Uma semana depois e estou começando a aprender como é a rotina dessas garotas. São sete horas da manhã de segunda-feira e estou na cozinha preparando o café para elas.
Depois de terminar, eu ainda tenho quinze minutos para ver se Katherine se vestiu. Ela está naquela idade que quer escolher suas próprias roupas. Na maioria das vezes, eu a deixo escolher, porque gosto da ideia da liberdade de expressão. Mas ela tem três anos e quer usar seu tutu em todos os lugares. Houve momentos em que tive que convencê-la do contrário.
Jenny geralmente se veste enquanto estou fazendo o café da manhã. Ela nunca consegue decidir, por isso temos um desfile de roupas em potencial entre colheradas de cereal. Aos sete anos, ela tem mais roupa do que eu poderia imaginar. O resto do dia é dividido entre aulas de balé, ginástica, aulas de natação, música e, no meio disso, o almoço. São crianças ocupadas. Elas têm um calendário social maior do que a maioria dos adultos.
Jenny senta-se na banqueta do balcão da cozinha e sorri para mim e ofereço a taça de frutas para ela, que pega um morango e coloca na boca, sorrindo enquanto o suco escorre pelo queixo.
— Você escovou os dentes? — pergunto.
Ela pega uma fatia de pêssego e responde:
— Você sabia que a babá da Emily não a faz escovar os dentes?
Cruzo os braços e estreito os olhos para ela.
— Eu acho que vou ter que falar com a babá da Emily sobre a importância da higiene bucal.
— Mas a pasta de dentes faz as coisas terem um gosto estranho — Jenny faz um beicinho.
Coloco o iogurte para ela:
— Termine seu café da manhã e, depois, suba as escadas e escove os dentes.
Jenny franze a testa, mas continua comendo as frutas. Eu não sou rigorosa com a maioria das coisas, mas escovar os dentes é importante.
Eu estava colocando a minha tigela de cereais na máquina de lavar louça quando Hannah entra na cozinha com Katherine em seu quadril. Ela está grávida de quatro meses do terceiro filho, mas pelo tamanho da barriga, parece ser mais. Nós não sabemos se é um menino ou uma menina, e nós não vamos saber até o nascimento. As meninas estão muito firmes em ter uma irmãzinha, mas acho que Hannah quer um menino.
— Tem granola hoje? — Hannah pergunta antes de beijar a bochecha de Jenny.
— Sim, eu fiz! — exclamo, alegre. — E já coloquei um pouco em sua lancheira com sua vitamina e o suplemento de ferro. Também coloquei nozes, porque você precisa de seus ômega-3. Ah, e há um cupcake porque, bem, todo mundo precisa de um cupcake.
— Eu não sei o que eu faria sem você, Grace.
Essa é a coisa favorita sobre esse trabalho: o fato de que eu sou necessária. Jenny e Katherine precisam de mim. Hannah precisa de mim. Eu gosto disso. Eu gosto de cuidar das pessoas.
Hannah saiu pouco depois que Jenny terminou o café da manhã. Ela tinha um motorista esperando para levá-la para uma reunião com almoço em algum hotel de luxo no centro de Londres. Isso significa que ela vai voltar para casa muito mais tarde que o normal.
***
Sábado chegou muito rápido e quase não percebo. As meninas me mantinham tão ocupada que quando chega a hora de dormir, despenco na cama e durmo imediatamente.
— Até que horas vamos ficar acordadas?
Jenny está olhando para mim com seus grandes olhos azuis. Estamos em uma loja de calçados infantis para encontrar um novo par de chuteiras para o jogo de futebol dela hoje à tarde.
— Eu acho que até às 10 da noite — respondo, inclinando-me sobre o carrinho para verificar se Katherine ainda está dormindo. Ela está; adormeceu depois de choramingar para comprar-lhe um urso novo, mesmo sabendo que sua mãe não aprovaria.
— Eu acho que 11 horas é um pouco mais justo — Jenny argumentou.
— Ok — sorri.
Hannah a deixou ter uma festa de pijama com meia dúzia de suas amigas. Ela estava na minha cama a semana inteira fazendo uma lista de tudo o que ela queria fazer: seu próprio cupcake, maquiagens, desfile de moda, assistir filmes...
Às vezes eu esquecia que ela tinha apenas sete anos. Ela é muito falante, extrovertida e inteligente. Definitivamente tem uma queda para o drama, e é mais feliz quando é o centro das atenções, mas há algumas raras ocasiões em que ela é tímida, como quando está cansada, ou quando está em torno de novas pessoas. Ela pode ficar um pouco arrogante, mas isso não acontece vezes suficientes para que eu tenha que lhe dar uma repreensão. Normalmente, sou capaz de resolver o problema com uma conversa, e ela entende.
Deixei Jenny escolher suas próprias chuteiras. Lembrei-me o quanto eu odiava quando minha mãe escolhia as coisas para mim, então eu lhe dei a escolha. Ela decidiu em um par azul metálico, com detalhes rosa e prata.
Quando estamos a caminho do elevador, Katherine acorda. Ela está exigente, infeliz e, obviamente, com fome. Eu estava tão ocupada com as meninas, que eu quase não percebi que um homem vestindo um terno cinza estava nos seguindo desde que entramos aqui. O elevador se abre e entro às pressas, com a porta fechando antes que o homem misterioso possa chegar mais perto. Estou tremendo. Isso não é normal.
Mas tento esquecer por enquanto, afinal, eu tenho uma Katherine com fome para cuidar. E ainda preciso ir ao mercado.
Provavelmente é coisa da minha cabeça. Fiquei paranoica depois de ter sido atacada por Ryan há dois anos. Depois daquilo, sinto que estou sendo seguida o tempo todo.
***
Meu telefone tocou enquanto eu estava escolhendo as frutas no supermercado. Eu não o ligava durante o dia, porque se eles me ligassem, eu sabia que iria chorar, e eu não queria explicar para Jenny e Katherine. Então, eu o deixava desligado até que Hannah e as meninas estivessem dormindo, e depois eu chorava no travesseiro enquanto eu lia as mensagens. Apesar da voz no fundo da minha mente me dizendo para deixar ir para o correio de voz, eu atendi a chamada.
— Alô?
Do outro lado da linha, eu o ouvi tomar uma respiração de surpresa.
— Grace?
O senhor da balança me entregou o saco plástico com minha fruta, e eu agradeci a ele com um sorriso antes de sair.
— Oi, Gab — respondo e ele suspira. Ele ainda deve estar na cama, olhando para as estrelas que eu o ajudei a colar no seu teto. Está amanhecendo lá agora, logo após as seis da manhã.
— Eu não achei que você iria atender.
Meu coração se afunda ainda mais.
— Eu queria te ligar de volta, amor. Eu só... eu estive muito ocupada. — Eu não gosto de mentir para ele, mas eu não quero dizer a verdade: que ouvir sua voz me faz escorregar para um lugar que eu não quero ir. Ouço seu bocejo pelo telefone. Eu não me importo com o silêncio repentino. Só ouvi-lo respirar já é suficiente.
Eu tinha nove anos quando ele nasceu, e eu sempre me esgueirava em seu quarto à noite para vê-lo dormir. Eu tinha tanto medo que ele parasse de respirar. Sempre o fazia dormir e ficava com ele quando minha mãe não podia. Lia histórias e brincávamos de carrinho. Eu teria parado o mundo se ele pedisse.
— Mamãe tentou fazer aqueles cookies de doce de leite. Não tem o mesmo gosto que os seus.
Respiro fundo, segurando o ar por alguns segundos, enquanto meu peito fica apertado.
— Como estão todos? — pergunto.
— Bem — suspira. — Lucas me pediu para ir jogar futebol com ele, mas eu não fui.
Fico surpresa, não porque ele decidiu não ir, mas por dizer não para o melhor amigo, que ele tanto admira.
— Por que você não foi? Você ama futebol.
Gabe fica quieto por um momento.
— Só não senti vontade.
Houve momentos que ele só iria se eu fosse junto para assisti-lo jogar. Sinto uma dor no peito.
— Como está a mamãe?
— Está bem — diz calmamente. — Ela vem para casa do trabalho e, apenas se senta na frente da TV. — Isso não é surpreendente. Mas minha mãe era uma mulher de muitas palavras, antes da depressão. — E... ela chora às vezes, mas eu acho que eu não deveria saber disso. Eu a ouço à noite... Quando você vai voltar para casa?
Coloco as sacolas no porta-malas, depois das meninas terem entrado no carro, seguro o telefone com o ombro, e entro no carro.
— Eu acho que vai demorar um pouco, Gabriel.
Eu odeio dizer isso a ele, mas eu não posso lhe dar esperanças.
— Não é o mesmo, Grace.
Sua voz engata, e isso quebra meu coração.
— Eu gostaria que não tivesse que ser assim.
Estou prestes a chorar. Já posso sentir as lágrimas se formando.
— Mas é.
Sua voz sai forçada, desesperada:
— Você poderia voltar para casa, e tudo seria melhor. Eu tenho certeza disso.
Tento sorrir.
— Bebê, não é assim tão fácil...
Ele fica em silêncio novamente. Meus olhos começam a lacrimejar, mas respiro fundo. Eu só tenho que aguentar firme.
— Eu sinto sua falta — diz.
— Eu sinto sua falta também, bebê.
Eu quero desligar. Eu não posso suportar ouvir a sua voz mais.
— Se eu ligar de novo, você vai atender?
Eu nunca poderia dizer não à ele.
— Claro que eu vou.
Depois que ele desligou, me mantive firme até que eu cheguei em casa e desempacotei as compras. Coloquei Katherine na sua cama para um cochilo, enviei Jenny para casa de sua amiga ao lado e fiz para Hannah uma xícara de chá antes de me retirar para o meu quarto.
Eu mal fechei a porta antes de eu cair aos pedaços. Sentei no chão, abraçando meus joelhos, o rosto enterrado entre eles e chorei. Chorei por Gabriel, minha mãe e por mim.
Junho de 2018 Katherine está em pé no meio do corredor, completamente nua, com um picolé na mão. Tem sido uma longa batalha para levá-la para o banho, e eu estou prestes a acenar a bandeira branca. Por alguma razão, as duas meninas têm uma aversão extrema para água e sabão. — Katherine Mary Burton — ofego. — Estou pedindo a você com muito carinho. Tiro o cabelo do rosto, e coloco as mãos na cintura. Se há uma lição nisso, é que eu estou fora de forma. Perseguir uma criança de três anos de idade por dois lances de escadas e em torno de uma sala de brinquedos não foi fácil. Eu fiz uma nota mental para colocar um lembrete em meu celular para ir para uma corrida na próxima semana, se houver tempo. Vou começar a estudar inglês hoje à noite – faz parte do pacote de intercâmbio. — Agora, eu vou contar até três, e se você não entrar no banheiro, vamos descer e assistir aquele filme sobre a importância da higien
ObserveiHarry. Ele ficou em silêncio o tempo todo, com sobrancelhas franzidas e mordendoos lábios. Percebi que euestava assim também, e suandode nervosismo. Já não basta ser sequestrada por um psicopata maníaco, tenho que estarao lado de Harry! — O que vamos fazer agora? — pergunta a garota ruiva. Acho que nome dela é Irma. — Não sei, acho que devemos tentar descansar... ele disse que amanhã de manhã vamos ser treinados, então... — Kyle responde. Todos concordam com a cabeça e se levantam para ir, mas não consigo sair do meu lugar, parece que estou congelada. Ajeito uma mecha do meu cabelo atrás da orelha enquanto tento organizar as ideias e lembrar que fui raptada e que provavelmente serei morta, mas... não consigo. Não seja esquisita, não seja esquisita, repito para mim mesma ao mover meus pés e parar na frente dele. Há milhares de possíveis frases passando pela minha cabeça. Harry vai
Quando estamos terminando de comer, ouvimos um clique na porta de entrada, que abre automaticamente. Então as grades, que fechavam as janelas e portas, sobem, trazendo a luz do sol, e vejo que estamos em uma casa de campo, só há árvores e montanhas à nossa volta, um lindo gramado na frente e, da janela da cozinha, vejo um campo que parece ser de treinamento, com vários equipamentos, e um ginásio ao lado. Sinto um nó no estômago. Nunca fui boa nesse tipo de coisas.Alguns levantam para olhar à nossa volta e quandoNatancorre para a porta, um homem alto, bonito e musculoso aparece, vestindo calçapreta e uma camiseta preta, os braços cruzados ao olhar para nós seriamente. —Bom dia, sou oWill, e serei o instrutor de vocês. —Podemos saber por quê? Por que seremos treinados? —indagaAlex. —Sinto muito, mas estou como vocês. Fui capturado e obrigado a seguir asordens deles, caso contr
Julho de 2018 Tive pesadelos durante anoite. Eu me vi sozinha, afogando-me em águas paradas e profundas. Via as árvores me olharem, seus galhos se curvando para a superfície trêmula. Sentia a água tremer como se estivesse viva e depois perdia de vista as árvores e os galhos, tragada no líquido que me aspirava, cada vez mais fundo. Meus braços se estendiam dolorosamente para aquela luz, para aquele céu inacessível, apesar de meus esforços para soltar os pés e subir à tona para respirar. Acordo exausta e, encharcada de suor e trêmula por causa do sonho, caminho até o banheiro para tomar um banho e me trocar. Quando saio, a porta domeuquarto está aberta e alguém escreveu a palavra “puritana” em vermelho na porta. Onde conseguiram a tinta? A cama e o travesseiro estão manchados com a mesma tinta. Olho ao redor, com o coração batendo forte de raiva. Devon aparece na por
Eles cobrem meus olhos com uma faixa grossa, e amarram minhas mãos por trás. Com isso, o medo instintivo de não saber onde colocarei os pés, me trava. Me esforço para andar normalmente, mas tropeço a cada dois passos e sou levantada pelos guardas, avançando sem querer. Ouço alguns cliques e então o barulho de uma porta pesada se abre. Dentro do ambiente está gelado: ar condicionado. Ouço barulhos de pessoas trabalhando, como um escritório: papéis, teclado, bips. Escuto uma voz que parece estar no comando. Ele fala com alguém e tenho certeza de que não está contente. Tenho a impressão de ouvi-lo dizer "desse jeito você vai acabar com eles". Depois, há gritos e ordens sendo dadas. Muito depressa, os guardas me levam para a sala designada. Desamarram minhas mãos e a venda é retirada depois que a cortina da sala da enfermaria se fecha. Uma enfermeira está na minha frente, me olhando com pesar e compaixão. Quero falar, interrogá-la, mas nada me vem à mente. Ela me
Começo a subir e, quando já estou a alguns metros do chão, ele me segue. Move-se mais rápido do que eu, e logo suas mãos seguram o galho onde meus pés acabaram de pisar. A altura está me deixando tonta, minhas mãos doem de segurar os galhos e minhas pernas estão tremendo, mas não sei bem o motivo. Não é a altura que me assusta. De repente, percebo o que está me deixando tonta. É ele. Algo nele faz com que me sinta prestes a despencar. Ou derreter. Ou arder em chamas. Minha mão quase erra o galho seguinte. Uma rajada de vento bate contra o lado esquerdo do meu corpo, jogando o meu peso para a direita. Perco o fôlego, desequilibrando-me. A mão de Harry segura o lado do meu quadril, me ajuda a me equilibrar e me empurra suavemente para a esquerda. Agora eu é que não consigo respirar. Fico parada, olhando para as minhas mãos, com a boca seca. Sinto a presença de sua mão que já não encosta mais em mim, de seus dedos longos e estreitos. — Você e
Descobri o mundo da insônia desde que cheguei nesse local. Em uma dessas noites, escutei uma conversa cochichada dos guardas, como se estivessem muito próximos da minha janela. Ouvi um deles dizer que por um triz não tínhamos conseguido fugir. Que se fôssemos mais espertos, teríamos visto o portão logo atrás das árvores, que permaneceu aberto por alguns minutos, por conta de uma falha elétrica. Eu vi o portão. Quando subi naquela árvore, pude ver o que está ao nosso redor. É uma selva densa, não vi nada além de árvores e montanhas, mas avistei o enorme portão escondido entre elas. Então a conversa mudou de rumo... parei de ouvir depois disso. Deito-me olhando para o teto, no escuro do meu quarto. Por fim, acabo fechando os olhos e começo a cochilar. *** — Que bom ver você po
Uma semana de treinamentos depois, ainda estou com dificuldades e Harry voltou a me ignorar, fazendo de conta que eu não existo. Ainda não sei como me sinto sobre isso. Também tentei não pensar muito em Derek e no fato de que ele tem me observado. Não contei a ninguém o que houve naquele dia na enfermaria. Às quatro da tarde, duas vezes por semana, antes do pôr do sol, os guardas mascarados e armados entram na casa para repor os alimentos. Depois, eles se dirigem até o portão para trocar de turno. Eu seguia seus gestos com extremo interesse, tentando encontrar a falha do sistema que nos permitisse escapar. Porém, não podíamos falar sobre a fuga, eles iriam ouvir; então, aprendemos a nos comunicar com gestos e olhares. A fuga estava finalmente sendo planejada. *** Um