-Ailton! Já estamos alto demais, cara. É melhor pularmos daqui – gritou Felipe, certo de que se olhasse para baixo ficaria zonzo e despencaria daquela altura estonteante.
-Deixa de ser frouxo, Felipe, só faltam mais alguns metros.
Os rapazes escalavam o paredão diante da cachoeira, desafiando sua verticalidade e se exibindo para os celulares apontados pelos amigos lá embaixo. O lugar, além da beleza exuberante, também tinha os seus perigos, prontos a se apresentarem quando provocados por atitudes tolas como aquelas.
Felipe criou coragem e finalmente olhou para baixo, estava certo, ficou imediatamente zonzo e sentiu o corpo perder o peso, só não despencou por muito pouco, as mãos suavam nas reentrâncias onde se agarrava. Lá embaixo podia ver o restante dos amigos, cervejas em uma das mãos e celulares na outra. Não queria decepcionar as câmeras, mas após aquele enjoo repentino, pensou:
“Que se foda”. Saltou para dentro da lagoa vencendo rapidamente os mais de dez metros que o separavam da água. Apesar do medo, a sensação da queda foi prazerosa e ele terminou com um belo mergulho, indo nadar até a borda do pequeno lago, onde a namorada, Amanda, o agarrou e beijou.
Os demais amigos se aproximaram. Rafael, grande e forte como um touro, o tirou do chão e o arremessou de novo para dentro da água.
-É um covarde mesmo! – gritou o gigante.
-Covarde? Eu? Foi você quem ficou quietinho aqui no chão – rebateu Felipe enquanto passava as mãos pelos cabelos longos de roqueiro dos quais tanto se orgulhava.
-Você sabe que eu teria chegado lá em cima antes dos dois se não fosse essa gripe maldita. A final do Rugby é semana que vem, preciso estar bem.
-Que desculpa mais fajuta, Rafael – Amanda defendeu o namorado, se inclinando para beijá-lo dentro da água.
-Ei galera, o Ailton vai conseguir. Olhem lá – Caroline apontou para o próprio namorado que estava prestes a atingir o topo do paredão.
-Se ele cair agora vai ser feio – Rafael retornou para junto da namorada, Vanessa.
-Vira essa boca pra lá, Rafa – protestou a moça de pele de ébano e fartos cabelos cacheados, que ainda não tinham tocado na água.
-E por que você não vira essa boca pra cá? – perguntou Rafael, puxando o queixo da namorada e lhe dando um beijo exagerado. Ao mesmo tempo, enquanto a beijava, ele guiava a mão da moça que carregava o celular. – Mas não pare de filmar, se esse idiota cair, nós precisaremos ter isso registrado para zoeiras futuras.
-Você não presta.
-Eu sei.
Vencendo os últimos centímetros de escalada, Ailton finalmente alcançou o topo. Ele ficou de pé diante da beirada e respirou fundo, contente com a vitória, feliz com a sensação de superação. Ele gostava de desafios, era sempre intrépido quanto a desafiar limites e seus amigos sempre tinham dificuldade em lhe alcançar. Ignorando os gritos de “pula” vindos lá de baixo, ele olhou ao redor e viu a famosa pedra onde todos aqueles que conseguiam subir ali escreviam os seus nomes.
A Cachoeira do Paredão, como era chamada, era famosa não apenas por sua beleza, mas também pelos muitos acidentes. Do caminho da cidade até lá, o grupo passou por diversas placas alertando sobre o perigo do paredão e que era proibido escalá-lo.
Diante da pedra, Ailton se ajoelhou e viu que havia poucos nomes gravados ali, o paredão era mesmo ameaçador e apenas doze pessoas tinham deixado sua marca ao longo dos anos. Antes de pegar um dos muitos pedregulhos ao redor para também riscar as letras de seu nome, ele correu os dedos por um em especial, Roberto Manfredini, o seu pai.
Ele nunca havia duvidado de que a história fosse verdadeira. De que seu pai fora um jovem bastante transgressor em sua juventude, e que tomou juízo apenas quando engravidou sua mãe, Suzana, e, sob a mira da velha espingarda de seu avô, precisou pedi-la em casamento. Ailton se lembrava com muito carinho do pai, que tanto se esforçou para criá-lo, mesmo sendo semianalfabeto e sem nenhuma educação formal, com um emprego medíocre em uma das muitas fazendas da região, ele jamais deixou faltar nada para o filho. Mesmo que para isso precisasse passar dias no trabalho fazendo as atividades de muitos homens e voltando para casa esgotado, Roberto sempre conseguia garantias de que o filho não seria tratado de forma diferente na escola, perante os amigos, por não ter o necessário para estudar e se enturmar.
Após se afastar das lembranças do pai falecido, Ailton também cravou o seu nome e voltou até a beirada do paredão. Os amigos gritavam impacientes. Ele fez um teatro de movimentos e por fim saltou de cabeça, os braços erguidos à frente para trespassar a água com mais facilidade.
Os gritos de incentivo foram diversos. Os cinco jovens ao redor do pequeno lago vibravam, mas a comemoração parou aos poucos à medida que o tempo passava e Ailton não voltava à tona. Os segundos tornando-se lentos e morosos. Aflitos, os jovens começaram a gritar e Felipe, que já estava molhado, e até mesmo Rafael que não tinha se livrado das roupas, pularam para dentro do lago e nadaram em direção ao local em que Ailton havia mergulhado. Todos temiam pelo pior.
Ambos voltaram à tona sem encontrá-lo.
-Eu não consegui vê-lo – gritou Felipe desesperado.
-Eu também não! – endossou Rafael, temeroso de que o amigo tivesse batido a cabeça em alguma pedra no momento da queda.
-Não, não! Deus do céu... Ailton... – balbuciava Caroline quando um jato de água acertou Felipe na nuca, o fazendo voltar-se para o outro lado do lago, onde Ailton emergiu jogando água nos amigos e rindo como um louco.
-Seus idiotas! Acharam mesmo que eu ia me afogar? – e continuou com sua risada, mas somente até que seus amigos o alcançaram com a promessa de que desta vez seria de verdade, e o empurram como castigo para o fundo do lago.
As meninas se entreolharam, as sombras do nervosismo de segundos atrás se desvanecendo por completo, antes de elas também se despirem e se juntarem à bagunça.
***
A noite tinha chegado um pouco mais fria do que os jovens imaginavam e o calor da fogueira era mais do que bem vindo. A clareira escolhida para o acampamento ficava em uma parte mais alta na área de mata preservada, ladeada por um belo mirante com vista para os famosos mares de morros da região. Embora ali a incidência dos fortes ventos contribuísse para a queda na temperatura, o lugar era perfeito.
Ailton ainda se gabava de que na segunda-feira no colégio, ele seria aquele com a melhor história para contar. Não apenas tinha sido o único a atingir o topo, como também tinha deixado os amigos com aquelas caras patéticas de assustados.
-Aquilo foi a coisa mais idiota que você já fez na vida – rebateu Caroline empurrando a cabeça do namorado.
-Vocês tinham era que ver as suas caras! – e começou a rir novamente, mas só até que o graveto atirado por Rafael acertou em cheio a sua testa. Muito sério, ele prosseguiu. – Você, senhor Rafael, pulou na água de roupa e tudo – e mais uma vez desatou a rir, agora acompanhado por todos, inclusive pelo próprio Rafael, cujas roupas secavam perto do fogo.
Aquela era a primeira vez que acampavam juntos e conseguir a liberação dos pais não fora nada fácil, principalmente para as meninas. Os pais de Amanda e Vanessa, inclusive, dormiam tranquilos naquele momento imaginando que as filhas passariam a noite na casa de Caroline.
-Alguém conhece uma boa história de terror? – perguntou Rafael.
-Eu conheço várias! – prontificou-se Amanda.
-Amanda! Nem vem com essa, Rafa, que coisa mais desnecessária – protestou Caroline.
-Além de desnecessário, é um baita clichê, e não existe nada mais anos noventa do que isso. – concordou Vanessa encarando o namorado.
-Agora que já sabemos que alguns entre nós vão ficar com medo, nada melhor do que uma boa história de terror. O que vocês acham? – continuou o rapaz.
-Acho que vou deixar para a próxima – respondeu Felipe dirigindo para Amanda um olhar malicioso. A luz das chamas era refletida nos piercings que o jovem usava no nariz e na sobrancelha.
As conversas animadas ao redor da fogueira tinham combustível para varar a noite, mas entrementes, os três casais pensavam, sobretudo, em poder desfrutar de um ambiente tranquilo para ficarem a sós. Sem adultos por perto para lhes regular. O desejo reprimido latejava em seus pensamentos, e Felipe e Amanda, cujo namoro era o de mais longa data, e o único casal entre eles cujo tabu da primeira vez já tinha sido vencido, foi o primeiro a abandonar a confraternização indo em direção à barraca montada propositalmente a uma boa distância dali. Amanda já estava quase totalmente despida quando entrou, provocando sorrisos e recebendo assobios dos que ficaram.
-Restam apenas nós então – disse Rafael abrindo os braços.
-Na verdade, nós vamos dar um passeio por aí – disse Ailton, que se levantou e estendeu a mão para Caroline.
O casal desapareceu por entre as árvores. Rafael voltou-se para Vanessa, percebendo o quanto a namorada estava tensa. Ele segurou as mãos da garota entre as suas e a beijou suavemente nos lábios.
-Não se preocupe. Não somos como eles. Não precisamos nos precipitar.
Vanessa acariciou o rosto do namorado.
-Você é sempre tão compreensivo.
-E você é sempre tão linda.
O sorriso de dentes muito brancos iluminou a noite.
-Eu queria que meus pais pudessem enxergar o quanto você é gentil.
-Você não pode culpá-los, afinal, eu já fui um babaca de marca maior.
-Na verdade você ainda é – brincou ela, mas Rafael, distraído, pareceu não ter ouvido.
-Tudo o que eu queria, era que minha mãe parasse de pegar no nosso pé, mas o mundo não é perfeito – ele omitiu que seus pais eram dois velhos preconceituosos, que não queriam seu filho namorando uma bolsista negra e pobre. Eles viviam lhe dizendo que aquilo era um atraso para sua vida. Que ele deveria procurar se relacionar com pessoas que fizessem parte de seu mundo, mas o que seus pais não entendiam era que Vanessa era o seu mundo. Ele se tornara uma pessoa melhor graças a ela, tinha deixado de ser um playboyzinho mimado graças à sua influência, e seu sonho era que aquele romance não tivesse tantos antagonistas.
-Nós vamos ficar bem – inclinou-se para aplicar na boca do namorado um beijo longo e demorado.
-Venha comigo – Rafael pegou duas cervejas da bolsa térmica e também o lençol que tinham usado para se sentarem. Forrou a beirada do morro e conduziu Vanessa para que ela se deitasse ao seu lado, longe da claridade da fogueira e de frente para o belíssimo mar de morros que se estendia abaixo, cujas formas, delimitadas pela luz da lua, justificavam o apelido.
Assim que contemplou o céu repleto de estrelas, cujas luzes da cidade geralmente ofuscavam, Vanessa soltou um involuntário arquejo de prazer, tamanha beleza do teto do mundo e de sua imensidão estrelada.
-É lindo não é?
-Me deixa sem palavras – respondeu ela.
-Você é quem me deixa sem palavras – Rafael não olhava para o céu, mas sim para o rosto de Vanessa. Concentrado em contar as estrelas que se refletiam nos olhos verdes da namorada.
Ela o encarou longamente, pousou a mão no seu peito forte e definido de atleta e enquanto sua mão descia procurando a linha da cintura, disse suavemente.
-Rafa, eu quero tentar.
As palavras ficaram pairando no ar. Rafael olhava para namorada com o desejo crescendo dentro dele, avassalador.
-Você tem certeza?
-Você será gentil?
-Sim.
Ela levantou a camisa do namorado e a retirou, puxou-o para si e se entregou em um beijo apaixonado. Estava cada vez mais certa de que Rafael era o cara certo, diferente dos poucos e estúpidos namorados que tivera.
Ofegantes pela promessa do que estava prestes a acontecer, eles se afastaram por um segundo e foi quando Vanessa viu a estrela desprender-se do céu.
-Uma estrela cadente – apontou para o horizonte.
-Faça um desejo então, porque eu já estou realizando o meu – disse Rafael.
-Que estranho, ela não se apagou ainda e está... está aumentando de tamanho.
Rafael se recompôs, virando-se para o local que a namorada apontava.
-Mas o que é aquilo? – balbuciou vendo a bola de fogo crescer em sua direção.
-Está vindo pra cá? – perguntou a moça.
-Mas que merda! Vamos chamar os outros.
A cada segundo, a estrela de fogo crescia nos céus. Estava cada vez mais perto. Tão perto que logo um barulho alto se fez ouvir, e o cometa, que deixava uma cauda vermelho amarelada pelos céus, passou sobre eles com um vrummm ensurdecedor, balançando árvores e lançando uma poderosa ventania. Derrubando ao chão o aspirante a jogador de rugby e também sua namorada. Segundos depois, um tremor de terra assustador somou-se ao fenômeno.
Rafael ficou de pé sobre pernas bambas e tratou de verificar se a namorada estava bem. Da barraca, no canto da clareira, saíram Felipe e Amanda, vestindo-se apressados e completamente desnorteados.
-Que foi que houve? – quis saber Felipe, voltando-se para os amigos. Ele afastava os longos cabelos da face e vestia a velha camiseta surrada do Black Sabbath.
Rafael não sabia o que responder.
-Vocês viram aquilo? – a voz de Ailton chegou até eles quando surgiu junto de Caroline por entre as árvores.
-E tinha como não ver? – Vanessa tinha os olhos arregalados. Do joelho ralado na queda vertia um pequeno filete de sangue.
-Parece que, seja lá o que for, caiu muito perto daqui – continuou Ailton.
-É melhor a gente ir embora e avisar aos bombeiros – propôs Caroline, sem esconder o quanto estava amedrontada.
-Eu concordo plenamente – afirmou Vanessa.
-Talvez seja mesmo o melhor a fazer – concordou Rafael.
-Vocês estão loucos? – começou Ailton. – Nós precisamos ver o que houve, pode ser um avião, as pessoas podem estar precisando de ajuda por lá. Ou quem sabe ainda melhor, pode ser um cometa, nesse caso talvez ele receba o nome de um de nós. O quão espetacular isto seria?
-E se for um... disco voador? – Felipe deixou escapar e a reposta de todos foi um longo silêncio, até que sua própria namorada o baniu.
-Deixa de ser idiota, Felipe! – esbravejou Amanda. Das garotas, ela era de longe a mais destemida. Filmes de terror não a amedrontavam. Valentões do colégio, vez ou outra, recebiam uma reprimenda sua. Em casa, era ela quem matava ratos, baratas e o que mais aparecesse, mas quando o assunto era seres extraterrestres, era impossível conter o pavor. E ela implorou para que o grupo retornasse para a cidade.
-Olha, galera, eu não sei quanto a vocês, mas eu vou descobrir o que era aquela coisa – afirmou Ailton, munido de seu já conhecido espírito desbravador, que tantas vezes colocara o grupo em problemas no passado.
-Ailton, não! Você só pode estar ficando maluco – Caroline também estava apavorada.
-Se você quiser, pode ficar aqui, meu amor.
-Seu idiota! – ela socou o namorado no peito, depois prendeu os longos cabelos loiros num coque, com movimentos exagerados que delatavam o seu nervosismo.
-Estou indo, com ou sem vocês – Ailton estava decidido. Ele sabia que aquela velha compulsão, herança paterna, não lhe permitiria ficar em paz enquanto não desvendasse aquele mistério.
-Acho melhor ficarmos juntos – propôs Rafael.
-Eu também acho, neste caso, é melhor me acompanharem – após pegar uma lanterna e o celular, Ailton se embrenhou na floresta, rumando na direção da queda. Os demais se entreolharam insatisfeitos, mas acabaram seguindo o amigo. Embora o medo fosse latente, era óbvio que a curiosidade do grupo também tinha sido instigada.
***
Bernardo Lourenço, de cinquenta e dois anos, sempre fora um homem tímido e de poucos amigos. Herdara uma fortuna inesperada e praticamente inesgotável, desde então, sua vida se resumia a dedicar-se a seus hobbies. Viajar o mundo estava no topo da lista, e foi em uma dessas viagens, estirado exausto na cama de uma holandesa nua, chapado demais para raciocinar direito, que ele ouviu pela primeira vez um relato sobre abdução.
Vinte anos tinham se passado, mas a vivacidade das palavras daquela mulher ainda estava gravada a ferro e fogo em sua mente, e a ufologia, desde então, tornara-se seu principal passatempo. Ele tinha rodado o mundo em busca de depoimentos como aquele. Tornou-se um colecionador de histórias e relatos de pessoas ao redor do globo. Sua biblioteca particular contava com quase três mil exemplares, dentre eles, pelo menos dois terços referentes à ufologia e a histórias de ficção científica, nas quais ele gostava de procurar por fiapos de verdade, qualquer detalhe que pudesse ter sido inspirado por uma historia real. De H. G. Wells a Ted Chiang, cuja obra inspirou o filme “A Chegada”, Bernardo devorou todos. No momento, ele degustava, impressionado, “Ufologia, Uma Ciência Para Conhecer e Difundir, do autor brasileiro Pedro Serra.”
Seu chalé ficava em um terreno alto, no topo de uma colina. Não tinha sido fácil conseguir comprar aquelas terras, mas ele sabia que pouquíssimas coisas no mundo eram verdadeiramente inalcançáveis para quem tivesse recursos como os seus.
O local fora construído para ser o seu refúgio. Um porto seguro para retornar de suas viagens, e, acima de tudo, um local onde ele podia simplesmente contemplar o firmamento, sem as luzes ofuscantes das cidades, sem o barulho dos carros, sem a agitação dos grandes centros urbanos. A casa mais próxima ficava a vários quilômetros na pequena cidade de Riacho da Serra e nem mesmo energia elétrica ele possuiria não fosse pelos potentes geradores instalados ali, o que não o impediu de tornar o lugar luxuoso e seguro, com todas as suas cercas elétricas, câmeras e demais medidas, como alguém em sua posição poderia desejar.
Bernardo pegou duas cervejas na geladeira, passou pela sala aconchegante e caminhou em direção ao observatório, seu lugar favorito do chalé, um enorme cômodo com paredes de vidro e teto retrátil. Ele caminhou por entre os caríssimos telescópios, deixou as cervejas sobre uma das bancadas e sentou-se na confortável poltrona. Ao bater palmas, todas as luzes se apagaram e o céu, imediatamente, resplandeceu de forma inigualável em sua grandeza. A noite limpa e sem nuvens permitia às estrelas explodirem em cores brilhantes, que perfuravam o negrume do universo, hipnotizando com sua beleza e quantidade incalculável.
Após respirar profundamente, satisfeito com a visão, Bernardo abriu uma das cervejas, recostou-se na confortável poltrona e tomou um longo gole, para então começar a entoar alegremente a canção do Coldplay, “A Sky Full Of Stars”. Minutos depois, após se perder na letra, começou a cantarolar “O Astronauta de Mármore”, a qual sabia de cor. Vez ou outra até mesmo a arranhava acanhadamente no violão. Ele considerava a versão tupiniquim melhor do que a original do Bowie, mas não saía por aí gritando isso aos quatro ventos, por medo de represálias. Bastaria dizer isso em um dos bares rock and roll de motoqueiros que frequentava e, pronto, seria persona non grata ali para sempre.
Bernardo tinha perdido a conta de quantas estrelas cadentes já tinha visualizado dali e uma nova surgiu no céu, brilhante como nenhuma outra. Certo de que ela desaparecia em uma fração de segundo, ele se lembrou do tolo costume de fazer um desejo, entretanto, seus pensamentos foram interrompidos quando percebeu que havia algo de estranho. A estrela crescia no céu, e aqueles longos segundos estendiam-se sem deixar morrer a incomum visão.
Bernardo ficou de pé e pegou um potente binóculo. Levou alguns segundos para enquadrar aquela coisa e quando conseguiu ficou estupefato. Seja lá o que fosse não era uma estrela cadente, tampouco estava caindo em linha reta. Ele não tinha certeza, mas a bola de fogo parecia desenvolver uma curva em direção à mata que ficava abaixo de seu terreno.
Bernardo percebeu que, em instantes, aquela coisa estaria fora de seu campo de visão e de posse do binóculo correu para fora da casa. Passou pelo portão e seguiu até a beira da colina, de onde poderia visualizar melhor aquele fenômeno. Para sua surpresa, a bola de fogo caiu em uma área relativamente próxima. Sem pensar duas vezes, apressou o passo em direção à garagem, pegou uma lanterna, subiu em sua Harley e saiu para desbravar a noite.
Ailton seguiu desbravando a mata, sempre em linha reta. Sempre em direção ao local da queda. O feixe de sua lanterna varria o chão em busca dos obstáculos que a luz da lua, filtrada pelas copas das árvores, não era capaz de revelar. Às suas costas, ele ouvia os gritos dos amigos, pedindo para que fosse mais devagar, mas a ansiedade era tamanha que não lhe permitia esperar. Ele sabia que estava perto. Quase podia sentir que, seja lá o que fosse encontrar, seria muito importante. O jovem sentiu repentinamente um calor na perna. Levou alguns instantes para perceber que o seu celular, no bolso esquerdo do short, estava ficando cada vez mais quente. -Merda! – ele pegou o aparelho, mas o deixou cair mediante o calor cada vez mais intenso. Ficou parado olhando para o objeto no
A cidade surgia em meio ao breu à medida que os jovens caminhavam em sua direção. Eram quase três da manhã e a escuridão daquela noite tão incomum parecia querer durar para sempre. -Ainda não acredito no que acabamos de ver – dizia Rafael. -Você não é o único – respondeu Ailton enquanto chutava distraído o capim na beira da estrada. -Eu me contentaria apenas em conseguir esquecer tudo isso – rebateu Amanda. – Amor, você está bem? Felipe seguia olhando para o chão, distraído, como se não tivesse ouvido a namorada.&nbs
Bernardo saiu da mata aos tropeços, como se seus pés fossem atraídos por cada galho e raiz atravessados em seu caminho. O desespero retumbava em seus ouvidos através da batida descompassada de seu coração. Na mente, as possibilidades mais macabras desfilavam em um cortejo de pesadelos. Cenas do filme “Alien, o Oitavo Passageiro” quando a barriga de um dos tripulantes da nave explode e o famoso alienígena emerge, o atormentavam, e vez ou outra ele olhava para o próprio umbigo, como se algo parecido pudesse lhe acontecer a qualquer momento, embora não estivesse sentindo dor alguma. Ele subiu na Harley, fez a volta cantando pneus e acelerou em direção à cidade adormecida, rezando para que o hospital de um município tão pequeno tivesse o necessário para lhe ajudar, se é que algum lugar do mun
Os policiais pediram aos jovens para esperar por eles na recepção. -Você acha que eles acreditaram? – perguntou Rafael se aproximando de Ailton e deixando as garotas sentadas junto à entrada da delegacia. -Eu não sei. Mas quer saber, estou pouco me lixando. Nós fizemos a nossa parte em avisar. Quando a história se alastrar, se eles não tiverem feito nada, vão ficar com cara de idiotas. -Talvez você tenha razão. E aquela caixa, o que pretende fazer com ela? -No momento só vou guardar. Se tudo for abafado e o governo ou o exército desaparecer com tudo, como ocorreu em Varginha, eu ainda terei um belo
Ele adorava aquele hotel. Havia apenas dois cinco-estrelas na capital, mas a suíte presidencial do Titã era superior, então não precisava pensar duas vezes. Quanto ao atendimento, era impossível enumerar diferenças, em ambos os clientes eram tratados como deuses entre os homens e ele gostava disso. Afinal, seu conhecimento, poder e influência não podiam mesmo ser equiparados ao de meros mortais. Após atravessar a enorme sala de sofás luxuosos, com uma TV de incontáveis polegadas, ele parou junto à janela panorâmica, vidro do chão ao teto de pé direito alto, e contemplou a cidade lá em baixo, com todos aqueles neons e outdoors que se destacavam na madrugada. Também olhou para o céu, cujo brilho das estrelas, intimidado pelas esfuziantes luzes urbanas, pouco podia mostrar de sua beleza.
Rafael e Ailton ainda estavam chocados demais para dizer qualquer coisa. À medida que a claridade do dia avançava, mais nítida ficava a imagem da cabeça do policial aberta em seu topo, um buraco grotesco de onde o sangue, com pequenos pedaços brancos do cérebro, escorria morosamente sobre os curtos cabelos negros. -Policial – Rafael se inclinou no banco. – Policial, você... -Que porra é essa, Rafael? O cara tá morto, você não está vendo? Eles desceram do carro com pernas trêmulas e olharam pela janela do motorista. A imagem vista dali era igualmente ruim. Ailton viu o reflexo do amigo no vidro. Rafael não piscava, estava pálido, como se fosse desmaiar a
Caroline estava deitada em sua cama olhando para o teto. Ter presenciado a queda de uma nave alienígena não era algo que facilitasse a chegada do sono, embora ela tivesse passado a noite inteira acordada e os olhos estivessem ardendo, bastava fechá-los para que o ambiente dentro da espaçonave se fizesse visível por trás de suas pálpebras. Vanessa, deitada no colchão ao lado, no chão, sofria do mesmo problema, um turbilhão de pensamentos impedia que o cérebro se desligasse, promovendo o tão esperado stand by do sono. Ambas estavam preocupadas com seus namorados, que não tinham dado notícias. Tampouco podiam ligar para eles, já que seus aparelhos tinham ido pelos ares. Quando chegaram à casa de Caroline, precisaram explicar aos pais da moça porque tinha voltado tão cedo do acampamento, ao
O coração batia acelerado no peito, retumbando enlouquecidamente, um rufar de tambores que ele achou que poderia ser ouvido para além de seu incômodo esconderijo. A pulsação descompassada era reflexo da claustrofobia. Não sabia dizer se já tinha desmaiado ali dentro, imaginava que sim. Agradeceu a Deus por não ter feito nenhum barulho ao cair, embora não houvesse muito espaço para uma queda estrondosa. Enquanto olhava pela estreita greta da porta do armário de limpeza, procurando qualquer sinal daquelas criaturas que pareciam vestir os seres humanos – sim, vestir, aquela fora a melhor analogia que sua mente perturbada encontrou –, o médico se lembrava da situação que mudou sua vida e que o transformou num claustrofóbico de alta patente. Quando criança, aos sete anos de idade, o carr