Nayole AKELLO
— Então, já viu o seu chefe? Ele é bonito? — Tagarelou Manu na outra linha, sua voz soando como uma música distante e inquieta.— Não vele esconder nada em? — Vou esconder o que? Aqui não tem nada demais a não ser só um pouco assustador. — Respondi, subindo as escadas tortuosas daquela clínica. Cada passo parecia ressoar com a expectativa e o medo do desconhecido. O ar estava carregado, como se as paredes absorvessem os sussurros dos pacientes e deixassem escapar uma energia inquietante. Assim que cheguei ao segundo andar, o eco dos meus pensamentos foi quebrado por um som distante. Era uma cadeira de rodas girando, a madeira rangendo sob o peso de algo que não conseguia ver. A conexão com Manu sempre me trouxe conforto, mas, naquele momento, suas perguntas apenas aumentavam minha ansiedade. — Nayole, você está ainda aí? — A voz de Manu havia mudado, a preocupação crescia. — Estou. Só... um pouco tensa. Aqui não é o que eu esperava. Estou constantemente a ter sensações estranhas e... — Sensações estranhas? Que tipo de sensações estranhas? — Manu! — O quê? Você está aí com um homem que possivelmente é um bilionário, é normal. —Apenas revirei os olhos e ri disso. — Eu falo de dejavu, não sei explicar direito, mas é como se tivesse conhecido esse lugar antes,sei lá. Acho que deve ser coisa da minha cabeça. – Unh, isso é mesmo estranho. Empurrei a porta de madeira da varanda, seus quadros e cores serenando a tempestade dentro de mim. Era um espaço simples, mas acolhedor, claro, contrastando com a escuridão que me esperava do outro lado do corredor. Olhei para o céu iluminado pelas estrelas, e logo levei para frente admirando a vista, mas minha mente estava presa nos relatos de Catherina sobre meu novo e primeiro paciente. Segundo os funcionários que trabalham aqui chamavam-no de "o homem sombrio", uma figura enigmática que fazia com que o ambiente fosse denso como um crepúsculo sem fim. Naquela troca de palavras, Manu sentiu meu nervosismo e começou a me perguntar. — Então o seu chefe é o seu paciente? Como é?— Respirei fundo e decidi compartilhar. — Segundo Catherine, os outros funcionários dizem que ele é difícil... e um pouco... estranho. Enquanto falava, senti uma pontada no estômago. Olhei pelo corredor, onde a luz lutava contra a sombra. Ele estava lá. No final do corredor, silhueta escura como um sussurro proibido. Ele não tinha se movido, mas sua presença reverberava em cada fibra do meu ser. — Nayole! O que foi? — Manu me interrompeu, como se pudesse sentir minha tensão através da distância. — Eu preciso desligar. — murmurei, sem conseguir desviar o olhar da figura imóvel. Uma sensação gelada subiu pelo meu corpo. A cadeira de rodas se movia em silêncio, e algo dentro de mim gritou para que eu não me aproximasse. O corpo dele era alto e esguio, vestindo uma camisa de um tom escuro que quase se fundia com a escuridão ao redor. Seus olhos eram azuis profundos, como o céu em uma noite de tempestade, e a cabeça raspada, ele era é como certeza o homem negro mas bonito que já vi. Eu também sou a diferença é que eu sou mais retina do que ele. Pareciam absorver toda a luz do ambiente. Havia uma beleza sombria nele, como uma obra de arte que perturbava e atraía ao mesmo tempo. Eu sabia que precisava agir. Com um movimento hesitante, me levantei e avancei, cada passo se arrastando como se o chão fosse feito de lama. — Oi, tudo bem? — A voz saiu trêmula, quase um sussurro. — Você precisa de alguma coisa? Ele não disse nada, apenas girou lentamente a cadeira, como se estivesse em um filme de terror. O que havia dentro de mim se agitou, a adrenalina correndo como um rio descontrolado. Eu sabia que era apenas um humano, mas, naquele momento, as sombras pareciam ganhar vida. Ele virou-se em direção ao quarto, e com um movimento rápido e preciso, fechou a porta na minha cara. Fiquei paralisada, o choque me consumindo. O impacto foi tão forte que quase me desequilibrou. O ruído da porta ecoou em meu corpo como um grito. O tempo parecia parar, e as emoções se entrelaçaram: confusão, medo e um leve flerte de raiva. “O que foi isso?”, pensei, mas não consegui encontrar uma resposta. Eram apenas sombras. Em um corredor que parecia de outro mundo, decidi voltar para o meu quarto. Precisei de um tempo para processar o que aconteceu. Cada movimento meu era acompanhado por um eco, como se eu estivesse presa em um pesadelo. Fechei a porta atrás de mim e encostei minha cabeça na madeira fria, tentando absorver a realidade daquele primeiro encontro. O dia seguinte não trouxe alívio. A luz da manhã penetrava na minha janela, mas a sensação de opressão ainda estava presente. Acordei disposta a enfrentar um novo dia, mas a trepidação nas minhas mãos denunciava meu nervosismo. Ao chegar na cozinha, encontrei Catherine, minha colega de trabalho que sempre me oferecia um sorriso caloroso. — Oi, Nayole! Por que você ainda não começou a trabalhar? — perguntou ela, arrumando uma bandeja com café e torradas. — Não sei, Catherine. O chefe ainda não me chamou. — Tentei soar despreocupada, mas a tensão na minha voz denunciava outra coisa. Ela franziu a testa, olhando para mim com preocupação. — Não costumo ver o chefe adiar assim. É estranho. E como vão as coisas? Eu hesitei, as memórias do dia anterior pesando sobre mim. — É... é diferente. Espero que não demore, pois estou me sentindo um pouco perdida. Catherine, sem perceber minha inquietação, me entregou a bandeja. — Aqui, leva isso até o quarto dele. O chefe me pediu para você ajudar com isso. Olhei a comida, o aroma delicioso quase ofuscando meu receio. Eu sabia que precisava fazer essa visita, mas a ideia de ver o homem sombrio novamente formiga na minha mente como uma picada de abelha. — Claro, eu vou. — Minha resposta saiu mais firme do que o que sentia por dentro. Enquanto subia as escadas, a ansiedade pulsava. O segundo andar se estendia em um corredor longo e escuro, e cada passo ressoava como um lembrete de que eu estava prestes a cruzar um limite desconhecido. Ao me aproximar da porta dele, uma sensação de urgência aumentava a cada batida do meu coração. Bati na porta, mas a sensação de que ela já estava entreaberta me pegou de surpresa. Empurrei suavemente, e a porta se abriu. Meu queixo ficou caído ao entrar e deparar-me com o quarto. Era luxuoso, sim, mas envolto em uma penumbra quase opressiva. Cortinas de seda negra pendiam sob janelas emolduradas, e o mobiliário elegante refletia um gosto particular por tudo que era sombrio. As paredes eram de um tom profundo que lembrava a noite, e o cheiro do ambiente era de algo quente e envelhecido, como madeira polida. Foi quando o vi. Ele estava de pé, sua imagem se projetando contra o fundo escuro. A cadeira de rodas estava vazia. A fragilidade que eu esperava encontrar se transformou em uma força imponente. Ele olhou para mim com aqueles olhos azuis penetrantes, que pareciam observar cada uma das minhas fraquezas. — O que você quer? — Ele gritou, sua voz ecoando e cortando o ar como um relâmpago. Era um comando, e ao mesmo tempo, o grito de um homem ferido. Engoli em seco diversas vezes, sem saber para onde ir. Estava completamente perdida. Meus instintos gritavam para que eu fugisse, mas o choque tomou conta de mim. Ao mesmo tempo, a curiosidade e a empatia se misturaram. Sobre o brilho à escuridão, ele era fascinante. — Eu... eu trouxe comida. — Tentei dizer, mas a voz não saiu mais do que um sussurro. Soube que estava em seu território, e uma onda de tristeza súbita atravessou meu corpo ao perceber a solidão que ele carregava. Mas a reação dele foi repentina. Com um movimento brusco, ele me indicou a saída. Senti o calor subir em meu rosto, a humilhação consumindo minha coragem. — Saia! Você não tem nada a fazer aqui! — A sentença foi sentenciada como a queda de um martelo. Eu saí, a sensação de fracasso preenchendo cada parte de mim. O que deveria ter sido um convite para compartilharmos algo se transformou em mais um lembrete de que o medo pode ser uma barreira intransponível entre dois mundos distintos. Fechei a porta, mas a imagem dele me perseguia, a solidão e a dor emanando de sua presença. "O que eu estou a fazer?" A pergunta rodou minha cabeça diversas vezes. Eu não fui contratada para ser humilhada, isso eu não posso deixar.NAYOLE AKELLO Respirei fundo, essa era a centésima vez que fazia isso. Depois de ontem, fiquei muito pensativa sobre continuar ou não com esse trabalho. Recordo-me do porquê da escolha dessa profissão; mesmo sem nunca ter tido a oportunidade de exercer como profissional, a paixão pelo que faço ainda queimava em mim. Mas a ideia de largar tudo e voltar para a Namíbia seduzia, como um canto distante que não sabia se realmente existia. Olhei em volta, para as paredes opulentas da mansão e logo percebi: esse lugar não era um lar, mas uma prisão disfarçada.Com um uniforme que refletia a formalidade exigida, pus-me a caminho do quarto dele, que eu carinhosamente chamava de “quarto das sombras”. Os corredores eram longos e afastados, com uma luz tênue que criava mais silêncio do que conforto. Na verdade, eu sentia que o próprio ar estava carregado com um tipo de treva que se infiltrou em mim a cada passo. Era como se a mansão tivesse a capacidade de respirar seus próprios segredos obscuros
NAYOLE AKELLO Sento-me na cama, os lençois ainda quentes ao meu redor, mas meu corpo parece um frágil palácio de emoções destroçadas. A luz da lua consegue atravessar as cortinas, derretendo-se em um tom suave e quase dolorido, e eu não consigo escapar da presença dele em meus pensamentos. Apollo Mthunzi. Só o nome me provoca sensações inusitadas, como se mil borboletas dançarem em meu estômago.Fecho os olhos, tentando, em vão, afastar seus ecos da minha mente. Já não sei como viver assim, constantemente assombrada por um desejo que mistura conforto e desespero. Ouvindo o tique-taque do relógio, me vejo proibida de avançar, de recuar, como se algo invisível mantivesse meu corpo na borda do precipício.Olhei para o telemóvel e bufo chateada, ainda madruga. Levanto-me da cama, a superfície macia do colchão se desfazendo sob mim, e caminho hesitante até a porta. Ao abri-la, uma brisa fresca parece acariciar minha pele, mas não me engano, é também uma lufada de ansiedade. Jogo a cabe
NAYOLE AKELLO Olhei pela janela e a chuva caía com força, batendo nas vidraças com um ritmo quase hipnótico. Levantei-me da cama, sentindo cada movimento como se um peso invisível estivesse grudado em meus ombros. Após um breve momento de hesitação, decidi que precisava de algo para me reanimar e fui em direção à cozinha.Duas semanas se passaram desde que cheguei aqui e a sensação de que o tempo deslizava entre meus dedos, como areia numa praia deserta, tornou-se insuportável. O verão se despediu, dando lugar ao outono, e eu me encontrava em uma batalha interna, lutando para entender o que estava acontecendo dentro de mim.Os passos silenciosos pelo corredor pareciam ecoar em um vazio que só crescia. Cada batida do meu coração ressoava, e eu mal podia concentrar-me na tarefa simples de encher uma garrafa de água. Enquanto esperava a torneira encher, percebi que minha mente divagava, viajando até ele. Sua presença, sombria e cheia de enigmas, havia se infiltrado nos meus pensamentos,
00 NAYOLE AKELLOFalta menos de uma hora para a minha entrevista de emprego, que na verdade é um teste para um comercial. Estou muito ansiosa e nervosa, muitas emoções para um dia só. Simba, meu noivo saiu muito cedo antes mesmo eu despertar. Olho para o relógio na paredes amarela a direita e quase infarto. — Ai! Droga. Vou me atrasar. – Praguejo em mil idiomas, que não sei falar enquanto pego minha bolsa e saio a correr do apartamento do de Simba. Se não fosse pela insistência dele, provavelmente não estaria nesta situação. Simba não gostou muito da ideia quando apresentei para ele e tenho quase a certeza de que fez de propósito. Mas fazer o que? É assim que homens apaixonado agem na tem muito o que falar. Já na portaria, cumprimento o senhor Romeu, ele sorri para mim e faço o mesmo. O carro de Emanuela, esta estacionando um pouco distande da portaria do prédio. Ela bosina fazendo correr ate ela, entro no corro e olhos para ela que esta com o rosto tranco e uma so
1 NAYOLE AKELLO Olho para a janela pensativa, não sei de que forma irei convencer Simba da ideia de aceitar gravar o comercial, isso seria muito bom para nós dois principalmente na questão financeira. Simba e eu somos de Namíbia, dois miúdos imaturos que queriam mudar de vida, foi isso que os pais deles disseram quando ele contou sobre a viagem. Embora dona Luciana e senhor João fossem uns bons pais para ele, nunca aceitaram a ideia do filho mudar de país ainda mais Europeu. Quando Simba e eu nos conhecemos éramos adolescentes ele estava nos seus dezassete anos e eu quinze. Fomos grandes amigos antes de tudo isso se transformar em um romance, estudavamos na mesma escola, ele é vem de uma boa família com uma condição financeira estável e eu bem... Eu era só uma rapariga que fazia de tudo para sobreviver. Hoje com vinte e quatro anos e vinte e seis nos tornamos noivos e realizamos o sonho de vir para cá. Os anos não tem sido fácil, ele trabalha em dois empregos para no
2 NAYOLE Não falei com Simba desde o ocorrido, estava completamente embriagada de medo e de tristeza, ele tentou falar comigo durante a noite, porém eu não deixei. Fiquei decepcionada e magoada, nunca pensei que ele fosse levantar sua mão para mim um dia. As lágrimas escorriam do meu rosto ao lembrar da cena. Eu sei que devia ter chegado cedo ontem, porém isso não justificava a agressão física. Estou consciente de que ele talvez não tenha feito por mal, entretanto não posso tolerar isso. No quarto de banho, olho a minha imagem, a marca do tapa ainda estava lá teria que fazer muito esforço para esconder isso. Suspirei fundo, só queria que isso tudo fosse um sonho, um sonho ruim que a qualquer momento poderia acordar. Sai do meus decênios com uma batida fraca na porta, e em seguida a voz de Simba chamando por mim.— Amor. Sou eu! Por favor vamos conversar. — Não respondi, nada, não queria vê-lo, estou com medo e não sei se ele vai voltar a ser agressivo comigo. — P
3Atenção Atenção:capítulo contém informação sobre agressão física. O vapor ainda saía debaixo da porta do quarto de banho, criando uma névoa que parecia carregar o peso das nossas discussões passadas. Eu me aproximei, a mão trêmula estendida em direção à maçaneta. Havia uma hesitação em meus movimentos, um medo que me fazia questionar se eu realmente tinha o direito de exigir mais, de querer mais.- Simba. - comecei, minha voz vacilante, mas mais firme a cada palavra. - nós precisamos conversar.Ele emergiu, envolto em uma toalha, com gotículas de água ainda percorrendo seu torso definido. Seu olhar era de confusão, mas logo se transformou em irritação quando percebeu o tom da minha voz.- O que agora? - ele perguntou, a impaciência evidente em cada sílaba. Eu engoli em seco, sentindo o clima ficar pesada. - Não podemos continuar assim. Eu me sinto sufocada, controlada. Eu preciso de espaço, de liberdade. Preciso respirar sem sentir que estou te desapontando- Simba riu, um som que
4 NAYOLLE AKELLO O cheiro de pão fresco era convidativo, mas eu não sentia vontade nenhuma de comer. A mesa estava posta com um café fumegante, pães quentinhos e frutas coloridas, mas tudo aquilo parecia uma cena pintada, um cenário de filme que eu não fazia parte. Manuela, com sua energia contagiante e jeito protetor, tentou mais uma vez me convencer a comer.— Ei! — chamou ela, com um olhar determinado, como se eu pudesse ouvir suas palavras. — Você precisa comer, aquele trapo de homem não merece seu sofrimento, amiga.Apenas balancei a cabeça, reprimi a sensação de que a resposta não era uma resistência, mas sim a conclusão da minha alma, silenciada por muito tempo. O peso do meu passado ainda pairava sobre mim, feito uma nuvem escura pronta para despencar.Manuela continuava ali, alinhando os pratos na mesa, seus movimentos eram rápidos e decididos, como se estivesse em um combate contra a minha dor. O jeito que ela ajeitava os talheres, com pequenas batidinhas nas bordas, pareci