O tempo passava lentamente, e Evelyn se arrastava com ele. Alguns dias depois, retornou ao trabalho, tentando esquecer sua dor. Mas a saudade rasgava seu peito a cada manhã, a cada vez que se levantava, e nas longas noites mal dormidas. Alguns fregueses a olhavam com dó, outros trocavam palavras de encorajamento. O xerife entrava todos os dias para tomar um café e perguntar como ela estava indo. "Conforme o tempo", ela respondia, agradecida, mas vazia.
Os dias seguiam, e as contas começaram a se acumular. A conta do hospital, o aluguel da casa, as dívidas... Sem seguro e sem conseguir localizar o responsável pela tragédia, tudo estava se agravando. O dono da casa onde morava exigiu que ela desocupasse o imóvel. Sem alternativas, Evelyn retornou ao antigo quarto alugado, aquele lugar onde nunca imaginara que voltaria.
Ainda fechada em sua dor, tentando lidar com a perda, algo inesperado aconteceu. Após um longo expediente na lanchonete, Evelyn desmaiou. A outra garçonete, ao encontrá-la caída no chão, a observou com preocupação. Quando Evelyn acordou, a colega a encarou por um momento antes de entregar-lhe um teste de gravidez.
— "Tenho sempre um na bolsa para essas emergências", disse ela, sorrindo e piscando.
— Isso não é possível, disse Evelyn, ainda atordoada. — Deve ser só o estresse.
Mas, ao tentar se lembrar de quando foi sua última menstruação, ela percebeu que não tinha certeza. Com o coração batendo mais forte, ela foi para casa e fez o teste. O resultado foi positivo. Ela chorou desconsolada. Como poderia estar grávida, com tantas dívidas e uma vida em ruínas? Como poderia criar e educar uma criança, quando mal conseguia cuidar de si mesma?
Naquele momento, Evelyn não pôde evitar pensar em sua mãe, que, em algum ponto do passado, havia enfrentado um dilema parecido. Sua mãe, tão jovem e cheia de sonhos, escolhera a vida, embora isso significasse abandonar todos os seus próprios planos e entregá-la a um orfanato. Evelyn cresceu sem saber o peso dessa decisão, mas agora, diante de sua própria escolha, entendia o peso de tudo. Sua mãe não tivera coragem de interromper a vida que gerava dentro de si, e agora, Evelyn se via diante da mesma encruzilhada. A decisão seria difícil, talvez mais do que ela fosse capaz de suportar, mas sabia que não podia fugir dessa responsabilidade. Talvez fosse ela mesma a tomar uma decisão que mudaria tudo, assim como sua mãe fez anos antes.
Na manhã seguinte, atrasada e prestes a sair para o trabalho, uma vizinha que tinha uma moto lhe ofereceu uma carona. Porém, informou que não tinha capacete extra. Evelyn, apressada, aceitou.
— Eu tenho um capacete. Vou pegar.
Ela correu até o quarto, pegou o capacete de Donovan e o colocou na cabeça. No momento em que o fez, um desconforto estranho a atingiu, como se algo no fundo estivesse fora do lugar. Mas, com a rotina iniciando agitada, ela esqueceu desse pequeno incômodo.
No final do expediente, enquanto voltava para casa, Evelyn adormeceu. Durante o sono, teve um sonho vívido. Olhava pela janela e via Donovan caminhando pela calçada. Ele a observava, sorria e, com um gesto, apontava para sua própria cabeça. Ela não entendia o que ele dizia, mas via claramente que ele estava tentando dizer algo.
Assustada, Evelyn acordou abruptamente. Um rapaz a chamava:
— Moça, você deixou cair seu capacete!
Ela o olhou, confusa. O rapaz repetiu:
— Você deixou cair o capacete enquanto dormia.
Ela agradeceu com um sorriso tenso e, ao descer na sua parada, apressada, foi para o quarto. Uma vez lá, a memória a atingiu com força: Donovan tinha mencionado algo sobre o capacete.
Sem perder tempo, Evelyn arrancou o tecido do interior. A sensação de urgência a dominou. E, de fato, ao retirar o forro, encontrou algo: um pequeno envelope. O coração de Evelyn disparou. Ela o abriu com mãos trêmulas e encontrou uma foto de um garoto, de aproximadamente 16 anos, ou menos, com uma semelhança notável com Donovan. Ao lado do garoto, havia um rapaz mais velho e um casal, todos com uma expressão séria, vestindo roupas formais e de classe alta, com a elegância que só a nobreza inglesa possui.
No verso da foto, estava o brasão de uma família imponente, acompanhado de um número de telefone da Inglaterra. A conexão foi instantânea. A mente de Evelyn começou a girar com mil pensamentos. Ela precisava agir. Sem hesitar, pegou o celular e discou o número. O telefone tocou por alguns segundos, até que uma voz forte e séria atendeu.
— Residência dos Ashbourne, bom dia.
Ela congelou. O nome Ashbourne. O peso daquilo a paralisou. Sem dizer uma palavra, ela desligou.
Segundos depois, o celular vibrou novamente. Evelyn olhou o visor, o coração acelerado. Era o número que acabara de discar. Ficou olhando, a dúvida e a curiosidade a corroem. O que ela deveria fazer agora? Atender? Ignorar? As perguntas martelavam em sua mente.
Mas, antes que pudesse decidir, o celular silenciou.
Ela respirou aliviada, mas algo dentro dela a inquietou. Desligou o telefone e se deitou, tentando não pensar no que acabara de descobrir. Mas a semente já havia sido plantada. Agora entendia o significado do pedido de perdão. Quem, de fato, era Donovan?
Mal sabia Evelyn que a resposta à sua pergunta não demoraria a chegar.
4
Os dias pareciam se arrastar na rotina árdua de Evelyn. Depois do telefonema que a abalou, ela havia decidido não fazer o aborto. Algo em seu interior dizia que os sobrenomes coincidiam por mais do que simples acaso. Havia algo mais por trás disso, algo que ela precisava descobrir. A verdade estava ao seu alcance, e ela sentia que não poderia ignorá-la.Era uma manhã comum, e Evelyn estava preparando o café, quando o som da campainha quebrou sua concentração. Um freguês havia chegado. Ela não se virou, mas, com a voz firme, falou:— Pode sentar, já irei atendê-lo.Ela viu Beth, a atendente mais velha, ajeitando os cabelos e passando batom, como sempre fazia antes de ir para o atendimento. Com rapidez, ela pegou o bloco de notas e foi até o cliente, mas retornou logo depois, com um olhar carregado de desagrado.— Ele quer ser atendido por você — disse, seu tom de incompreensão evidente. — E ainda falou o seu nome.Evelyn franziu a testa, um desconforto imediato a percorr
Lorde Reginald Alistair Ashbourne entrou na pequena delegacia da cidade com passos firmes e decididos. O lugar era simples, com poucas mesas e uma cela nos fundos. Um homem que estava preso olhou para ele, fez uma careta de desagrado e se virou, fechando os olhos contra a parede, como se preferisse ignorá-lo.O xerife, um homem de aparência robusta e já envelhecido, levantou os olhos e o observou de cima a baixo, tentando entender o que alguém tão bem vestido faria em uma cidade tão pacata como aquela.— Pois não, senhor? — perguntou, com um tom de curiosidade, avaliando cada detalhe do visitante.— Boa tarde, xerife. Meu nome é Sir Reginald Ashbourne — disse ele, com uma voz grave e autoritária. — Estou à procura de meu sobrinho... E, de acordo com a garçonete, o homem enterrado... — Ele hesitou, como se ainda tentasse acreditar no que estava dizendo. — Donovan Motter Ashbourne. Preciso que exumem o corpo para realizar um teste de DNA.O xerife levantou-se da
Após deixar o modesto quarto e cozinha de Evelyn nos arredores da cidade, Reginald se dirigiu ao hotel no centro. O quarto era simples, mas cuidadosamente limpo, com um leve aroma de lavanda no ar, quase suave demais para disfarçar o peso que ele carregava. Assim que trancou a porta, o alívio de estar sozinho foi quase palpável, mas a ansiedade em seu peito continuava a apertar. Ele se moveu até o frigobar, suas mãos trêmulas denunciando a tensão que há horas estava se acumulando. Abriu três garrafinhas de uísque de uma vez, sem hesitar, despejando o líquido ambarino em sua garganta com rapidez, tentando afogar a angústia que o devorava. Cada gole queimava, mas a sensação não era suficiente para acalmar o turbilhão dentro dele. O álcool descia queimando, mas a tensão nos seus músculos ainda estava lá, cravada como se ele não conseguisse se livrar da carga emocional que o sufocava.Um soluço inesperado escapou de sua garganta, vindo de um lugar profundo e inesper
Fazia quase duas semanas que Reginald tinha deixado a cidade. Evelyn sentia um alívio imenso, pensando que, depois da partida dele, sua vida voltaria ao normal. Doce engano.Beth, a garçonete que trabalhava com ela, insistia para que ligasse para a família de Donovan e exigisse dinheiro para comprar uma casa para ela e seu filho. Afinal, Reginald tinha dito que seu falecido marido era um homem muito rico. Mas Evelyn rebatia, dizendo que, se Donovan fosse realmente quem ele procurava, Reginald já teria voltado no dia seguinte para pedir autorização para exumar o corpo. O fato de não ter retornado a deixava com sentimentos conflitantes: um misto de alívio e decepção.Até mesmo seu antigo senhorio foi até a lanchonete, oferecendo novamente a casa onde morava antes. Ele sorriu, confiante, e disse que ela poderia pagar o aluguel quando recebesse a herança. Muito irritada, Evelyn respondeu que não havia herança alguma e que, em poucos meses, liquidaria sua dívida com ele
Evelyn Prescott Ashbourne ainda tentava absorver tudo o que havia acontecido nos últimos quatro meses. O primeiro encontro com Donovan ficaria marcado para sempre em sua memória. O casamento, sua morte súbita... Um frio percorreu seu corpo ao pensar na vida do marido sendo ceifada tão cedo. O telefonema, a vinda de Reginald... Tudo havia deixado sua vida de ponta-cabeça.Quem era o homem que estava dentro do caixão, sendo transportado em um avião particular luxuoso? Essa pergunta martelava sua mente enquanto olhava para seu vestido preto simples, que destoava gritante do ambiente sofisticado ao seu redor. Seus pensamentos foram interrompidos por uma voz feminina, de leve sotaque inglês.— Lady Ashbourne?O nome soou tão pomposo que Evelyn pensou que a comissária estivesse se dirigindo a outra pessoa. Mas não, era ela. Evelyn era a senhora Ashbourne. Não aquela senhora Ashbourne a quem a aeromoça se dirigia com tanto respeito, mas sim a viúva de um órfão.— A senhora dese
Depois dos cumprimentos e lágrimas. Evelyn foi conduzida para um dos quartos de hóspedes. O requinte e o luxo do ambiente contrastavam com seu vestido preto de algodão. Sobre a cama, repousava um vestido igualmente preto, lindíssimo e aparentemente muito caro. Ao tocá-lo, sentiu a maciez da seda. O tecido era tão fino que ela temeu danificá-lo com suas mãos ásperas, calejadas de tanto varrer o chão e torcer panos na lanchonete.A mãe de Donovan informou que haveria uma cerimônia no mausoléu da família, reservada apenas para parentes e amigos mais próximos. Evelyn procurou sua mala e a encontrou sobre uma cadeira. Mais uma vez, comparou sua bagagem simples com o ambiente ao redor e constatou como destoava daquele lugar.Mal terminou de lavar o rosto e passar um batom rosado nos lábios, uma batida suave na porta interrompeu seus pensamentos. Deixando o batom na pia do banheiro, foi atender. Do outro lado, um homem de aproximadamente sessenta anos, vestido com um unifo
A condessa olhava fixamente para Evelyn, os olhos marejados brilhando sob a luz suave do abajur. Com um gesto hesitante, segurou as mãos da jovem, sentindo o leve tremor que as percorria. A respiração lhe ficou presa na garganta. Fitava os olhos de Evelyn como se quisesse confirmar, nas profundezas deles, que era mesmo verdade.O silêncio no quarto pesava como um véu de incerteza, até que a condessa murmurou:— Grávida... — repetiu, como se precisasse ouvir a palavra em voz alta para acreditar.As lágrimas deslizaram por seu rosto, mas não era apenas felicidade. Havia algo mais — um toque de arrependimento, uma sombra do passado voltando a assombrá-la. Lentamente, sua mão se moveu, pousando sobre o ventre de Evelyn. Fechou os olhos por um breve momento e, num murmúrio quase imperceptível, sussurrou:— Me perdoe...Me perdoe? Repetiu, Evelyn, mentalmente. Franziu levemente a testa, sem entender completamente aquelas palavras. Mas antes que pudesse perguntar, o con
Ao descer para a sala de chá, o conde foi direto ao carrinho de bebidas, servindo-se de uma dose de uísque.Reginald o observou e comentou:— Henry, sabes que não podes beber. A sua pressão...Henry deu de ombros, com um meio sorriso cínico.— Só alguns goles não vão me matar, Reginald.— Se quiser correr o risco… — retrucou o irmão, seco. — E está tudo certo com a viúva de Donovan? Algum problema de saúde?Henry virou-se devagar, saboreando o momento. Seu sorriso se alargou, carregado de sarcasmo.— Evelyn está ótima. Mais do que isso — está grávida. Uma bênção inesperada, não acha? Finalmente, um herdeiro direto.Deu um gole demorado, antes de completar:— Posso finalmente parar de me preocupar com o futuro. Agora é só nomear um conselho, manter a engrenagem funcionando... até que o pequeno esteja pronto para ocupar seu lugar de direito.Colocou o copo de volta no carrinho de bebidas com um estalo leve, como um ponto final. E, com aquele mesmo sorriso frio, despedi