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NAYOLLE AKELLO

Estou com as malas abertas, em meio a roupas dobradas e objetos pessoais, lutando contra a sensação de que estou indo embora de algo que nunca realmente deixei. Manuela está atrás de mim, os olhos arregalados como os de um gatinho prestes a perder seu tutor. Sua preocupação é palpável, mas não vou deixar que a dúvida dela atrapalhe meu novo começo.

— Você tem certeza disso? Olhe, acho que deveria pensar bem sobre esse emprego-  Evidenciou seu ponto de vista, a voz trêmula com uma mistura de felicidade e apreensão.

—Eu tenho, Manu. Além disso, vai ser bom finalmente colocar em prática tudo o que aprendi na escola. -- respondo, enquanto coloco um vestido azul na mala, seu tom vibrante contrastando com o marasmo da nossa sala.

—Eu sei, mas…— Ela hesita, levando a mão ao quadril, uma expressão de desconfiança se formando em seu rosto. —Acho que é muito estranho, sabe? O lugar é afastado da cidade e eu nunca conheci ninguém que vive lá.

—Pois é, mas você não pode achar que, só porque você é nativa, deve conhecer tudo do seu país, certo? E sem falar que podemos nos falar sempre que quisermos pelo telemóvel. —digo, tentando falar com despreocupação, mas uma pontada de ansiedade brota dentro de mim.

Ela faz um movimento de protesto, sacudindo a cabeça com desapontamento.

—Ah, não. Você mal chegou e já está indo embora. Tudo por causa do Simba.

—Isso não é só por causa dele. -- respondo, tentando evitar falar sobre questões que ainda me machucam. Simba já não faz parte da minha vida, mas a ligação que um dia tivemos ainda aperta meu coração. A verdade é que estou fechando ciclos e abrindo outros, somente agora sem a companhia de quem um dia pensei que seria meu tudo.

— Eu sei... — A hesitação não sua voz é constante.  — É que eu fico a pensar que se talvez você não tivesse crescido com ele e ter vindo cá com ele, acho que em algum momento nós nos conheceríamos entender o que quero dizer, né? — Sorri e Aproximei-me dela, peguei nas sua mãos e a beijei delicadamente.

— Eu acredito que em outra vida nós já fomos amigas. Eu amo-te e isso nunca vai mudar. 

— Nayolle, você promete que virá sempre me visitar, né?— Seu olhar muda de cautela para súplica, e sinto um aperto na garganta.

— É claro que sim. — afirmo, tentando convencer a mim mesma da veracidade da minha palavra.

Nossas despedidas são rápidas, ainda que pesadas. As últimas horas se esvaem rapidamente enquanto organizo minhas coisas, mas não consigo evitar olhar para trás, aquela casa agora cheia de memórias. Quando finalmente fecho a mala, sinto um novo começo se aproximando, mesmo que representado por um caminho incerto e escuro.

◇◇

A noite seguinte chega como um sopro fresco de liberdade. Minha roupa é um pequeno reflexo do que sou agora: uma blusa preta de seda que abraça meu corpo, jeans escuros que me fazem sentir confiante. O brilho sutil dos brincos que escolhi brinca com a luz enquanto saímos para encontrar as  outras amigas. Querendo distrair a mente, finalmente me permito sentir a adrenalina de estar cercada pelos risos e sussurros.

— Você é incrível!—  exclama uma delas assim que chegamos ao bar. O aroma doce de coqueteis e o som de músicas animadas dançam ao nosso redor. A noite é cheia de promessas e risos, uma ponte entre o passado e um futuro ainda em aberto.

Nós nos acomodamos em uma mesa no canto, longe do barulho excessivo, e a conversa flui como um rio tranquilo depois da tempestade.

— Então, você vai realmente a esse lugar afastado?—  Uma amiga pergunta, sua voz baixa e curiosa.

— Sim! Espero que seja uma experiência incrível. Mal posso esperar para ver como será.— digo, sentindo um frio na barriga.

— Só tenha cuidado, certo? Sempre ouça seu instinto. --  Manuela finaliza, um olhar de preocupação se formando novamente em seu rosto.

A noite avança e, conforme mais copos são colocados na mesa, me sinto mais leve. O peso das minhas preocupações se dissolve na companhia calorosa da amizade.

***

Pela manhã, um carro preto para em frente ao prédio, um veículo imponente que parece fora de lugar entre as ruas modestas. Um motorista de terno escuro sai, ajustando a gravata enquanto observa com atenção a porta de entrada. Ao sair, eu me sinto um pouco hesitante, mas o desejo de começar essa nova fase supera o nervosismo. É hora de seguir em frente.

— Bom dia, senhora. -- , diz o motorista, com um sorriso cortês. —Estou aqui para levá-la ao seu novo emprego.

— Pronta para a aventura. -- respiro fundo, ingressando no carro. O interior é luxuoso, com couro escuro e um cheiro de madeiras nobres, mas de alguma forma, ele parece também pesado, como se guardasse segredos que ainda não conheço.

Quando chegamos a casa, um imponente casarão ergue-se à minha frente. As paredes são de um cinza escuro, quase ameaçador, mas com um toque de elegância. A entrada é adornada por colunas que se elevam como guardiãs, e a sensação de estar sendo observada torna-se crua. As janelas são altas e estreitas, quase como olhos que penetraram minha alma.

— Entre, por favor. A empregada está esperando por você. — diz o motorista, gesticulando com a mão. Enquanto passo pelo imenso portão, sinto um arrepio percorrer minha espinha.

Dentro, o ar é fresco e denso. Os corredores são largos, com um piso de madeira polido que reflete um leve brilho. Paineis de madeira escura cobrem as paredes, enquanto quadros com retratos antigos observam minha chegada em um silêncio sepulcral. Cada passo parece ecoar, como se a casa estivesse viva e atenta ao que estou prestes a fazer.

— Você deve ser a nova funcionária.— , a voz quebra o silêncio, e vejo uma mulher à minha frente. — Catherine. --  ela se apresenta, com um olhar cansado, mas caloroso.

— Prazer. —  respondo, tentando parecer confiante. Catherine é uma mulher de estatura média, com cabelos grisalhos presos em um coque bagunçado. Ela usa um avental escuro que combina com a atmosfera da casa. —Meu nome é Nayole Akello.

— Sim, a dona Ivone já  nos avisou sobre você. 

— Ah, sim claro. A dona Ivone. 

— Antes de tudo, você precisa saber as regras da casa. — ela continua, guiando-me por um corredor mais estreito. — Aqui, tudo acontece de forma metódica. O senhor gosta de organização.

— O  senhor? — questiono, o coração batendo mais forte.

— Sim, o senhor é o proprietário. Um homem muito reservado. — , disse Catherine, enquanto me mostrava onde estavam as tarefas diárias. A sombra de uma expressão triste cruzou seu rosto. — Desde o acidente, ele não saiu mais de seu quarto. Controla tudo de lá, e a luz do dia raramente ilumina seu rosto. E as vezes só sai quando é para mandar alguém no olho da rua. Para  isso ele sai.

— Acidente?—  sussurro, intrigada, enquanto sigo seus passos. Embora tivesse um conhecimento vago sobre a vaga ao qual ocupei. Ainda sim uma surpresa saber de alguns detalhes que dona Ivone não mencionou.

Ela faz um gesto vago, como se estivesse indicando um grande mistério que paira no ar.

— Um incidente há algum tempo. Desde então, ele tem sido muito… solitário. Apenas você ,  eu e mais três pessoas cuidando da casa. — A preocupação em sua fala denota a tranquilidade do ambiente.

— É sério? E a dona Ivone? Ela não trabalha aqui?

—Não.  Você acha mesmo que aquela mulher rica e bonita iria fazer alguma coisa nesta casa? Ela é prima dele e braço  direito dele. O papel dela é contratar e descontratar a gente.

— Nossa!

— Por isso tenha muito cuidado.  —  Disse em sussurro. Acho que começo a dar razão a Manu.

O caminho se aprofunda, e, quando chegamos ao segundo andar, Catherine para em frente a uma porta dupla, enfeitada com detalhes dourados.

— Essa é a porta do quarto dele. Você terá que ser discreta. A qualquer momento, ele pode estar ouvindo.”

Sinto um misto de curiosidade e preocupação.

— Ele está aqui dentro agora?

— Provavelmente. —A sombra de Catherine é como o próprio ambiente, trabalhando em silêncios profundos. — Mas ele controla tudo. Apenas não deixe que sua presença perturbe a ordem estabelecida.

Ouvindo aquelas palavras, a ansiedade se transforma em uma estranha mistura de expectativa e receio. O que encontraria do outro lado daquela porta?

— Estou aqui para ajudar. — afirmo, determinada a descobrir mais, mesmo que a casa e suas sombras me parecem ameaçadoras.

— Sim, e eu estarei perto. Apenas siga as regras, e tudo ficará bem. -- Seus olhos são um mistério enquanto me observa.

— certo, eu terei muito cuidado. 

— Ótimo! Seu quarto é aqui,  qualquer que precise estou na cozinha. — Declarou e logo em seguida me deixou sozinha com as sensações estranhas. 

Desde a primeira vez que sinto isso, tudo aqui  me parece muito familiar. Como se tivesse tentado uma sessão de dejavu.

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