Observei Harry. Ele ficou em silêncio o tempo todo, com sobrancelhas franzidas e mordendo os lábios. Percebi que eu estava assim também, e suando de nervosismo. Já não basta ser sequestrada por um psicopata maníaco, tenho que estar ao lado de Harry!
— O que vamos fazer agora? — pergunta a garota ruiva. Acho que nome dela é Irma.
— Não sei, acho que devemos tentar descansar... ele disse que amanhã de manhã vamos ser treinados, então... — Kyle responde.
Todos concordam com a cabeça e se levantam para ir, mas não consigo sair do meu lugar, parece que estou congelada. Ajeito uma mecha do meu cabelo atrás da orelha enquanto tento organizar as ideias e lembrar que fui raptada e que provavelmente serei morta, mas... não consigo.
Não seja esquisita, não seja esquisita, repito para mim mesma ao mover meus pés e parar na frente dele.
Há milhares de possíveis frases passando pela minha cabeça. Harry vai sorrir e me puxar para um abraço e me beijar. Um beijo real com ele.
Mas tudo o que consigo falar na verdade, olhando fixamente para ele, é:
— Oi.
Parece que cada nervo do meu corpo está gritando, e tenho vontade de fugir e correr para muito longe agora.
Harry não se apressa em levantar a cabeça e olhar para mim.
— Oi — ele responde, enfim me olhando diretamente e pousando as mãos no colo.
Tem alguma coisa por trás do seu olhar que não consigo decifrar e que nunca vi antes. Tem uma formalidade nele. Harry é tão familiar que é quase assustador. Esse não é um rosto que copiei da internet e colei na minha mente. Esse é o homem que conheço e amo. O meu cara. Ele é meu e eu...
— Você precisa de alguma coisa? — Harry inclina a cabeça para o lado. Engulo em seco e, quando enfim respondo, minha voz sai fraca:
— Você... você se lembra de mim?
E, enquanto procuro em seu rosto algum sinal de reconhecimento - algo como o que eu pensei ter visto no seu olhar quando o vi pela primeira vez antes - a sensação é de que meu coração afundou até o estômago, e as laterais do estômago estão se dobrando em torno dele.
É neste momento que Cornélia, a garota da voz irritante, se inclina sobre Harry e o beija no rosto.
— Oi Harry, sou Cornélia — ela olha para mim. — E quem é você?
Quem é você?
Quero gritar. Sinto as lágrimas se formando em meus olhos novamente, e estou fazendo todo o possível para mantê-las ali. Olho para Harry e, por um momento, seu olhar exibe um pequeno sinal de compaixão, que é substituído rapidamente pela mesma expressão calma.
— É Grace, não é? — Harry pergunta.
A garota-da-voz-irritante ainda está pairando sobre ele, seu belo rosto próximo ao dele, o cabelo longo, liso, sedoso e brilhante dela está sobre o ombro dele.
É Grace, não é?
— É — consigo falar.
— Vocês se conhecem? — Cornélia pergunta.
Nem Harry nem eu falamos. Não aguento olhar para ela tão próxima dele assim e ver que ele não fez nada para afastá-la, então encaro o chão, esperando pela resposta dele. E, quando ela vem, só fecho os meus olhos por completo.
— Não, não nos conhecemos — diz ele, calmamente.
Meu cérebro sabe que é completamente idiota me sentir rejeitada por alguém que não tenho certeza se conheço, mas meu coração não parece ter captado a mensagem ainda.
Saio do meu torpor e balanço a cabeça, entendendo. Viro-me para o corredor, tentando voltar para aquele quarto que estava antes, que deve ser o meu de agora em diante.
Harry me segue pelo corredor. Quando chego à porta do quarto que provavelmente é o meu, ele para em frente da porta do outro lado, me olha mais uma vez, e, com um aceno, entra no seu quarto, que agora sei que é em frente ao meu.
Quando entro, paro com as costas na porta fechada, ofegante. Tremendo de medo e ansiedade.
Em menos de 24 horas, fui sequestrada e ainda me deparei com a personificação dos meus sonhos! Fiquei mais preocupada e ansiosa com o homem dos meus sonhos do que com o sequestro.
Meu coração parece estar dominando meu corpo, e minha mente está perdendo essa batalha.
Tranco a porta e caio na cama, coloco minha cabeça no colchão, choro e tento silenciar meus soluços colocando a boca no travesseiro.
***
"— Está pronta? — Harry pergunta. Estou na porta de um avião, prestes a saltar de paraquedas, enquanto Harry segura meus braços.
— Isso não parece nada seguro — comento.
— Vai ser ótimo — diz ele. — E eu vou estar bem atrás de você, prometo. O que de pior que pode acontecer?
— Não sei, cair e quebrar um osso?
Harry ri.
— Não vai quebrar nada. Você está segura.
Eu abro um sorriso lentamente.
— Então? — Harry pergunta.
— Bom, o que você está esperando?
Harry sorri, me dá um beijo na bochecha e um grande empurrão. Começo a cair, gritando como uma louca. Noto que estou caindo rápido demais, e minha visão torna-se um borrão.
— Harry? — grito.
— Uhuuu! — Ouço ele gritar, enquanto surge, disparando atrás de mim.
Ele parece estar prestes a me ultrapassar, mas, em vez disso, estende um braço, puxa a minha mão na sua direção e só a solta para abrir o paraquedas.
De repente o cenário muda, não sinto mais sua mão na minha e não o vejo em lugar algum. Estou em um campo verde, olhando para todos os lados. Ele foi embora.
— Harry? Harry! — grito, desesperada. Então sinto seus braços me envolvendo.
— Calma, amor. Estou aqui. Estarei sempre aqui."
Acordo com um alarme que soa no corredor. Uma voz nos informa que temos que nos preparar para o café da manhã, pois em trinta minutos o instrutor irá chegar.
Levanto-me, lavo meu rosto, que está inchado de tanto chorar, amarro o cabelo em um rabo alto, visto uma calça preta e uma camiseta preta com um símbolo laranja na lateral. Calço um coturno preto e saio para o corredor.
Quando abro a minha porta, a porta em frente também se abre, e Harry sai, com o cabelo escondido em um boné, vestindo roupa preta igual à que estou usando. Andamos lado a lado pelo corredor e logo vemos todos fazendo uma fila para se servir.
Neste momento, o homem dos meus sonhos está pegando um prato e se direcionando para a fila do café da manhã, e minha tarefa hoje é ver o que ele come. Porque, se eu descobrir que ele tem as mesmas preferências do Harry dos sonhos – odeia azeitonas, ama pizza e tem uma queda por doces - vou saber se estou mesmo sonhando com uma pessoa real...
Fico atrás dele na fila. Bato os dedos em meu prato com nervosismo, sentindo alívio ao chegar aos pedaços de banana. Isso!
Uma vez, em um dos sonhos, reclamei para Harry que era ruim quando minha mãe colocava canela na banana para eu comer.
"— Na verdade, eu gosto de banana com canela — disse ele, enquanto nos sentávamos no campo de tulipas na Holanda, em um piquenique, assistindo a um pôr do sol maravilhoso. — Mas você já provou com açúcar mascavo? Aqui. — Ele colocou um pedaço na minha boca, sorrindo enquanto eu mastigava."
Olho para Harry com o canto dos meus olhos, aponto para os pedaços de banana e pergunto:
— Você já comeu isso com açúcar mascavo?
Por favor, diga que sim.
— Não — responde, casualmente. Mas ele nem sequer espera pela minha resposta e segue para a fila do café, enquanto meu coração afunda.
— E a Holanda? — insisto, quando chego à mesa do café. — Já esteve lá?
Harry enfim olha para mim, mas a expressão em seu rosto não é exatamente o que eu esperava. É hostil. Desvio o olhar, coloco um copo em posição para servir o meu café, mas estou tensa e acabo derramando o líquido quente no meu prato e um pouco na mesa. Suspiro.
Harry ainda está olhando para mim com o cenho franzido, mas dessa vez percebo que tem um vestígio de sorriso começando a aparecer em seus lábios, como se ele estivesse forçando sua boca para não rir.
— O quê? — pergunto.
— Nada. Você faz muitas perguntas.
— Então, Holanda? — pergunto de novo.
— Nunca estive.
— França? Espanha? — insisto, lembrando-se de nossos passeios turísticos nos sonhos.
— Não mesmo.
Respiro profundamente.
O que estou fazendo? Ele com certeza não é a pessoa que eu desejo com todas as forças que seja. Quantas vezes ele precisa me ignorar antes de eu colocar isso na minha cabeça? Harry não é o mesmo cara que eu sonho. Não é possível.
Sento-me na frente de Irma e Angela, que sorriem para mim e sorrio de volta.
Harry senta do meu lado. Balanço a cabeça para afastar os pensamentos sobre a proximidade dele. Não é como se ele me nota ou gosta de mim.
Meu ombro arde, e afasto um pouco a camiseta para dar uma olhada. Está ferido, deve ter sido durante o ataque daquele homem que me trouxe aqui.
— Nossa, que escândalo! A puritana está exibindo um pedaço do corpo!
Levanto a cabeça. Devon aponta para mim, rindo debochadamente. Ouço mais risadas. Ele já deduziu que sou uma puritana? E por que ele está rindo de mim? Meu rosto esquenta, e arrumo a camiseta.
— Vamos ver quanto tempo você vai durar aqui, docinho... — continua Devon. Seu riso me deixa nervosa. Penso em responder algo, talvez para convencê-lo de que vou durar sim, mas as palavras me escapam. Não sei por que, mas não quero que Devon olhe para mim mais do que já olhou. Na verdade, não quero que ele olhe para mim nunca mais. Devon continua a me provocar:
— Me deixa adivinhar: segunda é dia de clube do livro, terça é noite de jogo em família, quarta é dia de estudo bíblico, e quinta você se encontra com o grupo de costura para fazer manta para os velhinhos. Cheguei perto?
Não é a primeira vez que me ridicularizam sem saber quem eu realmente sou, mas - não sei por que - talvez porque pareça tão incompatível com o local onde estamos, dessa vez é mais desanimador. Não olho para ele.
— Dá para você calar a boca? — Angela diz, em um tom agressivo. Gosto dela.
Há um silêncio.
— Espera um pouco — Devon diz, e, por algum motivo idiota, eu levanto o olhar, supondo que ele queira pedir desculpa. — Quando é que você tem tempo para fazer o sopão?
Ouço risadinhas na mesa. Então nos assustamos quando Harry soca a mesa com força e olha furioso para Devon.
— Mas que porra!? Será que você não consegue calar a merda dessa boca?
Devon arregala os olhos para ele. Olho para minhas mãos.
— Pessoal, que tal nos acalmar e começarmos a comer? — Natan diz calmamente.
Todos começam a comer em silêncio. Meus olhos avistam um relógio em cima da geladeira, e vejo que são sete horas da manhã, mas ainda não tenho ideia de qual é a data de hoje.
Natan cutuca meu lado e olho para ele, que com um pequeno sorriso, pergunta:
— Está bem, querida? Conseguiu dormir?
Franzo as sobrancelhas. Ele está falando comigo? Por que ele se importa?
Seja o que for, gosto dele.
Sorrio em resposta, acenando que sim com a cabeça, ainda não confiando em falar, porque acho que vou gaguejar ou minha voz não vai sair.
Quando estamos terminando de comer, ouvimos um clique na porta de entrada, que abre automaticamente. Então as grades, que fechavam as janelas e portas, sobem, trazendo a luz do sol, e vejo que estamos em uma casa de campo, só há árvores e montanhas à nossa volta, um lindo gramado na frente e, da janela da cozinha, vejo um campo que parece ser de treinamento, com vários equipamentos, e um ginásio ao lado. Sinto um nó no estômago. Nunca fui boa nesse tipo de coisas.Alguns levantam para olhar à nossa volta e quandoNatancorre para a porta, um homem alto, bonito e musculoso aparece, vestindo calçapreta e uma camiseta preta, os braços cruzados ao olhar para nós seriamente. —Bom dia, sou oWill, e serei o instrutor de vocês. —Podemos saber por quê? Por que seremos treinados? —indagaAlex. —Sinto muito, mas estou como vocês. Fui capturado e obrigado a seguir asordens deles, caso contr
Julho de 2018 Tive pesadelos durante anoite. Eu me vi sozinha, afogando-me em águas paradas e profundas. Via as árvores me olharem, seus galhos se curvando para a superfície trêmula. Sentia a água tremer como se estivesse viva e depois perdia de vista as árvores e os galhos, tragada no líquido que me aspirava, cada vez mais fundo. Meus braços se estendiam dolorosamente para aquela luz, para aquele céu inacessível, apesar de meus esforços para soltar os pés e subir à tona para respirar. Acordo exausta e, encharcada de suor e trêmula por causa do sonho, caminho até o banheiro para tomar um banho e me trocar. Quando saio, a porta domeuquarto está aberta e alguém escreveu a palavra “puritana” em vermelho na porta. Onde conseguiram a tinta? A cama e o travesseiro estão manchados com a mesma tinta. Olho ao redor, com o coração batendo forte de raiva. Devon aparece na por
Eles cobrem meus olhos com uma faixa grossa, e amarram minhas mãos por trás. Com isso, o medo instintivo de não saber onde colocarei os pés, me trava. Me esforço para andar normalmente, mas tropeço a cada dois passos e sou levantada pelos guardas, avançando sem querer. Ouço alguns cliques e então o barulho de uma porta pesada se abre. Dentro do ambiente está gelado: ar condicionado. Ouço barulhos de pessoas trabalhando, como um escritório: papéis, teclado, bips. Escuto uma voz que parece estar no comando. Ele fala com alguém e tenho certeza de que não está contente. Tenho a impressão de ouvi-lo dizer "desse jeito você vai acabar com eles". Depois, há gritos e ordens sendo dadas. Muito depressa, os guardas me levam para a sala designada. Desamarram minhas mãos e a venda é retirada depois que a cortina da sala da enfermaria se fecha. Uma enfermeira está na minha frente, me olhando com pesar e compaixão. Quero falar, interrogá-la, mas nada me vem à mente. Ela me
Começo a subir e, quando já estou a alguns metros do chão, ele me segue. Move-se mais rápido do que eu, e logo suas mãos seguram o galho onde meus pés acabaram de pisar. A altura está me deixando tonta, minhas mãos doem de segurar os galhos e minhas pernas estão tremendo, mas não sei bem o motivo. Não é a altura que me assusta. De repente, percebo o que está me deixando tonta. É ele. Algo nele faz com que me sinta prestes a despencar. Ou derreter. Ou arder em chamas. Minha mão quase erra o galho seguinte. Uma rajada de vento bate contra o lado esquerdo do meu corpo, jogando o meu peso para a direita. Perco o fôlego, desequilibrando-me. A mão de Harry segura o lado do meu quadril, me ajuda a me equilibrar e me empurra suavemente para a esquerda. Agora eu é que não consigo respirar. Fico parada, olhando para as minhas mãos, com a boca seca. Sinto a presença de sua mão que já não encosta mais em mim, de seus dedos longos e estreitos. — Você e
Descobri o mundo da insônia desde que cheguei nesse local. Em uma dessas noites, escutei uma conversa cochichada dos guardas, como se estivessem muito próximos da minha janela. Ouvi um deles dizer que por um triz não tínhamos conseguido fugir. Que se fôssemos mais espertos, teríamos visto o portão logo atrás das árvores, que permaneceu aberto por alguns minutos, por conta de uma falha elétrica. Eu vi o portão. Quando subi naquela árvore, pude ver o que está ao nosso redor. É uma selva densa, não vi nada além de árvores e montanhas, mas avistei o enorme portão escondido entre elas. Então a conversa mudou de rumo... parei de ouvir depois disso. Deito-me olhando para o teto, no escuro do meu quarto. Por fim, acabo fechando os olhos e começo a cochilar. *** — Que bom ver você po
Uma semana de treinamentos depois, ainda estou com dificuldades e Harry voltou a me ignorar, fazendo de conta que eu não existo. Ainda não sei como me sinto sobre isso. Também tentei não pensar muito em Derek e no fato de que ele tem me observado. Não contei a ninguém o que houve naquele dia na enfermaria. Às quatro da tarde, duas vezes por semana, antes do pôr do sol, os guardas mascarados e armados entram na casa para repor os alimentos. Depois, eles se dirigem até o portão para trocar de turno. Eu seguia seus gestos com extremo interesse, tentando encontrar a falha do sistema que nos permitisse escapar. Porém, não podíamos falar sobre a fuga, eles iriam ouvir; então, aprendemos a nos comunicar com gestos e olhares. A fuga estava finalmente sendo planejada. *** Um
— Sobre a Companhia... É uma organização do governo? — Harry pergunta, desviando a atenção de Jason sobre mim. Ele parecia calmo, sentado no sofá, suas mãos descansavam em cima dos joelhos, mas seu corpo estava tenso. E, quando ele ajustou a sua posição, notei que a camiseta estava presa nas costas, dando acesso rápido e fácil à arma colocada ali. Nenhum de nós pode usar as armas quando não estamos em treinamento, ou sem a autorização de Will, e como ele tem uma? — Não, está além do governo. Mas eles são em grande parte financiados pelo governo, e existe um acordo mútuo entre eles. O governo deixa a Companhia fazer o que bem entender e, o que quer que desenvolvam, eles terão acesso a isso em primeira mão. — Jason responde. Isso me deixa enojada. Um peso cai sobre meu estômago. — Mas se o plano inicial deles era uma guerra invencível, e eles mudaram de ideia... o que eles querem, afinal? — Natan pergunta. — Eles querem vendê-los como uma
HARRY Não demorou muito - entre a subida íngreme e o calor - a falta de ar. Natan e eu temos treinado intensamente e, embora Grace tenha uma força física surpreendente, subimos rapidamente por cerca de uma milha antes de ela pedir um descanso. A folhagem densa esconde nossa visão, então decido escalar uma árvore com galhos baixos e firmes, para obter uma visão melhor. E desejei que não tivesse. O gramado que tinha antes de começar a floresta parece estar sangrando, cheio de manchas vermelhas. Corpos jazem no chão, mas a esta distância, com todos vestidos de preto, eu não posso dizer quem escapou ou quem morreu. Bem, o que eu pensei? Que por eles precisarem de nós, esperava que pudessem mostrar alguma... o quê? Retenção? Relutância, pelo menos.