A cidade surgia em meio ao breu à medida que os jovens caminhavam em sua direção. Eram quase três da manhã e a escuridão daquela noite tão incomum parecia querer durar para sempre.
-Ainda não acredito no que acabamos de ver – dizia Rafael.
-Você não é o único – respondeu Ailton enquanto chutava distraído o capim na beira da estrada.
-Eu me contentaria apenas em conseguir esquecer tudo isso – rebateu Amanda. – Amor, você está bem?
Felipe seguia olhando para o chão, distraído, como se não tivesse ouvido a namorada.
-Felipe – insistiu ela.
-O que? – ele voltou-se para a garota com um olhar assustado.
-Você não disse uma palavra sequer por todo o caminho de volta.
-Acho que todos nós temos muito o que pensar – lacônico, retornou para o silêncio preocupado de quem se esforçava para convencer a si mesmo de que não tinha engolido um nojento verme alienígena.
-É verdade – Rafael seguia mais a frente, de mãos dadas com Vanessa –, temos que pensar sobre o que fazer a respeito. Nós devíamos ir até a delegacia o quanto antes. Deve ter alguém de plantão lá que possa nos ouvir.
-E vamos dizer que acabamos de sair de uma nave alienígena. Será que vão acreditar? – perguntou Ailton.
-Nós precisamos tentar – Rafael estava resoluto.
-É, acho que você tem razão, Rafa – concordou Ailton, finalmente, embora ainda se mostrasse insatisfeito.
-Mas é claro que ele tem razão – Vanessa também se pronunciou –, ou você pensava em ficar com a nave para você? Quem sabe fazer uns reparos, rebaixar, e dar uma rolê no final de semana?
-Muito engraçada... – Ailton bateu palmas lentas para Vanessa, que lhe devolveu um dedo do meio.
-Pensando bem, foi muito engraçado mesmo – Rafael estendeu um punho fechado para que a namorada o socasse em um cumprimento.
-Vão se ferrar, os dois – Ailton se juntou às risadas enquanto Carol lhe dava um tapa na testa.
Na entrada da cidade de ruas desertas, que mais parecia cenário de um filme de horror, os jovens tomaram o caminho da delegacia, localizada alguns quarteirões a leste da praça central, mas Felipe parou de repente, soltou a mão de Amanda e deu um passo para trás.
-Pessoal, eu não estou me sentindo muito bem, acho que vou pra casa. Vocês podem resolver essa sem mim, não podem? – perguntou ele.
-Qual é, Felipe? Vai amarelar e deixar a gente passar por malucos sozinhos? – inquiriu Ailton.
-Que foi amor, o que você tem? Ficou calado por todo o caminho até aqui e agora quer ir embora. Aconteceu alguma coisa? – Amanda estava verdadeiramente preocupada com o namorado e seu comportamento atípico.
-Só não estou me sentindo muito bem. Amanhã nos falamos.
-Você não quer que eu durma na sua casa?
-Que oferecida – brincou Carol dando um empurrão de leve na amiga.
-Não, está tudo bem. Eu te ligo amanhã. O melhor mesmo é você ficar na casa da Carol, afinal, é lá que sua mãe pensa que você está.
-Você tem certeza?
-Tenho. Eu só preciso dormir um pouco.
Amanda se aproximou do namorado e tentou lhe beijar, mas Felipe se afastou rapidamente, como se tivesse levado um choque, para estranheza total da garota.
Felipe tinha perdido os pais num acidente de avião. Alcino era piloto aposentado, mas vez ou outra levava a família para passear de bimotor. Cinco anos após a tragédia da queda da pequena aeronave, o rapaz ainda se pegava pensando que sua vida fora prolongada no momento em que ele decidiu ficar em casa jogando videogame, ao invés de seguir com os pais para mais um daqueles longos e intermináveis passeios. Sim, o amor por Lara Croft e sua saga aventureira nos games salvou sua vida.
Felipe ergueu as mãos espalmadas enquanto já caminhava para trás balançando a cabeça.
-Felipe... – Amanda seguia confusa com a postura do namorado.
-Até mais – disse ele e deixou o grupo.
-Talvez ele não estivesse preparado para toda essa coisa – comentou Rafael. Amanda virou-se para ele.
-O que foi que vocês viram na outra sala da nave?
Rafael encarou Ailton antes de responder.
-Nada.
-Eu perguntei o que foi que vocês viram na outra sala – a ênfase acentuada nas palavras da garota fez parecer que ela tinha crescido alguns centímetros, mesmo frente ao amigo com porte de jogador de Rugby.
-Tinha uma coisa lá – começou Ailton. – Nós só tentamos poupar vocês de ver aquilo.
-Era um alienígena? – perguntou Vanessa.
Uma luz se acendeu na janela da casa frente a qual estavam.
-Acho melhor a gente ir andando. Ficar gritando na rua uma hora dessas não é legal – propôs Rafael e o grupo prosseguiu.
-Por que não nos disseram? – quis saber Amanda.
-Porque a coisa estava muito feia, vocês teriam pesadelos pelo resto de suas vidas – disse Ailton enquanto o grupo saía de uma rua ampla para entrar em outra, que era praticamente um beco, cujo calçamento de pedras era parte do acervo histórico da cidade.
-E mais uma vez vocês, homens, acham que podem decidir do que nós damos conta ou não. Vão se ferrar vocês dois!
-Amanda, fica calma, eu estou feliz por não ter visto seja lá o que for – rebateu Vanessa.
-Então vai se ferrar você também, Vanessa.
-Meninas, menos, por favor. Não precisamos brigar por nada disso – Caroline ergueu as mãos espalmadas, tentado refrigerar os ânimos.
-O Felipe está muito estranho, eu só queria saber se é por causa do que vocês viram, se foi isso que mexeu tanto com ele.
-Pode ser – respondeu Rafael. – Eu mesmo não consigo tirar as imagens da cabeça. Aquela coisa deve ter morrido na queda, a cabeça dela...
-Rafa! – interrompeu Vanessa.
-Me desculpe.
-Vamos apertar o passo, galera, quanto antes resolvermos isso melhor – propôs Ailton. Em dez minutos chegaram à delegacia e ele se colocou à frente do grupo. – Pessoal, por favor, não falem nada sobre a caixa que eu peguei na nave.
-Mas ela pode ser uma prova de que falamos a verdade – contrapôs Caroline.
Ailton bufou insatisfeito.
-Tudo bem, mas a mostraremos somente em último caso. Apenas se os idiotas aí dentro não acreditarem em nós. Tudo bem? Eu não quero ficar sem o meu artefato. Se eles o virem, já era.
***
Felipe caminhava apressado, como se o simples ato de chegar em casa pudesse fazer tudo ficar bem novamente. Ele tinha engolido a merda de um verme alienígena e sabia que esse não era o tipo de coisa que se curava com um banho quente, um prato de macarrão instantâneo e uma boa noite de sono.
Já cogitava se não devia ter contado aos amigos. Foda-se para o que eles iam pensar a princípio. Após as brincadeiras, eles seriam solidários. Diriam que ele tinha que ir a um médico, com certeza. Primeiro Amanda iria pirar, depois o arrastaria até o hospital. Sim, isso era o mais sensato a se fazer, mas ele estava se sentindo bem, não havia nada de errado até agora, então por que se preocupar? Seu pai também era assim. Ele cresceu ouvindo a mãe dizer que Alcino era uma mula, e que quando empacava, era preciso um guindaste para tirá-lo do lugar, principalmente com relação à saúde. Enquanto um braço ou perna não começasse a se desprender do corpo, ele não marcava uma consulta. No final, não fez diferença alguma, um check-up completo não teria salvado as suas vidas.
Com as memórias da família vivas na mente, Felipe começou a subir as ladeiras de seu bairro. As casas eram todas muito próximas ali, parede com parede. Cada vizinho sabia de tudo sobre a vida do morador ao lado. Era fácil ouvir as discussões, as frases prontas dos programas de TV, o tum tum tum das camas batendo quando o casal ao lado estava se esforçando para ter filhos. Tudo sempre alto e claro.
Felipe chegou à porta de casa, pegou as chaves no bolso, mas sua mão estava tão trêmula que deixou o molho cair. Assustado, olhou para os próprios dedos, que suavam a ponto de escorrer. Passou a mão na testa e constatou que o fenômeno se repetia ali. Sentia um enorme calor.
Após apanhar as chaves, abriu a porta com dificuldade e entrou na casa de sua avó, a quem ele chamava de Super T. Tereza tinha assumido a guarda de Felipe após o acidente. Ele sempre se lembrava de ouvi-la dizer que compartilhariam para sempre aquela dor, pois se ele vivenciava a incomensurável agonia de perder os pais, ela também era vítima do sacrilégio de ter que enterrar o próprio filho.
A sala da casa de Tereza recebia luz dos postes da rua, o que deixava o lugar com uma penumbra semiescurecida e permitia que Felipe conseguisse transitar por ali sem derrubar nada. Ele correu para a cozinha. O calor em seu peito aumentava e por um momento ele achou que iria pegar fogo e explodir, exatamente como acontecera com os celulares na floresta. Abriu a geladeira e pegou uma garrafa de água. Sorveu o líquido sofregamente, mas após o alívio inicial, o calor voltou ainda mais forte, fazendo-o tombar no chão e derrubar a garrafa de vidro, que se espatifou em dezenas de pequenos pedaços. Ele olhou ao redor, esperando que a avó surgisse no corredor lhe cobrando explicações, mas Tereza não apareceu. Felipe percebeu que tinha cortado o dedo e o sangue que escorria do machucado era negro como piche.
A coisa estava piorando rapidamente. Agora não era apenas o calor sufocante. Ele sentia pontadas agudas no estômago e seus olhos ardiam como nunca. Levantou-se trombando na mesa e correu para o banheiro, derrubando mais coisas pelo caminho. Entrou e ficou diante do espelho. Para seu terror maior, viu que a pele estava coberta de veias negras, que avançavam em direção ao rosto. Demorou pouco tempo para que o fenômeno alcançasse os seus olhos, alastrando-se pelo branco dos globos oculares para também devorar a íris castanha, transformando-a em um poço de profunda escuridão.
-Não! O que é iss...
A voz sumiu na garganta à medida que algo subia por ali, dilacerando o interior de sua traqueia de forma agonizante e o levando a arranhar o pescoço enlouquecidamente. O mundo ficou sem som algum e o oxigênio em seus pulmões tornou-se artigo raro, não conseguia mais respirar. Dos olhos e da boca, aquele sangue escuro e denso começou a minar em profusão. No peito, o coração batia enlouquecido, até que, finalmente, vencido, parou de vez e Felipe caiu sentado, com os olhos negros abertos e a fitar o nada. Seu último pensamento foi que talvez tivesse sido melhor ter entrado naquele avião.
***
-Estão me dizendo que vocês estavam acampando e uma nave alienígena caiu na floresta? – o policial apenas fingia tomar nota, no papel à sua frente ele desenhava uma mulher nua com seios enormes, pelo menos era o que parecia mediante os péssimos traços e a falta de cunho artístico.
-Você se esqueceu de anotar que os celulares deles explodiram – zombou Pedro, o outro guarda, que estava de pé colocando açúcar em seu café –, por isso eles não tem uma foto. É tão obvio e coerente – balançou a cabeça com um sorriso irônico.
-Escuta aqui, seu babaca – Ailton deu um passo à frente e apontou o dedo para o policial –, nós não estamos mentindo. Vocês têm que ir até lá ou ligar para alguém. Para o exército. Eu sei lá que porra vocês vão fazer, mas tem um disco voador com um alienígena morto a poucos quilômetros daqui.
-Do que foi que você me chamou, seu merdinha? – Pedro deixou o café sobre a mesa e a contornou, indo parar na frente do rapaz.
-Ele não quis dizer isso, senhor – apressou-se Caroline colocando-se entre eles.
-Pega leve, seu guarda, o meu amigo só ficou um pouco nervoso – ajudou Rafael, tentando colocar panos quentes.
-E você, o maior baderneiro da cidade – o policial que tinha o nome Marcelo gravado na farda afastou o desenho que rabiscava e também ficou de pé, era negro, alto e de ombros largos –, acha que depois de pichar todos os monumentos da cidade, de praticar bullying no colégio por anos, pode vir aqui com essa piadinha apenas porque os seus pais são ricos? Acho que nós podíamos deixar esses dois passarem a noite numa cela para aprenderem um pouco de respeito. O que você acha, Pedro?
-Eu não sou mais esse cara! – bradou Rafael que sempre se alterava quando confrontado com o seu passado.
-Um nos chama de babacas e o outro grita dentro da nossa delegacia. Esses dois até que tem culhões. Passar o resto da noite num cela fria vai ser no mínimo terapêutico.
-Não, por favor! – implorou Amanda. – Eu juro que estamos dizendo a verdade. Eu juro por tudo que é mais sagrado.
Os policiais se entreolharam.
Vanessa aproveitou a hesitação dos policiais e também se pronunciou.
-Eu conheço você – virou-se para Marcelo. – Sou filha de Adamastor e Raquel. Minha mãe fez os remendos da sua farda.
O policial estalou os dedos ao apontar para Vanessa.
-Então é daí que te conheço. O que você faz junto desse bando de playboyzinhos?
-Eu só queria dizer que é tudo verdade. Nós estávamos lá, acampando, como vocês podem ver pelas nossas coisas – apontou para as mochilas –, e aí aquela coisa caiu do céu. Vocês precisam acreditar.
Os policiais estavam confusos. Era mais fácil desacreditar aqueles jovens e escarnecer deles do que tentar enquadrar a queda de um óvni em qualquer uma das páginas de seu manual.
-Escutem aqui – começou Pedro –, se formos até lá e não houver nada, eu juro que acabo com a raça de todos vocês.
***
Tereza acordou com o barulho de garrafa quebrando. Imaginou que Felipe tinha ficado com sede durante a noite e que o neto, responsável como era, daria um jeito na bagunça, então fechou os olhos e tentou voltar a dormir, afinal, suas velhas costas eram quem mandavam de verdade naquele corpo cansado, de setenta e dois anos, cuja juventude fora desperdiçada nas fazendas da região, fazendo o mesmo trabalho dos homens, mas o segundo som, tão estridente quanto, ela não pôde ignorar. Parecia que um vaso tinha se quebrado.
-Felipe! – ela chamou antes de se levantar, torcendo para que tivesse sido apenas um novo acidente. Nem mesmo cogitou a possibilidade de um assalto, tendo em vista que os índices criminais em Riacho da Serra eram quase nulos e restritos a brigas idiotas em bares por causa de futebol.
Imaginou que talvez o jovem tivesse bebido escondido de novo. Felipe achava que Tereza não sabia, pois ela jamais tinha lhe chamado a atenção por causa disso, mas a velha senhora também já tinha aprontado das suas quando adolescente, e pensava que um rapaz de dezesseis anos que perdeu o pai e a mãe de uma só vez podia tomar uns tragos de vez em quando. É claro que, desde que aquilo não se tornasse um vício e não atrapalhasse os resultados dele na escola. Ela estava sempre de olho.
-Felipe – chamou novamente enquanto ficava de pé e estendia a mão para pegar o roupão e os óculos.
Com as costas reclamando e a mente meio turva pelo sono, ela deixou o quarto e seguiu para a sala. Até ali tudo calmo.
-Felipe.
O silêncio a respondeu, educadamente.
Após acender a luz da cozinha, Tereza avistou os cacos de vidro da garrafa quebrada. Também encontrou no corredor o que sobrara do seu vaso de flores favorito.
-Ah, Felipe, desta vez teremos uma conversa muito séria – pronunciou mais para si mesma do que para o rapaz, que deixara aquele rastro de destruição até o banheiro, para onde ela seguiu com sua passada claudicante.
-Felipe! – gritou desta vez, mas quando chegou à porta do banheiro o susto a fez congelar. O jovem estava caído e havia sangue em sua face e em suas roupas. Sangue negro e espesso, de aparência doentia, fúnebre.
-Felipe! Oh meu Deus! – ela se abaixou com dificuldade e tocou o pescoço do rapaz, não havia pulso.
Tereza caminhou para a sala o mais rápido que sua coluna avariada permitiu e pegou o telefone. Nunca se lembrava do número do SAMU, e, no desespero, acabou discando para a polícia.
***
O telefone tocou diminuindo a tensão na delegacia. Após encarar os jovens com cara de desgosto, Marcelo atendeu à ligação.
-Isso não está dando muito certo – constatou Ailton ao se reagrupar com os amigos no canto da sala.
-Graças às meninas, acho que eles vão acreditar em nós – Rafael sorriu para a namorada.
-E o motivo é muito simples, todos os homens são estúpidos – sussurrou Amanda, ainda preocupada com o namorado, para quem ela realmente gostaria de direcionar aquelas palavras.
***
-Delegacia de polícia – Tereza ouviu a voz masculina do outro lado da linha.
Quando se preparava para falar, sentiu uma mão tocar-lhe o ombro com firmeza. De tão apressada e preocupada que estava, nem mesmo chegou a acender as luzes do cômodo, e quando se virou, deparou-se com o neto, estático bem diante de si.
Ela recolocou o aparelho no gancho.
-Felipe, graças a Deus você não está...
O rapaz segurou Tereza pelo pescoço com força descomunal, e, com a outra mão, abriu a boca da avó pressionando sua mandíbula com um aperto de aço. A mulher tentava desesperadamente gritar, mas, acima da dor, havia uma urgência ainda maior, a de entender aquela situação.
Felipe se aproximou como se fosse beijá-la, mas o que a velha senhora, amedrontada como nunca, viu acontecer em meio à penumbra, foi o maxilar do neto se deslocar de forma grotesca, enquanto um som gorgolejante escapava-lhe da boca, junto de um odor fétido. A mesma boca de tantos beijos carinhosos e de tantos: eu te amo, entregava-lhe agora algo profundamente maligno.
-Não... – Tereza tentou se defender usando as mãos, mas sua força era completamente ineficiente e ela viu aquelas coisas rastejantes emergirem do fundo da garganta do rapaz, galgando a língua e se contorcendo sobre os dentes. Negras e purulentas, elas saltaram para o rosto de Tereza e se arrastaram até os lábios ressecados, que carregavam as marcas da idade, forçando entrada na boca, onde deixariam no paladar um gosto pútrido, terminando aquele cortejo angustiante ao descer de forma dolorosa pela garganta da velha senhora.
***
-Quem era uma hora dessas? – perguntou Pedro.
-Parece que os espertinhos aqui não são os únicos querendo passar um trote esta noite.
-Quando a gente acha que a coisa não pode ficar pior...
-Pois é – os policiais se voltaram para os jovens, era hora de decidirem o que fazer.
Bernardo saiu da mata aos tropeços, como se seus pés fossem atraídos por cada galho e raiz atravessados em seu caminho. O desespero retumbava em seus ouvidos através da batida descompassada de seu coração. Na mente, as possibilidades mais macabras desfilavam em um cortejo de pesadelos. Cenas do filme “Alien, o Oitavo Passageiro” quando a barriga de um dos tripulantes da nave explode e o famoso alienígena emerge, o atormentavam, e vez ou outra ele olhava para o próprio umbigo, como se algo parecido pudesse lhe acontecer a qualquer momento, embora não estivesse sentindo dor alguma. Ele subiu na Harley, fez a volta cantando pneus e acelerou em direção à cidade adormecida, rezando para que o hospital de um município tão pequeno tivesse o necessário para lhe ajudar, se é que algum lugar do mun
Os policiais pediram aos jovens para esperar por eles na recepção. -Você acha que eles acreditaram? – perguntou Rafael se aproximando de Ailton e deixando as garotas sentadas junto à entrada da delegacia. -Eu não sei. Mas quer saber, estou pouco me lixando. Nós fizemos a nossa parte em avisar. Quando a história se alastrar, se eles não tiverem feito nada, vão ficar com cara de idiotas. -Talvez você tenha razão. E aquela caixa, o que pretende fazer com ela? -No momento só vou guardar. Se tudo for abafado e o governo ou o exército desaparecer com tudo, como ocorreu em Varginha, eu ainda terei um belo
Ele adorava aquele hotel. Havia apenas dois cinco-estrelas na capital, mas a suíte presidencial do Titã era superior, então não precisava pensar duas vezes. Quanto ao atendimento, era impossível enumerar diferenças, em ambos os clientes eram tratados como deuses entre os homens e ele gostava disso. Afinal, seu conhecimento, poder e influência não podiam mesmo ser equiparados ao de meros mortais. Após atravessar a enorme sala de sofás luxuosos, com uma TV de incontáveis polegadas, ele parou junto à janela panorâmica, vidro do chão ao teto de pé direito alto, e contemplou a cidade lá em baixo, com todos aqueles neons e outdoors que se destacavam na madrugada. Também olhou para o céu, cujo brilho das estrelas, intimidado pelas esfuziantes luzes urbanas, pouco podia mostrar de sua beleza.
Rafael e Ailton ainda estavam chocados demais para dizer qualquer coisa. À medida que a claridade do dia avançava, mais nítida ficava a imagem da cabeça do policial aberta em seu topo, um buraco grotesco de onde o sangue, com pequenos pedaços brancos do cérebro, escorria morosamente sobre os curtos cabelos negros. -Policial – Rafael se inclinou no banco. – Policial, você... -Que porra é essa, Rafael? O cara tá morto, você não está vendo? Eles desceram do carro com pernas trêmulas e olharam pela janela do motorista. A imagem vista dali era igualmente ruim. Ailton viu o reflexo do amigo no vidro. Rafael não piscava, estava pálido, como se fosse desmaiar a
Caroline estava deitada em sua cama olhando para o teto. Ter presenciado a queda de uma nave alienígena não era algo que facilitasse a chegada do sono, embora ela tivesse passado a noite inteira acordada e os olhos estivessem ardendo, bastava fechá-los para que o ambiente dentro da espaçonave se fizesse visível por trás de suas pálpebras. Vanessa, deitada no colchão ao lado, no chão, sofria do mesmo problema, um turbilhão de pensamentos impedia que o cérebro se desligasse, promovendo o tão esperado stand by do sono. Ambas estavam preocupadas com seus namorados, que não tinham dado notícias. Tampouco podiam ligar para eles, já que seus aparelhos tinham ido pelos ares. Quando chegaram à casa de Caroline, precisaram explicar aos pais da moça porque tinha voltado tão cedo do acampamento, ao
O coração batia acelerado no peito, retumbando enlouquecidamente, um rufar de tambores que ele achou que poderia ser ouvido para além de seu incômodo esconderijo. A pulsação descompassada era reflexo da claustrofobia. Não sabia dizer se já tinha desmaiado ali dentro, imaginava que sim. Agradeceu a Deus por não ter feito nenhum barulho ao cair, embora não houvesse muito espaço para uma queda estrondosa. Enquanto olhava pela estreita greta da porta do armário de limpeza, procurando qualquer sinal daquelas criaturas que pareciam vestir os seres humanos – sim, vestir, aquela fora a melhor analogia que sua mente perturbada encontrou –, o médico se lembrava da situação que mudou sua vida e que o transformou num claustrofóbico de alta patente. Quando criança, aos sete anos de idade, o carr
Dimitri sabia que precisava ver a nave, mas por mais incrível que aquele pensamento poderia lhe parecer, ela não era uma prioridade naquele caso, e isso o fez sorrir de forma inexpressiva enquanto contemplava a floresta que corria ao lado da estrada, as árvores se transformando num borrão, graças à velocidade que Dimitri exigiu do motorista.Sempre que havia uma queda o protocolo era muito claro. Em primeiro lugar, preservar e isolar a área, impedindo consecutivamente que qualquer tipo de registro fosse feito, depois medir o alcance dos relatos, verificar as fichas dos envolvidos e aí sim decidir sobre comprá-los ou desacreditá-los. Ambas eram medidas eficientes, o importante era definir qual utilizar. Sempre havia aqueles imbecis que achavam que nenhum dinheiro do mundo era suficiente para impedir a verdade. Dimitri se divertia diagnosticando essas pessoas com seu inventado: “Complexo de Fox Mulder&r
Os pais de Caroline aguardavam por explicações. Vera e Romeu encaravam os cinco adolescentes como se eles fossem criminosos prestes a confessar um grave crime. -Você quer que eu fale? – Ailton perguntou para a namorada. -Eles são meus pais, acho que vou encarar essa – respondeu Carol. Estavam todos sentados nos sofás da sala, num semicírculo que permitia que os donos da casa olhassem para cada um daqueles cinco rostos assustados. -Mãe, pai, enquanto nós estávamos acampando... -Não vá me dizer que a polícia pegou vocês fa