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Parte 1 - Capítulo 1

Essa noite pareceu longa para Pedro de uma forma que não conseguia explicar. O sono o pegou e lhe arrastou para um precipício muito fundo, íngreme e perpendicular, tornando cada vez maior sua queda, causando o continuo aprofundamento, diretamente ao mais fundo do seu próprio interior. Dormiu por tantas horas que pareciam infinitas. Não que isso seja incomum para ele, mas dessa vez foi diferente.  É de se admirar que ainda esteja cansado, mesmo após todas as horas que permaneceu apagado. Um cansaço que seu corpo não permitia que conseguisse abrir os olhos para o nascer de um novo dia. O mundo tem tantos problemas difíceis de serem encarados que muitos fazem a escolha,  por diversas vezes, de que é melhor fechar os olhos e não abri-los mais. Não há cortina mais expressa do que a membranas que tapam nossas janelas. Não há luz que penetre quando estamos dispostos a encarar a escuridão que existe dentro de nós. Uma sombra tão profunda, silenciosa e difícil de ser vencida.

Acordou assim, com o corpo ainda adormecido, dolorido e como se tivesse atrofiado cada musculo e junta de suas pernas e braços. O pescoço duro, com pontadas que indicavam a constante permanência em uma única posição por um longo período. Parecia combalido e abatido mesmo após uma noite que lhe pareceu eterna de sono. Não conseguia saber exatamente que horas tinha se entregando ao cansaço na noite anterior, embora tivesse certeza que não tinha sido há pouco tempo. Na realidade parece que dormira por um longo intervalo de dias, mas isso podia ser apenas uma sensação estranha que estava sentindo. Porém, assim mesmo, sentia-se exausto.

Estava confuso e desorientado. Não conseguia fazer outra coisa além de sentar em sua cama. Parecia estar prestes a dormir novamente, mas não deixou-se permitir a isso. Encontrava-se completamente suado, entretanto não sentia calor, pelo contrário, percebeu que o tempo lá fora aparentava estar nublado e chuvoso. Ouviu o som da chuva forte, os estalos dos grandes pingos nas lonas e telhas de amianto e alumínio comuns na estrutura das casas da vizinhança. Junto com os ventos assobiantes, que batiam na parede e na janela do seu quarto, pressentiu que as ruas estavam vazias, como é de costume em tempestades. Não havia o barulho de pessoas conversando na calçada, nem das donas de casa escutando a rádio enquanto faziam seus afazeres. Não escutou o som de crianças brincando na rua ou de carros que queriam passar enquanto duas garrafas impedem a passagem ao fazerem o papel de trave em um gol. Ainda que, como de costume, na maioria das vezes sua rua seja silenciosa. Era estranho não ouvir o que costumeiramente ouviria do lado de fora. Aquilo trouxe o sentimento de estranheza, sendo que entendia que todos sempre fogem daquilo que é tumultuoso, principalmente em um dia de chuva.

Vestia apenas um short curto de flanela que sempre usava para dormir e não usava camiseta. — Mas por que estou tão suado? — O quarto estava totalmente escuro, não conseguia quase nem ver a palma da sua própria mão. Os sentidos aos poucos estavam voltando como costumeiramente ocorria toda manhã. O olfato foi crescendo aos poucos até chegar em seu potencial e a cada segundo que se recolocava no lugar sentia o odor enfadonho de umidade, caracteristicamente de um lugar abafado e bolorento. Será esse é mesmo o quarto dele? Os músculos que antes sentia como atrofiados ganhavam um poder maior com a circulação local de sangue. As pupilas dilatavam-se em busca de claridade para entender o que estava a sua volta. Ainda assim, tudo encontrava-se estranhamente desconhecido.

Arrastou-se dificultosamente até a beira da cama. Colocou os pés no chão e percebeu o quanto o chão estava frio e sujo. Ao tocar o piso notou como se sentia fraco e desorientado. Tateou suas pernas e sentiu uma dor tomar conta dos músculos das coxas e panturrilhas. Um formigamento começara como se estivessem retornando de uma longa falta de fluxo sanguíneo naquela área. Tinha a sensação de dormência. — Há quanto tempo estou deitado? — Se esforçou e escorou-se na beira da cama, se equilibrou e caminhou dificultosamente até onde podia acender a luz. Apertou o botão, mas a lâmpada não acendeu, parecia estar queimada. Caminhou mais um pouco e jogou a manta que bloqueava toda a luz que vinha de fora pela janela. De súbito o clarão da luz externa o cegou. A suas pupilas ainda não dilatadas por completo agora o faziam necessário colocar os braços em sua defesa para proteger meus olhos. Segundos se passaram até que pudesse enxergar a rua com aquela claridade forte e opaca de um dia nublado. Todavia no momento quando tudo se fez claro à sua frente, e as janelas dos seus olhos se abriram, não pode acreditar no que via. Imediatamente caiu para trás sem entender o que estava acontecendo. — Onde eu estou? — Que mundo era aquele que acabara de ver e estava agora escondido novamente pela grossa manta que se estendia na extensão da janela à sua frente?

Sentado, girou seu corpo até encostar suas costas contra a parede. Imediatamente se esforçou uma vez mais para se levantar, mas não teve coragem de olhar novamente pela janela. Estava tentando entender as imagens que vinham de fora e refletiu que o céu não estava acinzentado como é costume de um dia tempestuoso, mas encontrava-se avermelhado, como se a chuva não fosse natural, como se uma nuvem não fosse formada pelo vapor de agua, porém de poeira espessa, um vermelho amarelado em suas bordas, típico da luz do final de tarde e inicio de noite. Assimilou que todo firmamento estava sangrando e cansado. Assim se estendendo por todo o longínquo horizonte. O mundo parecia estar morto.

Rastejando, se dirigiu para uma parte do seu quarto distante da janela, entretanto desviava seu olhar para o que vinha de fora. Virado para o outro lado e de olhos fechados ia lentamente se esgueirando, cautelosamente, para a outra direção da janeila e bateu com a cabeça na quina inferior de um espelho grande vertical, com base de madeira maciça, que possuía em pé próximo a parede oposta à fenestra.  Apoiou-se no espelho, para poder se levantar, e aos poucos ganhou forças e ergueu seu corpo. Então abriu os olhos. Estava de frente ao espelho e dessa vez o impacto do que via foi maior do que quando abriu a janela, não conseguia acreditar. Ele estava acabado.

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