Ela não se virou, mas, com a voz firme, falou:— Pode sentar, já irei atendê-lo.Ela viu Beth, a atendente mais velha, ajeitando os cabelos e passando batom, como sempre fazia antes de ir para o atendimento. Com rapidez, ela pegou o bloco de notas e foi até o cliente, mas retornou logo depois, com um olhar carregado de desagrado.— Ele quer ser atendido por você — disse, seu tom de incompreensão evidente. — E ainda falou o seu nome.Evelyn franziu a testa, um desconforto imediato a percorr
Lorde Reginald Alistair Ashbourne entrou na pequena delegacia da cidade com passos firmes e decididos. O lugar era simples, com poucas mesas e uma cela nos fundos. Um homem que estava preso olhou para ele, fez uma careta de desagrado e se virou, fechando os olhos contra a parede, como se preferisse ignorá-lo.O xerife, um homem de aparência robusta e já envelhecido, levantou os olhos e o observou de cima a baixo, tentando entender o que alguém tão bem vestido faria em uma cidade tão pacata como aquela.— Pois não, senhor? — perguntou, com um tom de curiosidade, avaliando cada detalhe do visitante.— Boa tarde, xerife. Meu nome é Sir Reginald Ashbourne — disse ele, com uma voz grave e autoritária. — Estou à procura de meu sobrinho... E, de acordo com a garçonete, o homem enterrado... — Ele hesitou, como se ainda tentasse acreditar no que estava dizendo. — Donovan Motter Ashbourne. Preciso que exumem o corpo para realizar um teste de DNA.O xerife levantou-se da
Após deixar o modesto quarto e cozinha de Evelyn nos arredores da cidade, Reginald se dirigiu ao hotel no centro. O quarto era simples, mas cuidadosamente limpo, com um leve aroma de lavanda no ar, quase suave demais para disfarçar o peso que ele carregava. Assim que trancou a porta, o alívio de estar sozinho foi quase palpável, mas a ansiedade em seu peito continuava a apertar. Ele se moveu até o frigobar, suas mãos trêmulas denunciando a tensão que há horas estava se acumulando. Abriu três garrafinhas de uísque de uma vez, sem hesitar, despejando o líquido ambarino em sua garganta com rapidez, tentando afogar a angústia que o devorava. Cada gole queimava, mas a sensação não era suficiente para acalmar o turbilhão dentro dele. O álcool descia queimando, mas a tensão nos seus músculos ainda estava lá, cravada como se ele não conseguisse se livrar da carga emocional que o sufocava.Um soluço inesperado escapou de sua garganta, vindo de um lugar profundo e inesper