O Silêncio de Uma Noite
O Silêncio de Uma Noite
Por: Erasmo S.S
Prólogo

Uma pessoa vinha caminhando a passos largos numa estrada em companhia de seu cachorro de cor preta. O animal a vigiava e mantinha seus ouvidos atentos em tudo que se mexia ao redor. A mulher sabia dos sinais que ele podia lhe passar, ela também estava ligada a tudo quanto o cão pudesse lhe dizer. O perigo sempre foi iminente naquele mundo. A razão havia se perdido a muito e os poucos que ainda tinham não agiam de acordo com os padrões que a sociedade havia sido um dia, as correntes foram quebradas, todavia, os que se libertaram não eram tão inocentes assim.

Ela sabia que estava próxima de seu destino. Estava a dias caminhando e se localizava por um pequeno mapa velho que pegou em uma escola abandonada nas redondezas de um lugar antigo chamado Sulacap. Havia poucos deles ainda existentes nesse mundo. Tudo havia se informatizado, antes da queda, e com a destruição da sociedade da informação todos os dados foram perdidos com o tempo. Os zeros e uns sumiram e o que ficou foram apenas as coisas físicas. Foi uma grande sorte tê-lo encontrado, pois era uma carta exata de todos os bairros da cidade que caminhava em anos já sem conta. Ela também trazia consigo um fichário, de capa preta, que possuía divisórias de metal, ainda limpo. Tudo estava guardado em sua mochila junto com outras provisões, assim como alimento e água.

Sobre seu casaco longo e improvisado, costurado com a sobra de outros tecidos, dando a impressão de um sobretudo, pouco usado na maior parte de seu país em tempos atrás, estavam algumas facas. Ela adoraria uma arma de fogo, mas era muito difícil encontra-las nos días atuais, ainda mais sabendo que era quase impossível achar munição que pudesse durar um longo período de tempo, portanto, era inútil ter uma, embora em uma luta, contra seres ou pessoas maiores que ela, eram mais rápidas e afastavam qualquer ameaça sem precisar se aproximar. Levava também uma garrafa com algum tipo de líquido inflamável e fósforos.

Há tempos vinha planejando esse dia. Precisava acertar o local e cumprir sua tarefa.  Sabia que as coisas não retornariam ao normal, mas tudo teria um fim ali, após feita sua missão. Tudo estava acabado, pouco das décadas passadas havia sobrado, porem colocando um fim, no que gerou naquilo tudo, existiria uma chance dos humanos vivos se reerguerem e construir uma nova sociedade, porém, infelizmente,  reformada sobre escombros.

Parou de repente. Havia chegado ao seu destino finalmente. A sua frente avistou o portão branco de ferro com mais de dois metros e meio de altura. Estava trancado com cadeados enferrujados que bloqueavam uma possibilidade de entrada fácil. Preferiu pular o muro, mas era muito alto, seu cachorro não poderia ficar do lado de fora sozinho. Pegou em seu bolso esquerdo, da calça, uma pequena dinamite, lembrava como os garotos da rua explodiam latas de refrigerante com aquilo no natal, encaixou entre a corrente e o cadeado, acendeu com o fosforo e se afastou para não receber nenhum estilhaço de metal nos olhos. A chama do pavio era vermelha e o canudo do explosivo esverdeado. Após sete segundos um grande estouro. O cadeado tinha se rompido. Precisava ser rápida, sabia que o barulho poderia atrair qualquer coisa que estivesse rondando aquela área.

Abriu rapidamente o portão e entrou no prédio. Pegou o fichário de capa preta e procurou qual era a sala exata que precisava encontrar. Com a ponta dos dedos foi deslizando para baixo até encontrar o nome que precisava e viu anotado ao lado dele: - QUARTO 402. Procurou a entrada do prédio principal e correu para o que parecia uma recepção. Ao adentrar percebeu que tudo ainda estava em seu devido lugar. Os computadores ainda intactos, a recepção com um balcão de madeira estava cheio de documentos espalhados sobre a mesa, assim como um compartimento  que possuía todas as chaves preso à parede. Correu até esse compartimento, procurou pela chave do quarto em questão, mas ela não estava ali. Desistiu da procura e buscou a escadaria por onde poderia subir ao quarto andar. Haviam elevadores que poderiam leva-la rapidamente ao andares superiores, mas aquilo de nada valia, eram coisas do passado.

Correu pelas escadas da maneira mais veloz que conseguia. Seu cachorro percorria o trajeto logo a sua frente. A mulher queria terminar tudo aquilo logo, chegando ao andar desejado. Assim que terminou a escadaria abriu um portão vermelho, sem bloqueio, estava escuro o corredor, pegou em sua mochila uma lanterna no fundo. Ligou-a e viu a sua frente uma placa de dizia: quarto 401 - 410 À DIREITA, QUARTO 411 - 420 À ESQUERDA. Caminhou até a penúltima sala à direita. O caminho parecia longo e sentia que algo a tentava impedir de prosseguir. Não sentia medo, mesmo com a presença tentando traze-la ao desconfortável. Percebia seu coração acelerar de maneira desordenada. Estava ansiosa, há muito planejou estar ali, por muito tempo caminhava ao seu destino. Prometeu para si mesma e a todos, que a ensinaram sobre o novo mundo, e aprenderam com ela também,que conseguiria colocar fim a tudo aquilo e que todos teriam uma nova chance de sonhar com um novo futuro.  

Chegou de frente ao quarto 402 e ficou paralisada durante um tempo. Um frio congelante envolvia aquele lugar. O cachorro rangia os dentes, também sabia que ali estava uma anormalidade, mas não latia, olhava para sua dona esperando uma ação. Enquanto ele estava sentado, sua guia se arrepiava dos pés a cabeça, estava sem qualquer reação. O cão como por instinto deu-lhe uma leve mordida na mão, trazendo de volta o próprio domínio da mulher. Ela, assim que recobrou a lucidez, logo puxou a garrafa com o líquido inflamável. Tentou abrir a porta, mas estava barrada com outro cadeado. Não tinha mais dinamites em seu arsenal. Decidiu rasgar um pedaço de sua calça e empapar com parte do liquido contido na garrafa. Descobriu que havia uma portinhola pequena na parte de baixo da porta do quarto desejado. Decidiu não olhar para nada que havia lá dentro. Enrolou o pano sobre a garrafa, acendeu um fosforo e o fogo começou a ganhar força no tecido que cobria o recipiente de vidro, que continha o material inflamável.

— Tudo acaba aqui. - Disse a mulher

Como se dentro de sua cabeça uma imagem ganhou forma e uma voz extremamente velha e cansada soprou sobre seus ouvidos.

— Por favor, não faça isso, eu consigo consertar tudo.

Mas ela não deu importância. Tinha certeza que haveria uma tentativa de convencimento por parte daquele ser. Mas foi preparada para aquele momento e tampou qualquer possibilidade de entrada daquela voz em sua consciência. A mulher abriu a portinhola e jogou a garrafa envolta do pano pegando fogo para dentro do quarto 402. Virou as costas e andou em direção à escada tentando não dar atenção às vozes delirantes que saiam do escuro enquanto pegava fogo. As labaredas já lambiam os umbrais do portão enquanto a fumaça preta dava a noticia que tudo lá dentro ardia em chamas.

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