7

Nayole AKELLO

— Então, já viu o seu chefe? Ele é bonito? — Tagarelou Manu na outra linha, sua voz soando como uma música distante e inquieta.— Não vele esconder nada em?

— Vou esconder o que? Aqui não tem nada demais a não ser só um pouco assustador. — Respondi, subindo as escadas tortuosas daquela clínica. Cada passo parecia ressoar com a expectativa e o medo do desconhecido. O ar estava carregado, como se as paredes absorvessem os sussurros dos pacientes e deixassem escapar uma energia inquietante.

Assim que cheguei ao segundo andar, o eco dos meus pensamentos foi quebrado por um som distante. Era uma cadeira de rodas girando, a madeira rangendo sob o peso de algo que não conseguia ver. A conexão com Manu sempre me trouxe conforto, mas, naquele momento, suas perguntas apenas aumentavam minha ansiedade.

— Nayole, você está ainda aí? — A voz de Manu havia mudado, a preocupação crescia.

— Estou. Só... um pouco tensa. Aqui não é o que eu esperava. Estou constantemente a ter sensações estranhas e...

— Sensações estranhas? Que tipo de sensações estranhas?

— Manu!

— O quê? Você está aí com um homem que possivelmente é um bilionário, é normal. —Apenas  revirei os olhos e ri disso.

— Eu falo de dejavu, não sei explicar direito, mas é como se tivesse conhecido esse lugar antes,sei lá.  Acho que deve ser coisa da minha cabeça. 

– Unh, isso é mesmo estranho.

Empurrei a porta de  madeira da varanda, seus quadros e cores serenando a tempestade dentro de mim. Era um espaço simples, mas acolhedor, claro, contrastando com a escuridão que me esperava do outro lado do corredor. Olhei para o céu  iluminado pelas estrelas,  e logo levei para  frente  admirando a vista, mas minha mente estava presa nos relatos de Catherina sobre meu novo e primeiro paciente. Segundo os funcionários  que  trabalham aqui chamavam-no de "o homem sombrio", uma figura enigmática que fazia com que o ambiente fosse denso como um crepúsculo sem fim.

Naquela troca de palavras, Manu sentiu meu nervosismo e começou a me perguntar.

— Então o seu chefe é o seu paciente? Como é?— Respirei fundo e decidi compartilhar.

—  Segundo Catherine, os outros funcionários dizem que ele é difícil... e um pouco... estranho.

Enquanto falava, senti uma pontada no estômago. Olhei pelo corredor, onde a luz lutava contra a sombra. Ele estava lá. No final do corredor, silhueta escura como um sussurro proibido. Ele não tinha se movido, mas sua presença reverberava em cada fibra do meu ser.

— Nayole! O que foi? — Manu me interrompeu, como se pudesse sentir minha tensão através da distância.

— Eu preciso desligar. — murmurei, sem conseguir desviar o olhar da figura imóvel. Uma sensação gelada subiu pelo meu corpo. A cadeira de rodas se movia em silêncio, e algo dentro de mim gritou para que eu não me aproximasse.

O corpo dele era alto e esguio, vestindo uma camisa de um tom escuro que quase se fundia com a escuridão ao redor. Seus olhos eram azuis profundos, como o céu em uma noite de tempestade, e a cabeça  raspada, ele era  é como  certeza  o homem negro mas bonito que já  vi. Eu também  sou a diferença é  que eu sou mais retina do que ele. Pareciam absorver toda a luz do ambiente. Havia uma beleza sombria nele, como uma obra de arte que perturbava e atraía ao mesmo tempo.

Eu sabia que precisava agir. Com um movimento hesitante, me levantei e avancei, cada passo se arrastando como se o chão fosse feito de lama.

— Oi, tudo bem? — A voz saiu trêmula, quase um sussurro. — Você precisa de alguma coisa?

Ele não disse nada, apenas girou lentamente a cadeira, como se estivesse em um filme de terror. O que havia dentro de mim se agitou, a adrenalina correndo como um rio descontrolado. Eu sabia que era apenas um humano, mas, naquele momento, as sombras pareciam ganhar vida. Ele virou-se em direção ao quarto, e com um movimento rápido e preciso, fechou a porta na minha cara.

Fiquei paralisada, o choque me consumindo. O impacto foi tão forte que quase me desequilibrou. O ruído da porta ecoou em meu corpo como um grito. O tempo parecia parar, e as emoções se entrelaçaram: confusão, medo e um leve flerte de raiva. “O que foi isso?”, pensei, mas não consegui encontrar uma resposta. Eram apenas sombras.

Em um corredor que parecia de outro mundo, decidi voltar para o meu quarto. Precisei de um tempo para processar o que aconteceu. Cada movimento meu era acompanhado por um eco, como se eu estivesse presa em um pesadelo. Fechei a porta atrás de mim e encostei minha cabeça na madeira fria, tentando absorver a realidade daquele primeiro encontro.

O dia seguinte não trouxe alívio. A luz da manhã penetrava na minha janela, mas a sensação de opressão ainda estava presente. Acordei disposta a enfrentar um novo dia, mas a trepidação nas minhas mãos denunciava meu nervosismo. Ao chegar na cozinha, encontrei Catherine, minha colega de trabalho que sempre me oferecia um sorriso caloroso.

— Oi, Nayole! Por que você ainda não começou a trabalhar? — perguntou ela, arrumando uma bandeja com café e torradas.

— Não sei, Catherine. O chefe ainda não me chamou. — Tentei soar despreocupada, mas a tensão na minha voz denunciava outra coisa.

Ela franziu a testa, olhando para mim com preocupação.

— Não costumo ver o chefe adiar assim. É estranho. E como vão as coisas?

Eu hesitei, as memórias do dia anterior pesando sobre mim.

— É... é diferente. Espero que não demore, pois estou me sentindo um pouco perdida.

Catherine, sem perceber minha inquietação, me entregou a bandeja.

— Aqui, leva isso até o quarto dele. O chefe me pediu para você ajudar com isso.

Olhei a comida, o aroma delicioso quase ofuscando meu receio. Eu sabia que precisava fazer essa visita, mas a ideia de ver o homem sombrio novamente formiga na minha mente como uma picada de abelha.

— Claro, eu vou. — Minha resposta saiu mais firme do que o que sentia por dentro.

Enquanto subia as escadas, a ansiedade pulsava. O segundo andar se estendia em um corredor longo e escuro, e cada passo ressoava como um lembrete de que eu estava prestes a cruzar um limite desconhecido. Ao me aproximar da porta dele, uma sensação de urgência aumentava a cada batida do meu coração.

Bati na porta, mas a sensação de que ela já estava entreaberta me pegou de surpresa. Empurrei suavemente, e a porta se abriu. Meu queixo ficou caído ao entrar e deparar-me com o quarto.

Era luxuoso, sim, mas envolto em uma penumbra quase opressiva. Cortinas de seda negra pendiam sob janelas emolduradas, e o mobiliário elegante refletia um gosto particular por tudo que era sombrio. As paredes eram de um tom profundo que lembrava a noite, e o cheiro do ambiente era de algo quente e envelhecido, como madeira polida.

Foi quando o vi. Ele estava de pé, sua imagem se projetando contra o fundo escuro. A cadeira de rodas estava vazia. A fragilidade que eu esperava encontrar se transformou em uma força imponente. Ele olhou para mim com aqueles olhos azuis penetrantes, que pareciam observar cada uma das minhas fraquezas.

— O que você quer? — Ele gritou, sua voz ecoando e cortando o ar como um relâmpago. Era um comando, e ao mesmo tempo, o grito de um homem ferido. Engoli em seco diversas vezes, sem saber para onde ir. Estava completamente perdida.

Meus instintos gritavam para que eu fugisse, mas o choque tomou conta de mim. Ao mesmo tempo, a curiosidade e a empatia se misturaram. Sobre o brilho à escuridão, ele era fascinante.

— Eu... eu trouxe comida. — Tentei dizer, mas a voz não saiu mais do que um sussurro.

Soube que estava em seu território, e uma onda de tristeza súbita atravessou meu corpo ao perceber a solidão que ele carregava. Mas a reação dele foi repentina. Com um movimento brusco, ele me indicou a saída. Senti o calor subir em meu rosto, a humilhação consumindo minha coragem.

— Saia! Você não tem nada a fazer aqui! — A sentença foi sentenciada como a queda de um martelo.

Eu saí, a sensação de fracasso preenchendo cada parte de mim. O que deveria ter sido um convite para compartilharmos algo se transformou em mais um lembrete de que o medo pode ser uma barreira intransponível entre dois mundos distintos.

Fechei a porta, mas a imagem dele me perseguia, a solidão e a dor emanando de sua presença.  "O que eu estou a fazer?" A pergunta rodou minha cabeça diversas vezes.  Eu não fui contratada para ser humilhada, isso eu não posso deixar. 

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