2 NAYOLE
Não falei com Simba desde o ocorrido, estava completamente embriagada de medo e de tristeza, ele tentou falar comigo durante a noite, porém eu não deixei. Fiquei decepcionada e magoada, nunca pensei que ele fosse levantar sua mão para mim um dia. As lágrimas escorriam do meu rosto ao lembrar da cena. Eu sei que devia ter chegado cedo ontem, porém isso não justificava a agressão física. Estou consciente de que ele talvez não tenha feito por mal, entretanto não posso tolerar isso. No quarto de banho, olho a minha imagem, a marca do tapa ainda estava lá teria que fazer muito esforço para esconder isso. Suspirei fundo, só queria que isso tudo fosse um sonho, um sonho ruim que a qualquer momento poderia acordar. Sai do meus decênios com uma batida fraca na porta, e em seguida a voz de Simba chamando por mim. — Amor. Sou eu! Por favor vamos conversar. — Não respondi, nada, não queria vê-lo, estou com medo e não sei se ele vai voltar a ser agressivo comigo. — Por favor, amor. Perdão sim? Eu não fiz por mal eu... Ah.. eu sinto muito de verdade. — Continuou, ele ainda no outro lado da porta. Eu comecei a chorar, de medo, angústia e incerteza. — Você me bateu. — As palavras saíram com um gosto horrível. Podia sentir a minha bílis subir instantaneamente. — Por isso estou aqui, olha eu não consegui trabalhar por me sentir um idiota , um completo imbecil por ter feito aquilo. Acredita em mim por favor. Você sabe que eu te amo e muito. Só quero abrir a porta. — E se você... — Não. Nayolle, eu não voltaria a fazer isso. Eu juro. — Assegurou ele. Pensei duas vezes antes de abrir a porta. — Agir por impulso, estava muito nervoso e não enxerguei o que estava a fazer. Eu juro que não foi porque quis machucá - la, amor você sabe que eu não estava no meu perfeito juízo. Mas as lembranças de como ele é maravilhoso surgirão, o que me fez pensar que talvez estivesse a ser muito dura com ele, afinal não fez por querer. Com esse pensamento abrir a porta, lá estava ele com um buquê de margaridas brancas e uma embalagem de bombons. — Me perdoa? Eu juro que não volto a fazer isso. — Você jura? — Com certeza. — Disse, ele me entregando os presentes. Recebi de bom grato e agradece por eles Somba me abraçou e beijou com desejo, decidi para o beijo, pois ainda estava magoada com ele e não queria fazer nada ainda. Ele percebeu, porém apenas suspirou diante disso. – Eu entendo, não vamos falar mais disso. – Eu apenas concordei com a cabeça. — Ainda é cedo, podemos sair e ir tomar um chocolate quente, o que acha. — Fiquei animada com a ideia. E também muito surpresa, pois desde que chegamos cá, não lembro de termos feito isso. Simba tem uma visão sobre trabalho muito tradicional, ele sempre tem que fazer de tudo e proporcionar o bom e melhor para mim tem que trabalhar e muito. — Está bem. Eu vou tomar banho e vestir algo mais confortável. – Certo. — Concordou. Deixou um beijo fraco nos meus lábios e depois saiu com as coisas que trouxe. Nunca me senti insegura em relação a Simba, mas ultimamente tem sido desse jeito, agora me senti como se estivesse andando em uma corda bamba, tentando equilibrar o peso das expectativas de Semba, meu parceiro, com o meu próprio senso de identidade. Ele, um homem de tradições fortes, sempre achou que deveria prover tudo, trabalhando incansavelmente para garantir que nada me faltasse. Mas essa noite, eu sentia que estava encolhendo, tentando me tornar pequena, invisível, para não ser a que estraga tudo para ele, para não provocar sua fúria ciumenta. O restaurante onde decidimos jantar era um lugar elegante, com luzes suaves e música ambiente que criava um clima íntimo. As mesas estavam dispostas com precisão, e os garçons moviam-se com uma graça quase coreografada. Eu deveria me sentir confortável, mas a tensão em meus ombros dizia o contrário. Semba estava ao meu lado, seu olhar percorrendo o cardápio, mas eu sabia que sua mente estava em outro lugar. Ele sempre tinha essa capacidade de parecer presente enquanto sua atenção estava focada em qualquer ameaça potencial ao seu território – e eu era esse território. Quando o garçom veio anotar nossos pedidos, Simba pediu o vinho mais caro e fez questão de enfatizar que não importava o preço, desde que eu estivesse satisfeita. Eu apenas sorri, agradecida, mas por dentro, eu estava gritando por espaço para respirar. Foi então que aconteceu. Um homem, negro alto e ombros largos, lançou um olhar casual em minha direção. Ele era bonito, com uma presença que parecia iluminar o espaço ao seu redor. Eu mal o notei, mas Simba sim. Seu corpo endureceu ao meu lado, e eu pude sentir a mudança em sua energia. Era como se uma tempestade estivesse se formando ao redor de nós. — Nayole, você o conhece? — Sua voz era baixa, mas havia uma borda afiada nela. — Não, Simba. Nunca o vi antes. — Minha resposta foi rápida, um reflexo condicionado para acalmar a tempestade antes que ela se formasse. Ele assentiu, mas seus olhos permaneceram fixos no homem, que agora conversava alegremente com seus companheiros de mesa. Simba agarrou minha mão com força, seus dedos pressionando os meus até que eu senti a circulação diminuir. Eu queria puxar minha mão de volta, mas sabia que qualquer resistência da minha parte só pioraria as coisas. O jantar prosseguiu, e eu tentei me concentrar na comida, nos sabores e texturas, tentando ignorar a dor latejante em minha mão e o medo crescente em meu peito. Simba falava de negócios, de planos futuros, e eu acenava e sorria quando era esperado, mas minhas respostas eram automáticas, sem vida. Quando o homem se levantou para fazer seja o que for, Simba apertou minha mão ainda mais forte, como se ele pudesse me manter segura através da força física. Eu senti uma lágrima escorrer pelo meu rosto, mas a limpei rapidamente antes que ele pudesse ver. Eu não queria ser a causa de sua raiva, não queria ser "a estraga prazeres " para ele. — Vamos embora. — Simba disse de repente, jogando dinheiro suficiente na mesa para cobrir a conta e uma generosa gorjeta. Eu não protestei, apenas segui seu comando, me levantando e caminhando ao seu lado enquanto ele me guiava para fora do restaurante. O ar fresco da noite foi um alívio, mas o aperto em meu coração não diminuiu. No caminho para casa, Simba estava silencioso, e eu sabia que ele estava lutando contra seus próprios demônios, aqueles que o faziam ver inimigos onde não havia. Eu queria ajudá-lo, queria ser a parceira que ele precisava, mas não a custo de minha própria alma. Chegamos em casa, e ele foi direto para o banheiro tomar um banho. Eu me sentei na cama, olhando para as minhas mãos, agora livres de sua pressão, mas ainda sentindo o fantasma de seu aperto. Eu sabia que algo precisava mudar, que eu não podia continuar encolhendo, tentando me tornar menos do que eu era. Eu precisava encontrar minha voz, precisava dizer a Simba que o amor não deveria ser uma prisão, que a confiança era a base de tudo. Mas, por enquanto, eu apenas respirei fundo, tentando reunir a coragem para a conversa que precisávamos ter. A água do chuveiro parou, e eu sabia que era hora. Eu me levantei, determinada a não mais encolher, ser uma vítima das suas mãos.3Atenção Atenção:capítulo contém informação sobre agressão física. O vapor ainda saía debaixo da porta do quarto de banho, criando uma névoa que parecia carregar o peso das nossas discussões passadas. Eu me aproximei, a mão trêmula estendida em direção à maçaneta. Havia uma hesitação em meus movimentos, um medo que me fazia questionar se eu realmente tinha o direito de exigir mais, de querer mais.- Simba. - comecei, minha voz vacilante, mas mais firme a cada palavra. - nós precisamos conversar.Ele emergiu, envolto em uma toalha, com gotículas de água ainda percorrendo seu torso definido. Seu olhar era de confusão, mas logo se transformou em irritação quando percebeu o tom da minha voz.- O que agora? - ele perguntou, a impaciência evidente em cada sílaba. Eu engoli em seco, sentindo o clima ficar pesada. - Não podemos continuar assim. Eu me sinto sufocada, controlada. Eu preciso de espaço, de liberdade. Preciso respirar sem sentir que estou te desapontando- Simba riu, um som que
4 NAYOLLE AKELLO O cheiro de pão fresco era convidativo, mas eu não sentia vontade nenhuma de comer. A mesa estava posta com um café fumegante, pães quentinhos e frutas coloridas, mas tudo aquilo parecia uma cena pintada, um cenário de filme que eu não fazia parte. Manuela, com sua energia contagiante e jeito protetor, tentou mais uma vez me convencer a comer.— Ei! — chamou ela, com um olhar determinado, como se eu pudesse ouvir suas palavras. — Você precisa comer, aquele trapo de homem não merece seu sofrimento, amiga.Apenas balancei a cabeça, reprimi a sensação de que a resposta não era uma resistência, mas sim a conclusão da minha alma, silenciada por muito tempo. O peso do meu passado ainda pairava sobre mim, feito uma nuvem escura pronta para despencar.Manuela continuava ali, alinhando os pratos na mesa, seus movimentos eram rápidos e decididos, como se estivesse em um combate contra a minha dor. O jeito que ela ajeitava os talheres, com pequenas batidinhas nas bordas, pareci
5Nayole AKELLO Três dias que se sucederam aoacontecimento do meu rompimento com Simba, os dias têm sido bons para mim, Manuela tem feito de tudo para me ajudar a não entrar numa depressão social. Agora cá estou em frente a uma enorme casa que fica no meio do nada para um entrevista. É isso minha vida é uma maravilha. Quando soube dessa entrevista no jornal lia não perdi tempo e liguei rapidamente para eles. Sabia que um dia o hábito de ler jornais iria me ser útil. Quem não ficou muito feliz com isso foi Manu, pois seu medo era de que encontrasse Simba no caminho e me fizesse algum, entretanto não podia viver a minha vida toda com medo dele. Algum dia teria que sair de casa. Enquanto eu aguardava que os grandes portões se abrissem e eu entrasse naquela casa imponente, não pude deixar de sentir um misto de ansiedade e curiosidade e uma grande sensação tomou conta de mim, é como se já estivesse aqui antes. O lugar, cercado por árvores altas que sussurravam com o vento, tinha um ar
NAYOLLE AKELLO Estou com as malas abertas, em meio a roupas dobradas e objetos pessoais, lutando contra a sensação de que estou indo embora de algo que nunca realmente deixei. Manuela está atrás de mim, os olhos arregalados como os de um gatinho prestes a perder seu tutor. Sua preocupação é palpável, mas não vou deixar que a dúvida dela atrapalhe meu novo começo.— Você tem certeza disso? Olhe, acho que deveria pensar bem sobre esse emprego- Evidenciou seu ponto de vista, a voz trêmula com uma mistura de felicidade e apreensão.—Eu tenho, Manu. Além disso, vai ser bom finalmente colocar em prática tudo o que aprendi na escola. -- respondo, enquanto coloco um vestido azul na mala, seu tom vibrante contrastando com o marasmo da nossa sala.—Eu sei, mas…— Ela hesita, levando a mão ao quadril, uma expressão de desconfiança se formando em seu rosto. —Acho que é muito estranho, sabe? O lugar é afastado da cidade e eu nunca conheci ninguém que vive lá.—Pois é, mas você não pode achar que,
Nayole AKELLO — Então, já viu o seu chefe? Ele é bonito? — Tagarelou Manu na outra linha, sua voz soando como uma música distante e inquieta.— Não vele esconder nada em? — Vou esconder o que? Aqui não tem nada demais a não ser só um pouco assustador. — Respondi, subindo as escadas tortuosas daquela clínica. Cada passo parecia ressoar com a expectativa e o medo do desconhecido. O ar estava carregado, como se as paredes absorvessem os sussurros dos pacientes e deixassem escapar uma energia inquietante.Assim que cheguei ao segundo andar, o eco dos meus pensamentos foi quebrado por um som distante. Era uma cadeira de rodas girando, a madeira rangendo sob o peso de algo que não conseguia ver. A conexão com Manu sempre me trouxe conforto, mas, naquele momento, suas perguntas apenas aumentavam minha ansiedade.— Nayole, você está ainda aí? — A voz de Manu havia mudado, a preocupação crescia.— Estou. Só... um pouco tensa. Aqui não é o que eu esperava. Estou constantemente a ter sensações
NAYOLE AKELLO Respirei fundo, essa era a centésima vez que fazia isso. Depois de ontem, fiquei muito pensativa sobre continuar ou não com esse trabalho. Recordo-me do porquê da escolha dessa profissão; mesmo sem nunca ter tido a oportunidade de exercer como profissional, a paixão pelo que faço ainda queimava em mim. Mas a ideia de largar tudo e voltar para a Namíbia seduzia, como um canto distante que não sabia se realmente existia. Olhei em volta, para as paredes opulentas da mansão e logo percebi: esse lugar não era um lar, mas uma prisão disfarçada.Com um uniforme que refletia a formalidade exigida, pus-me a caminho do quarto dele, que eu carinhosamente chamava de “quarto das sombras”. Os corredores eram longos e afastados, com uma luz tênue que criava mais silêncio do que conforto. Na verdade, eu sentia que o próprio ar estava carregado com um tipo de treva que se infiltrou em mim a cada passo. Era como se a mansão tivesse a capacidade de respirar seus próprios segredos obscuros
NAYOLE AKELLO Sento-me na cama, os lençois ainda quentes ao meu redor, mas meu corpo parece um frágil palácio de emoções destroçadas. A luz da lua consegue atravessar as cortinas, derretendo-se em um tom suave e quase dolorido, e eu não consigo escapar da presença dele em meus pensamentos. Apollo Mthunzi. Só o nome me provoca sensações inusitadas, como se mil borboletas dançarem em meu estômago.Fecho os olhos, tentando, em vão, afastar seus ecos da minha mente. Já não sei como viver assim, constantemente assombrada por um desejo que mistura conforto e desespero. Ouvindo o tique-taque do relógio, me vejo proibida de avançar, de recuar, como se algo invisível mantivesse meu corpo na borda do precipício.Olhei para o telemóvel e bufo chateada, ainda madruga. Levanto-me da cama, a superfície macia do colchão se desfazendo sob mim, e caminho hesitante até a porta. Ao abri-la, uma brisa fresca parece acariciar minha pele, mas não me engano, é também uma lufada de ansiedade. Jogo a cabe
NAYOLE AKELLO Olhei pela janela e a chuva caía com força, batendo nas vidraças com um ritmo quase hipnótico. Levantei-me da cama, sentindo cada movimento como se um peso invisível estivesse grudado em meus ombros. Após um breve momento de hesitação, decidi que precisava de algo para me reanimar e fui em direção à cozinha.Duas semanas se passaram desde que cheguei aqui e a sensação de que o tempo deslizava entre meus dedos, como areia numa praia deserta, tornou-se insuportável. O verão se despediu, dando lugar ao outono, e eu me encontrava em uma batalha interna, lutando para entender o que estava acontecendo dentro de mim.Os passos silenciosos pelo corredor pareciam ecoar em um vazio que só crescia. Cada batida do meu coração ressoava, e eu mal podia concentrar-me na tarefa simples de encher uma garrafa de água. Enquanto esperava a torneira encher, percebi que minha mente divagava, viajando até ele. Sua presença, sombria e cheia de enigmas, havia se infiltrado nos meus pensamentos,