CAPÍTULO 2

Ailton seguiu desbravando a mata, sempre em linha reta. Sempre em direção ao local da queda. O feixe de sua lanterna varria o chão em busca dos obstáculos que a luz da lua, filtrada pelas copas das árvores, não era capaz de revelar. Às suas costas, ele ouvia os gritos dos amigos, pedindo para que fosse mais devagar, mas a ansiedade era tamanha que não lhe permitia esperar. Ele sabia que estava perto. Quase podia sentir que, seja lá o que fosse encontrar, seria muito importante.

            O jovem sentiu repentinamente um calor na perna. Levou alguns instantes para perceber que o seu celular, no bolso esquerdo do short, estava ficando cada vez mais quente.

            -Merda! – ele pegou o aparelho, mas o deixou cair mediante o calor cada vez mais intenso. Ficou parado olhando para o objeto no chão, até que seus amigos o alcançaram e Rafael espelhou seus movimentos, pegando o celular superaquecido do bolso e o atirando ao solo.

            -O que houve? – perguntou Vanessa.

            -O celular – Ailton apontou para o chão. – Ficou quente a ponto de eu não conseguir segurar.

            -O meu também.

            Os demais se juntaram a eles. Felipe, que tinha ficado para trás perguntou:

            -Por que pararam?

            Não houve tempo para resposta.

            -Mas que porra – Rafael apontou para os aparelhos que estavam ficando vermelhos. – Vão explodir!

            As detonações barulhentas assustaram os jovens e fizeram voar pedaços dos aparelhos em todas as direções, deixando apenas duas baterias fumegantes que Ailton apagou chutando terra sobre elas.

            -O que está acontecendo aqui? – Vanessa tinha lágrimas nos cantos dos olhos.

            -Acho que já vamos descobrir – disse Ailton, que ignorou o próprio telefone destruído e seguiu caminho após se certificar de que ninguém mais trazia outro aparelho. Rafael se manteve estático, olhando para os celulares carbonizados.

            -Espere, Ailton – pediu Caroline, a moça segurou o namorado pelo braço com firmeza. – E se isso for algum tipo de sinal, talvez devêssemos voltar.

            -Vocês podem voltar se quiserem, eu não me importo – as palavras duras e insensíveis dirigidas à Carol fizeram com que ela mordesse os lábios, contendo a fúria, que agora era maior do que o medo pelo desconhecido prestes a se descortinar.

            -Ailton! Desde quando você se tornou tão babaca? – Rafael segurou o amigo pelo ombro, havia tomado as dores de Caroline.

            -Será que vocês não entendem? Podemos estar perto de algo grandioso aqui.

            Todos ficaram em silêncio.

-Ah, qual é pessoal? Eu não posso ser o único curioso para descobrir o que está acontecendo.

-Se forem alienígenas, eu gostaria de ver – murmurou Felipe. Amanda fez questão de colocar toda a sua força na cotovelada que deu no namorado.

Depois de girar no meio do grupo procurando por apoio, Ailton voltou-se para Caroline. Ele tomou o rosto da adolescente entre seus dedos.

-Carol, meu amor, me desculpe, eu não quis te magoar – beijou de leve a testa da namorada, que não esboçou reação –, eu sei que sou meio babaca às vezes, mas, por favor, vamos fazer isso, juntos. A aventura não será a mesma sem você do meu lado – emitiu o seu melhor olhar de cachorrinho que caiu do caminhão da mudança e ergueu a mão, esperando que Carol entrelaçasse seus dedos aos dele.

            Após alguns instantes encarando Ailton, apesar da vontade de lhe dar um tapa na cara, Carol acabou por ceder. Não porque ele a tinha convencido, a vontade de estapeá-lo tampouco tinha passado, mas a verdade era que sua própria curiosidade também se agigantava. Já tinham ido até ali, pensou, o que custaria ir até o final?

            -E lá vamos nós de novo – desabafou Rafael, cuja mão era segura com firmeza por Vanessa. Ele podia sentir o suor brotando nas mãos da namorada. Imaginava que ela estava apavorada. Ele quis dizer algo para consolá-la, mas teve medo de que seu próprio temor fosse denunciado em sua voz.

             Os jovens caminharam juntos desta vez e na medida em que avançavam pela escuridão, menos densa ela se tornava. Havia uma claridade bruxuleante à frente, como se algo estivesse em chamas.

            O que eles encontraram foi um longo rastro de destruição, com árvores tombadas e uma vala de vários metros que se estendia ao longe, onde pedaços de metal retorcido fumegantes soltavam uma fumaça ocre. Os olhares dos jovens percorreram o rastro até se fixarem, hipnotizados, no inimaginável. Um silêncio avassalador caiu sobre eles, e a imagem que viram ficaria gravada para sempre em suas mentes.

            Ailton foi o primeiro a caminhar em direção ao óvni. O formato arredondado, de cor branca e opaca, era quase hipnótico. Em sua mente, reinava a simplória comparação de que a nave era quase do tamanho de sua casa. O coração batia acelerado no peito, ressoando de forma quase audível, como se gritasse a cada retumbar, que aquele momento mudaria a sua vida de seu dono.

            -Ailton, você não está com medo? – perguntou Carol, que acompanhava de perto o namorado.

            -Um pouco – admitiu.

            -Eu não posso acreditar – Felipe, assim como os demais, não conseguia despregar os olhos da nave.

            -Eu é que não consigo acreditar que nós vamos nos aproximar dessa coisa – protestou Vanessa.

            -Ailton, talvez não seja seguro – Rafael se juntou ao amigo na dianteira do grupo –, e se houver aí dentro algo hostil?

            Pela primeira vez uma sombra de dúvida percorreu os olhos de Ailton, ligeiramente abalado por aquela possibilidade, mas sua vontade de ferro falou mais alto.

            -Só tem um jeito de saber – e seguiu caminhando, puxando Caroline consigo e sendo acompanhado pelos demais.

            Estavam todos impressionados com a nave, tratava-se verdadeiramente de um disco voador. As formas arredondadas, tão amplamente alardeadas em filmes hollywoodianos, corroboravam com a criatividade de todos aqueles cineastas.

            Ailton estendeu as mãos para a fuselagem. Hesitou por alguns instantes, antes dos dedos tocarem o metal branco como leite, que estava surpreendentemente frio. Gelado. Seus dedos deslizaram pela superfície da nave quase como se não houvesse atrito algum. Como se tocasse algo ainda menos denso do que o ar.

            Passado o impacto do primeiro contato e tendo em vista que não havia movimento algum ao redor da espaçonave, os casais começaram a rodear o objeto, até encontrar do lado oposto uma grande abertura na fuselagem destroçada. Eles se entreolharam, as faces estampadas pelas mais diversas emoções.

            -Eu vou entrar – anunciou Ailton.

            -É claro que você vai, porque você é louco e nós já sabemos disso – foi a vez de Amanda protestar. – Felipe, diz pra ele que vamos ficar aqui fora. Ou melhor, que nós já vimos o suficiente e que vamos voltar para casa.

            -Me desculpa, gata, mas não vai rolar. Já viemos até aqui. E eu estou curioso demais para ver o que tem lá dentro. E se for o E.T. do Spielberg?

            -Ah é, e se for o Alien do Ridley Scott? – respondeu ela de bate-pronto.

            Ailton respondeu por Felipe:

            -Vamos torcer pelo primeiro.

            Ele sorriu para os amigos e entrou na nave, abaixando-se para poder passar pelo buraco retorcido e estendendo a mão para ajudar Caroline a entrar. A moça tinha as mãos trêmulas, as pernas bambas, assim com todos os demais, entretanto cedeu ao apelo do namorado e também se esgueirou para dentro do óvni.

            A primeira coisa que Ailton notou ao pisar dentro da nave foi a alvura infinita de algumas superfícies, em contraste com as cores neons que se distribuíam por algumas paredes dentro de tubos rosáceos que começavam no teto e deslizavam pela parede, como algo vivo e pulsante.

            Ele ficou paralisado tentando absorver tudo o que via, ao passo em que os demais se juntaram a ele e começaram a caminhar pela sala ampla que era aquele lugar, explorando cuidadosamente cada canto.

            -Ainda dá tempo de darmos o fora daqui, Ailton – comentou Rafael junto ao amigo que caminhava rumo a um corredor escuro, que levava para algum lugar desconhecido nas entranhas da nave. No teto daquele estreito caminho, a fiação soltava faíscas intimidadoras e uma bruma esbranquiçada emergia de fissuras no chão.

            -Vamos explorar, Rafa, relaxa cara. Estamos a bordo de uma nave alienígena, isso não é para qualquer um – e seguiu caminhando.

            -Mas que merda, você deve mesmo ter alguns parafusos a menos – resmungou Rafael.

            Os dois seguiram pelo corredor deixando os demais, ainda impressionados com a primeira sala, para trás.

            Rafael seguia Ailton de perto e quase trombou com ele quando o rapaz parou abruptamente no final do corredor.

            -Puta que... – as palavras escorregaram para fora da boca de Ailton.

            Rafael se colocou ao lado do amigo e imediatamente o seu coração pareceu gelar no peito, mediante aquela visão. Do outro lado da sala havia uma espécie de painel de controle, e, diante dele, estava sentada a criatura tão incomum aos olhos humanos, com pele acinzentada e corpo descomunalmente grande que fez os jovens se arrepiarem da cabeça aos pés.

            Após vencerem o torpor, os dois se entreolharam.

            -Tem algo errado, ele está imóvel – disse Rafael.

            -Nós já vamos descobrir.

            -Espera, Ailton!

            -Olá! – disse enquanto se aproximava – Nós viemos ajudar. Você consegue me entender?

            À medida que vencia a distância e contornava a grande poltrona que parecia brotar do chão como algo orgânico, ele percebeu que a criatura estava morta, provavelmente por causa da queda. A visão chegava a ser obcena de tão terrível, e Ailton precisou de toda sua força de vontade para resistir à tentação de desviar ou esconder os olhos. A cabeça do alienígena tinha se chocado violentamente contra o painel e sua massa encefálica estava espalhada por toda a superfície de botões e símbolos desconhecidos para os olhos humanos.

            Rafael se aproximou. A mão tampava a boca, assombrado e certo que de jamais conseguiria dormir novamente. Ele precisou se segurar para não vomitar ali mesmo.

            Ailton se virou para o amigo.

            -E agora, Ailton? O que fazemos? Precisamos voltar e falar com alguém. Você já viu tudo o que tinha para ver.

            O rapaz baixou a cabeça e pareceu pensar a respeito.

            -Você tem razão, precisamos voltar, mas temos que levar algo conosco. Porque você sabe o que acontece quando surge uma história dessas.

            -Na verdade eu não sei o que acontece quanto cai uma nave alienígena, mas você não pode me culpar por ser um... como eu posso dizer, cara normal. O que é que acontece? Nós vamos todos parar num hospício?

            -O governo vai acobertar tudo. Vai nos obrigar a mentir e dizer que não vimos nada. Talvez até...

            -Talvez até o que?

            -Talvez até tentem dar um sumiço na gente.

            -Caralho, Ailton! Você tem visto filmes demais!

            -Ei – chamou Caroline que vinha pelo corredor com os demais –, vocês estão aí? Estão bem?

            -Sim, meu amor, estamos bem, mas não venha pra cá com as meninas, a coisa está feia por aqui. Já estamos voltando, podem ficar tranquilas.

            Rafael assentiu com a cabeça. Seria bom poupar as garotas daquela visão hedionda.

            -Sem chances de eu não descobrir o que existe por aí – disse Felipe, atravessando o corredor e indo se juntar aos dois, para logo em seguida soltar um palavrão e cair sentado para trás, tremendo de medo e susto mediante a imagem do alienígena e sua cabeça espalhada por todo o painel.

            Enquanto Rafael ajudava Felipe a se levantar, Ailton explorava a sala. No centro, sobre um pedestal feito de um vidro opaco, havia uma caixa aberta. Ele se aproximou do objeto lentamente e o contornou em busca de descobrir o que existia em seu interior. Para sua decepção, a caixa estava vazia.

            -Não existe nada aqui que possamos pegar – concluiu Ailton após ver que não havia nada solto na nave. Nenhum tipo de objeto.

            -Talvez seja melhor assim – respondeu Rafael para o amigo decepcionado.

            -Exceto esta caixa – Ailton estendeu a mão para o objeto, e, com receio, o tocou suavemente. Era feita de um metal negro, reluzente por fora e por dentro, e tinha um ininteligível símbolo rosáceo sobre a tampa. As dimensões eram as mesmas de um notebook, exceto pela altura, um palmo maior. Ele retirou a caixa do pedestal avaliando o seu peso. Era leve e fácil de carregar. Ficaria com ela. Seria o seu prêmio. A prova de que estivera ali, para que depois que o governo e o exército sumissem com tudo, ele ainda tivesse algo para provar.

            -Vai mesmo levar isso? – perguntou Rafael.

            -Sim.

            -Você é louco.

            -Eu acho uma ótima ideia, pena que só tem uma, mas com certeza pegarei alguns pedaços dos destroços – afirmou Felipe.

            -Venham, vamos embora. Já chega dessa loucura – disse Rafael já caminhando para o corredor, Ailton o seguiu com a caixa aninhada no peito como se fosse um bebê.

            Felipe se preparava para segui-los quando algo caiu em seu ombro. Ele passou os dedos no lugar e viu uma mancha negra na camiseta do Black Sabbath. Instintivamente, olhou para cima e percebeu de onde aquela coisa tinha vindo. Espalhado pelo teto havia algo parecido com um casulo, feito de grossas e incontáveis teias escurecidas, entrelaçadas em bolsas e bulbos disformes, que pulsavam em um vermelho angustiante. Aquilo, definitivamente, estava vivo.

            Felipe ficou boquiaberto olhando para aquela coisa. Ele não conseguia se mover, apenas mantinha o olhar fixo, vidrado, até que ouviu os amigos chamarem o seu nome.

            -Felipe! Vamos embora!

            Quando saía do torpor, pronto para dar o fora dali, um dos bulbos se rompeu e uma coisa negra e disforme despencou sobre ele.

            Felipe gritou enlouquecido e amedrontado. Ele sentia algo rastejando por sua cabeça. Socou e arranhou o próprio rosto tentando se livrar, mas não conseguiu impedir que aquela pústula rastejante, do tamanho de uma caixa de fósforos, entrasse em sua boca e descesse por sua garganta.

            Ele ficou de joelhos e tentou vomitar. Tentou desesperadamente colocar aquela coisa que se movia em seu estômago para fora, mas não conseguiu. Então ficou em pé e tentou respirar, o ar negando-lhe o alívio que procurava, até que num instante, tudo voltou ao normal. Estava bem e com a sensação de que aquilo não tinha passado de uma ilusão

            -O que houve? – perguntaram Rafael e Ailton que irromperam pelo corredor em resposta aos gritos do amigo.

             Felipe ofegava olhando para o teto. A coisa ainda estava lá, infelizmente não era uma alucinação.

            -Eu me assustei com aquilo – apontou.

            -Que coisa mais nojenta – disse Ailton.

            -Vamos sair daqui, agora! – impôs Rafael, e os três foram se juntar às moças que já estavam do lado de fora.

            -Você está bem? – Amanda perguntou para o namorado.

            -Sim – ele tentou sorrir.

            -O que houve?

            -Eu apenas me assustei – Felipe não estava pronto para contar aos amigos que aquela gosma alienígena nojenta tinha entrado em sua boca. Ainda procurava convencer a si mesmo de que aquilo sequer tinha acontecido.

***

            Bernardo guiava a Harley pela estrada de terra na direção oposta à da queda daquele estranho e desconhecido objeto. Não havia caminho para descer diretamente até a mata, era preciso pegar incontáveis trilhas indo no sentido contrário, até finalmente voltar ao asfalto, para contornar o elevado planalto que abrigava a sua casa.

A ansiedade pulsava em suas veias tanto quanto o potente motor da motocicleta, que roncava alto e de forma quase poética para os amantes daquelas incríveis máquinas, interrompendo de forma abrupta o silêncio da noite que se arrastava pela trilha deserta e escura. Escuridão esta que lhe impedia de desenvolver a velocidade desejada, devido à perigosa irregularidade do solo.

            Depois de vencidos os muitos buracos e pedras dos tortuosos caminhos de terra, e após alguns minutos no asfalto da estrada, Bernardo chegou a uma interseção. À direita havia uma placa iluminada por lâmpadas amarelas: “Bem vindo a Riacho da Serra”. Ele tomou a esquerda, ignorando a entrada da pequena cidade de pouco mais de vinte mil habitantes e acelerou estrada acima, guiando-se apenas pela posição elevada do planalto onde ficava sua casa e também por seu apurado senso de localização.

            Reduziu um pouco a velocidade quando viu surgir no breu da noite algumas pessoas caminhando na direção contrária, junto ao acostamento. Pensou em parar e perguntar ao grupo de jovens, que parecia voltar de um acampamento, se eles tinham avistado o mesmo fenômeno que ele, mas desistiu. Estava apressado, e, bem lá no fundo, admitia querer ser o único dono daquela descoberta. Era atraente a ideia de que poderia ser ele a jogar uma luz definitiva sobre a Ufologia, ciência que graças a charlatões e aproveitadores era comumente vista com maus olhos. Sim, ele seria o primeiro a chegar ao local da queda e caso se tratasse de uma espaçonave, de um objeto voador não identificado, colocaria todos os holofotes da mídia sobre a descoberta, nem que tivesse que gastar todo o seu dinheiro para tal. Com este pensamento em mente, voltou a acelerar pela estrada.

            O motor da Harley diminui seu canto à medida que Bernardo definiu que tinha chegado a um bom local para começar a explorar. Tirou o capacete e ficou encarando a mata escura por alguns instantes, sacou a lanterna e verificou se funcionava. Verificou também a bateria do celular, quase completamente carregada. Faria o maior número possível de fotos e vídeos, mas também não ignorava o fato de que poderia se tratar da queda de um avião, e que nesse caso poderia precisar do aparelho para pedir ajuda, embora a imagem que ele tinha visto com o binóculo não lembrasse em nada uma aeronave convencional por um motivo muito simples: aquela coisa não tinha asas.

            Desceu da moto e entrou na mata que circundava a estrada. Sob as copas das altas árvores, a escuridão da noite era de um manto ainda mais denso e a potente lanterna tornou-se imprescindível.

            Bernardo avançou desbravando o local, sempre que podia em linha reta, guiando-se pela posição da colina que representava o ponto do qual tinha realizado o avistamento, certo de que sua casa ficava em algum lugar próximo da beirada daquele penhasco, mas parou de repente quando sentiu a chave da moto esquentar em seu bolso. Ele pegou o objeto fumegante e o atirou no chão mediante o calor abrasivo, mas levou preciosos segundos para perceber que o calor continuava irradiando no bolso da calça. Tratava-se do celular, que quando seguro em suas mãos, estava a ponto de entrar em combustão espontânea e queimou os dedos do ufólogo, fazendo-o derrubar o aparelho, que explodiu antes mesmo de tocar o solo, chamuscando sua calça e lhe causando um hematoma na canela.

Bernardo tombou no chão, assustado. Olhava para o aparelho em chamas sem entender o que havia acontecido. Já tinha ouvido falar dos riscos de deixar celulares carregando ao lado da cama enquanto dormia, ou usar os aparelhos enquanto estivessem plugados na tomada, mas ali, no meio do nada, não havia explicação plausível, exceto uma.

            Um disco voador poderia estar emitindo algum tipo de onda desconhecida de energia, que de alguma forma contribuiu para a explosão do celular. Não poderia haver outra explicação. Aquele aparelho era caríssimo, um modelo de última geração que valia quase tanto quanto um carro popular, e seguramente não explodiria sem uma ação externa.

            Ele ficou de pé e recolheu as chaves, estava ainda mais animado. Aquela era a confirmação de que precisava, embora já não tivesse mais como registrar qualquer imagem com nada além de seus próprios olhos.

            Com passos ainda mais rápidos, que delatavam sua ansiedade, Bernardo rapidamente chegou àquela clareira antinatural, uma vala profunda, sulcada na terra pelo objeto que repousava no final da escavação. A nave deixou o homem absolutamente petrificado, boquiaberto. Uma manifestação física e real de tudo que ele havia batalhado tanto para aprender e conhecer ao longo das últimas duas décadas de sua vida.

            Bernardo não conseguia despregar os olhos do óvni. O primeiro passo que deu foi trêmulo, sem firmeza alguma, as pernas amolecidas. Todos os livros que leu. Todas as pessoas com as quais conversou. As centenas de horas de vídeos assistidos no Youtube. Nada daquilo poderia tê-lo preparado para tal visão.

            Fugindo do torpor como alguém que se desprende de mãos invisíveis, Bernardo correu em direção ao óvni. No caminho, as primeiras palavras que ouviu a respeito, décadas atrás, naquela cama de lençóis amarrotados e cheirando a sexo e drogas em Amsterdam reverberavam em sua mente, tão eloquentes quanto nunca.

            “-Era redonda e pálida. Estava flutuando do lado de fora da minha casa, eu podia vê-la da janela. Até que aquela luz ofuscante me cegou e eu senti o corpo perder o peso. Senti-me flutuar e meus olhos se fecharam, como se as pálpebras pesassem toneladas. Quando consegui abrir os olhos novamente...”

            Aquela mulher não era louca e agora ele sabia que todas as pessoas que entrevistou ao longo dos últimos anos, provavelmente, também não eram.

            Bernardo tocou a lateral do objeto. Deixou a mão deslizar pela superfície do metal desconhecido, que parecia não oferecer atrito. Caminhou ao redor da nave, fascinado. Ansioso por descobrir seus segredos, seu coração quase parou quando viu a abertura no casco, de onde luzes brancas e neons pareciam convidar-lhe a entrar.

            O interior da nave parecia saído de um sonho, algo onírico, inimaginável. Após explorar a sala principal com um deslumbre pueril, ele avançou por um corredor escuro, um passo cauteloso depois do outro. Certo de que a qualquer instante iria se deparar com a única coisa que faltava para caracterizar aquele momento como um contato imediato de quarto grau: ficar cara a cara com um tripulante da nave, um ser de outro planeta.

            Bernardo entrou na sala que se revelava após o corredor e viu imediatamente a criatura debruçada sobre o painel. Estacou de imediato. Não por medo ou receio. Ficou imóvel graças à enorme ansiedade que se avolumava em seu interior. O estômago dava voltas e a boca ficou tão seca que ele achou que seria incapaz de dizer qualquer palavra caso fosse necessário, mas quando se aproximou da criatura, percebeu que não haveria contato algum. Era fácil concluir que ela não havia sobrevivido à queda. A cabeça estava esmagada junto ao painel. O cérebro do visitante estava por todos os lados, enquanto o corpo acinzentado pendia imóvel sobre a estranha poltrona que parecia ter emergido do chão como algo orgânico. Apenas a boca daquele ser, uma linha fina e quase invisível, ainda era perceptível.

            Bernardo se aproximou do cadáver. Ao mesmo tempo em que era uma visão horrenda, completamente hedionda e de embrulhar o estômago, ainda assim lhe era fascinante e atraente. Ele se inclinou sobre o corpo do alienígena, olhando o mais de perto possível, até que algo se mexeu dentro do pescoço longilíneo da criatura, fazendo o ufólogo saltar para trás, assustado. A coisa continuou subindo lentamente e ele voltou a se aproximar, traído por sua curiosidade, hipnotizado pelo movimento rastejante dentro da pele acinzentada, até que aquele calombo chegou à boca do alienígena, entreabrindo-a. Bernardo, que estava quase debruçado sobre o visitante para observar o mais de perto possível aquele fenômeno, não teve tempo para se defender do que veio a seguir. Uma coisa negra e rastejante saltou da boca do cadáver para o rosto do homem, que gritou estarrecido, caindo para trás.

O ser, que se assemelhava a uma grande lesma, passeou pelo rosto do ufólogo, driblando os dedos afoitos que arranhavam a pele em busca de afastar a criatura.

            Bernardo se contorcia no chão tentando se livrar da pequena criatura e, por fim, finalmente conseguiu segurá-la em sua mão e arremessá-la para longe.

            Ainda sentado e em estado de choque, ele não pôde tirar nem por um instante os olhos daquela estranha criatura, que se contorcia sobre o painel da nave, talvez se preparando para um novo ataque.

            Distraído, não percebeu os seres que se agitavam no teto da nave. Não viu o casulo pulsante e silencioso instalado alguns metros acima dele. Não viu quando inúmeras daquelas coisas irromperam dos vários bulbos para caírem sobre ele, e por mais que tenha conseguido se livrar de duas ou três delas, enquanto estas passeavam pelo seu rosto, outras cinco ou seis concluíram o intento de entrar pela boca e deslizar por sua garganta.

            Era nauseante senti-las se locomovendo por seu intestino, rastejando invasivas em seu interior, até que finalmente parou, como se nada tivesse acontecido.

            -Não. – Balbuciou para si mesmo, de quatro no chão tentava vomitar aquelas coisas, sem êxito.

            Juntando forças, ficou novamente de pé. Era estranho não sentir absolutamente nada após ser invadido por aquelas criaturas. Como isso era possível?

            -Preciso de um médico – correu para fora da nave, esquecendo-se completamente de seus planos, de seu amor pela ufologia, do medo de que o governo acobertasse tudo antes que ele pudesse fazer a verdade vir à tona. Naquele momento, tudo o que desejava era ficar livre daquele pesadelo.  

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