Entre mortos e feridos, Eliza conseguiu sobreviver àquela conversa. Definitivamente, aquela semana não começou bem para ela, ainda mais quando teve que aguentar as alfinetadas de Giulietta, insinuando que ela deveria estar preparada para deixar a galeria, pois seu trabalho era desnecessário e inútil. Além, é claro, de evidenciar com todas as letras, que ela era uma imprestável. Desde o dia que Eliza colocou os pés na galeria, tudo desandou na vida dela: estudo, trabalho, amizades; era um problema atrás do outro — como se ela fosse um ímã e tivesse a má sorte de atraí-los para si. Contudo, seu único triunfo era saber que Giulio e Beatrice estavam viajando, pois dessa forma, eram dois problemas a menos em sua extensa lista de estresse. Pelo menos, era nisso que ela queria acreditar — mesmo descartando o fato de que Giulio ainda permeava seus sonhos mais belos.Constantemente, Eliza se auto recriminava por permitir que ele assumisse o comando de seu coração e de seus pensamentos. Infeli
Como já era de se esperar, a nova assistente da senhora Pallot se apresentou bem cedo na manhã seguinte e, quando Eliza chegou para trabalhar, a encontrou conversando animadamente com Vitoria. Para decepção de Eliza, a jovem era belíssima: alta, cabelos claros e longos, olhos azuis e pernas torneadas. A primeira vista ela era amistosa e logo as duas travaram diálogos de conhecimento. Eliza se surpreendeu com o talento de aprendizado, perspicácia e disposição que encontrava na outra. E, assim como ela, a jovem mostrava uma simpatia sincera para o mundo das cores: o olhar encantado dela para as telas a lembrava a si mesma, em seu primeiro dia de trabalho. Contrariando todas as expectativas de suas inimigas, Eliza repassou com a maior boa vontade, todas as tarefas, que antes era executada por ela; para a nova estagiária — Giovanna Villon —, que assim como ela, também era apaixonada por arte. No primeiro momento Eliza ficou surpresa por ter sido a escolhida para mostrar todas as ativid
Após Giulio sair acompanhando por Beatrice, não demorou muito para Eliza sair para almoçar. Depois da discussão desagradável com Lúcia, ela estava evitando-a ao máximo, de maneira que a fazia excluir todos os locais públicos da casa: sala, varanda e principalmente, a cozinha. Por conta disso, ela não preparou seu almoço e agora teria que gastar suas poucas moedas em uma refeição.Como naquele dia ela iria almoçar fora, optou pelo menor restaurante do bairro — não apenas por que era o que oferecia os menores preços da cidade, mas também, por que tinha um clima agradável e aconchegante. Assim que Eliza entrou no estabelecimento, alguém a chamou. Virando-se em direção a voz, deparou-se com Geovane acenando calmamente para ela: ele estava sentado em uma mesa de canto, um pouco afastado dos demais clientes. Encontrá-lo, lá, a deixou contente, pois Geovane exalava uma energia muito boa e mais do que nunca, ela estava precisando de boas vibrações. Sorridente, ela se aproximou da mesa que
Essas idas e vindas de Giulio na galeria estavam deixando Eliza com os nervos à flor da pele. Naquele momento a concentração dela estava descendo ladeira à baixo e ela teria que se esforçar imensamente para arrastá-la de volta.Pensar que por causa dele, tivera que abrir mão de seus objetivos a amargurava profundamente. Desde que o conheceu, seus dias estavam cinza, sem cores e sem vida, isso deixava-lhe com uma tremenda raiva — não apenas dele, mas, principalmente de si, por se permitir amar um homem que apenas a esnobava.Mesmo querendo estapear a si própria, por se deixar enganar pelo seu coração traiçoeiro, Eliza se perguntava em que momento Giulio perdeu o interesse por ela; em que momento seu encanto sobre ele acabou. Perceber que já não significava nada na vida dele a deixou arrasada. A indiferença de Giulio era mais fatal para ela, do que um punhal cravado em seu peito.Embora pressentisse que a treva da indiferença a perfuraria por dentro como uma lança afiada, ela resolveu a
Depois da discussão com Giulio, o restante da tarde passou rapidamente e Eliza esperava ansiosa o badalar dos ponteiros para deixar aquele lugar sufocante. Só em pensar que no dia seguinte teria que estar de volta na galeria, causava-lhe arrepios. Ela amava tudo que estava ligado a arte, mas, aquele ambiente belo e requintado, no momento, representava a imagem da hostilidade pura. Para ela, a vivacidade daquela galeria foi apagada pelo clima pesado que a rondava: uma arte viva enterrada em um lugar morto.Enquanto Eliza aguardava, melancólica, o passar das horas, seu olhar encontrou o de Giovanna, que assim como ela, esperava ansiosa pelo final do expediente. Curiosamente, Eliza percebeu haver uma conexão entre elas: ambas faziam parte do mesmo ciclo contraditório. A jornada dela para conhecer Giovanna precisava da renúncia de seu cargo e a da outra, a aceitação da proposta. Se o vínculo que as unia fosse diferente, ambas poderiam florescer uma amizade pela arte, mas, infelizmente, a
Vê-la afastar-se o trouxe de volta a realidade e, mesmo sabendo que ele estava propenso a sair machucado daquela história, ele a alcançou e a puxou gentilmente pelo braço.— Ainda não terminamos nossa conversa.— Por favor, não dificulte as coisas. — Ela disse num fio de voz.Mesmo que amasse Eliza, desesperadamente, ele estava determinado a pôr um fim naquela conversa, antes que ambos se exaltassem. Sem ousar insulta-la, ele falou. — Só estou preocupado com o seu bem-estar físico e emocional. Se você permitir, posso marcar uma consulta para você com o médico de minha família.— Giulio, você mais do que ninguém conhece minha situação: eu simplesmente não tenho condições financeiras para pagar um médico da estirpe do médico de sua família... Essa indicação é no mínimo, ridícula.— Quando me propus a marcar a consulta para você, significa que serei eu a arcar com todas as despesas. — Ele retrucou resignado acerca dos argumentos, dela.— Nada que vem de você sai de graça: a conta do jan
Encarar Giulio depois de tudo que aconteceu, foi muito difícil. A vontade que Eliza tinha naquele momento era de enfiar a cara no chão e enterrar-se de tanta vergonha.Olhando para si própria e para Beatrice, percebeu que ela foi muito burra ao se deixar levar pelas armações, da outra. Era óbvio que cada passo de Beatrice foi meticulosamente calculado, e essa verdade veio à tona, no momento em que ela se jogou chorando compulsivamente nos braços de Giulio e a acusou descaradamente.— Giulio, essa louca me agrediu.Atraída pelo fuzuê que se instalou na galeria, Giulietta entrou no salão principal, igual um furacão, seguida de perto por Giovanna, que olhou para Eliza, completamente atônita. — Posso saber o que está acontecendo aqui? — Giulietta perguntou, olhando para Eliza e depois para Beatrice que chorava nos braços de Giulio. — Titia, essa desvairada me agrediu física e moralmente. — Sua mentirosa, sua falsa! Você me provocou. — Eliza acusou-a e acre
Mesmo com o firme propósito de afogar as mágoas e sufocar as lágrimas no fundo de um rio; Eliza sabia em seu íntimo que esses pensamentos eram frutos de uma alma vazia e contraditória, escondida em meio a uma alto estima, que nunca existiu.O espelho, a sua frente revelou o quanto ela estava enganando-se. Diante dela estava refletida a imagem de uma jovem amedrontada e perdida dentro de sua própria insignificância. Dentro daquele ínfimo ciclo, chamado, vida, ela era um nada, um Zé-ninguém. Ela era apenas uma imagem pálida e rebuscada tentando encontrar-se no mundo.Ao olhar mais uma vez para seu reflexo desfalcado, ela se perguntou em que momento da vida se perdeu de si própria. Eliza sabia que não seria preciso ir muito longe ou gastar neurônios, para descobrir que perdeu-se de si mesma no exato momento que encontrou Giulio. Encontrá-lo foi sua perdição, sua condenação; pois ele tirou dela a única coisa que ainda a fazia sentir-se viva: os sonhos. Agora ela estava vazia, incompleta.