7

Ethan se levantou pela manhã certo de que seria o primeiro a acordar e o primeiro a dormir. Dormiu no mesmo quarto que ela, na mesma cama e em perpétuo silêncio. Mesmo que estivesse disposto a deixar Joanne conduzir os limites, ele não queria desrespeitá-la ou deixá-la embaraçosa por compartilhar da mesma cama que ele, já que, de acordo com ela mesma, que não tinha o hábito, era algo estranho. Uma vez sendo um homem de princípios, ele aceitou sem dúvidas, mesmo que ela não fosse a primeira estranha a dormir em sua cama. Deveria se acostumar, afinal, ficaria um certo tempo longe de casa, com pessoas estranhas e outro clima. Adorava Nova York, era sem dúvidas sua primeira casa, mas a alegria que tinha em conhecer novos lugares e costumes, fazia qualquer saudade se tornar um reles grão de areia.

Era cedo, fez sua higiene matinal, passou um café quentinho e o tomou observando o sol nascer no horizonte; um verdadeiro espetáculo, embora algumas nuvens já se aproximavam aguardando o sol sair para ofuscá-lo. O pequeno nevoeiro próximo aos cercados se alastrava com a brisa pelo gramado verde, muito bem aparado. A madeira branca do cercado sumia na penumbra da manhã. Adentrou o celeiro coçando a cabeça, vendo o patriarca da família alisar o dorso do galante cavalo branco atrás da estaca, com ternura, como se o idolatrasse. O loiro com passos fundos e pesados chamou a atenção dos ouvidos do pai de Joanne.

— Eu me lembro claramente quando esse cavalo chegou. — Ele sorriu vagamente com a lembrança que rodeava sua cabeça. — Joanne o apelidou de Passo Largo. — Ele suspirou. — Era mais jovem do que é agora, quase indomável, e só ela foi capaz de dominar a fera, e olha que ela tinha apenas dezessete anos!

Ethan sorriu.

— Joanne tem uma paciência inabalável. — Pelo menos era o que aparentava, ele pensou. — Diferente dela, eu sou meio... imperativo.

Jonathan andou mais pelo celeiro sorrindo e passando as mãos pelas estacas de madeira, que sustentavam a estrutura ampla e espaçosa.

— Mais do que isso, Ethan — sibilou. — Quando minha esposa faleceu, minha família desmoronou. Eu especialmente, achei que fosse morrer por uma tristeza que me consumiu por inteiro. — Olhou para o chão como se ali o levasse a sentimentos antigos. — Joanne segurou toda a nossa tristeza em suas mãos, engoliu os sentimentos, e me tirou de onde eu achei que nunca sairia: a depressão. Mas isso com a ajuda de Brendon e Castle, é claro. — Um novo suspiro se instalou. — Ela fez praticamente tudo sozinha, Janette era dona de um dos maiores escritórios de advocacia de Nova York. Ao falecer, Joanne jurou seguir os passos da mãe. — Seus olhos carregavam certa nostalgia. — Ela cumpriu com seu juramento. Na verdade, ela nunca deixou de cumprir com as coisas que dizia.

— Não conheço Joanne tanto quanto o senhor, mas pelo pouco que conheço dela, já é o suficiente para não me surpreender com o que está dizendo.

Jonathan sorriu. Ethan sabia que a advogada tinha um bom coração, era algo meio óbvio a se pensar. Ninguém pagaria um valor tão alto para alugar um noivo só para que a família não se decepcionasse. Aquele poderia até ser um motivo bem infantil, mas sua intenção continuava tão pura quanto a própria.

— Não gosto de invadir a privacidade de ninguém, mas... Por que escolheu a minha filha para ser sua noiva? — Ele foi direto.

O loiro pigarreou e por um segundo se não fosse tão astuto, não teria respondido à pergunta no mesmo nível.

— Uma boa pergunta. — O médico vestiu um sorriso apaixonado nos lábios, mesmo que falso. — Gostaria de te dar uma resposta concreta, mas foi tudo tão natural que sem perceber eu me vi apaixonado, na verdade eu não vi motivos para não agilizar uma oficialização.

O patriarca dos Jones sorriu em aprovação.

— Me senti da mesma forma com Janette. Embora nossas filhas tenham vindo de um desejo carnal, o amor que sentíamos um pelo outro era puro. — Colocou seu grande chapéu de palha de volta na cabeça, a fim de impedir os fortes raios de sol que já atravessavam as várias janelas das laterais superiores do celeiro. — Me vejo em você quando eu era jovem.

Ethan retribuiu o sorriso, gradecido.

— Espero que tenha ficado feliz em saber que ela nunca trouxe ninguém aqui. Se ela te escolheu, então você deve ser realmente especial. — Antes de sair, ele sibilou — confio em você. Não me decepcione, Ethan.

(...)

Joanne se encontrava na cozinha pendurada sobre a pia, enquanto lavava uma dose de arroz arborizado para levar ao fogo. Não era nenhuma chefe, mas graças a sua mãe, sabia se virar com maestria. Deixou o arroz no escorredor enquanto procurava por alho na bancada. Ao se virar, deu de cara com sua irmã, a observando com uma expressão indecifrável. Pelo muito que a conhecia, chutaria por algo entre deboche e reflexão. Juliett se aproximou da pia depositando na bancada uma cabeça de alho para que ela continuasse a cozinhar.

— Quem diria, nheim? Você noiva. — Ela sorriu, maliciosa. — Não duvidando de você, mas é que você superou minhas expectativas.

— Acho que não só as suas, as de todo mundo. — Sorriu, tentando não parecer rude.

Juliett se encostou no balcão de mármore no centro da cozinha.

— Eu por um momento achei que você estivesse blefando no telefone! — Ela riu desdenhosa, desejando que de fato aquilo pudesse ser um truque, para que mais uma vez pudesse desdenhar com razão. — Mas pensei comigo que você nunca faria algo assim, não é mesmo? — Ela gargalhou como se ouvisse uma piada.

O coração da advogada acelerou como um carro em uma corrida clandestina, de forma tão violenta que teria cortados as próprias mãos descascando o alho. Juntou a pouca coragem que tinha para responder.

— Estamos juntos há pouco tempo, não queria ser tão rápida.

— Quanto tempo? — A pergunta veio rápida demais, tanto quanto a resposta a seguir.

— Doze meses e dois dias.

— Uau, escondeu por tanto tempo! — Juliett se surpreendeu. — Você sempre foi muito boa com segredos, não é, Anne?

Começou a triturar, querendo na verdade triturar a língua de sua irmã.

— E você é o oposto.

— Nunca te dedurei — ela disse, dando de ombros e olhando as unhas pintadas de vermelho escarlate.

— Nunca me dedurou porque sempre me chantageava.

— Eu fico até triste que você pense isso de mim.

— Isso é passado. — Aquele assunto não lhe agradava. Joanne e Juliett foram criadas da mesma forma, porém tinham personalidades muito distintas. — E Adam?

— Chega em alguns dias. — Seus olhos por algum motivo não queriam encontrar os seus. — E seu noivo? Ele tem uma boa... aparência.

As bochechas se tornaram rubras instantaneamente. Ela se sentia como uma adolescente no auge dos seus dezesseis anos. Joanne realmente concordava com ela, e devia muito a Cassie por ter arrumado o contato de um homem perfeito para o papel que faria. Sabia de fato de que ele não era de verdade, mas pelo tempo certo ele seria sim.

— Ethan é um bom homem. — Pigarreou enquanto arrumava a louça do almoço na pia. Nunca fora boa em mentir para sua família, aquilo soava como uma blasfêmia ou um crime, e suas feições pareciam delatá-la.

Juliett mordeu os lábios inferiores em ansiedade.

— Ele só não é de falar muito, de se enturmar.

Joanne despejou a água sobre o arroz no fogo, ouvindo o chiado na panela quente.

— Ele vai se enturmar, só está meio acanhado por estar fora do lugar onde ele conhece. Lugar novo, com pessoas novas, sabe como é.

A mais nova das irmãs Jones sacodiu a cabeça. Por um momento se esqueceu de que Ethan era natural de Nova York e que tudo ali era novo: o clima, o lugar e mesmo não sabendo, até a noiva.

— Ele te olha de uma maneira meio... diferente. — Juliett fitava o chão como se pudesse tirar a resposta de lá. — Como se fosse capaz de te proteger contra qualquer mal, como se tivesse você em posse.

Joanne sorriu. Por um breve momento não pode negar que a ideia atravessara seus ouvidos como mel. Foi até a pia, lavando os poucos pratos sujos que ali estavam. Juliett detestava ficar por baixo, grande parte das informações da família passavam por ela antes; detestava que a classificassem ou a rotulassem como fofoqueira, mas o adjetivo que mais se encaixava em seu perfil ultimamente era esse mesmo. Seus olhos estavam curiosos, e a ansiedade em sua expressão era gritante. Era evidente que se Joanne desse um pouco mais de brecha, ela provavelmente perguntaria mil e uma coisas.

— Onde o conheceu? — Indagou a suposta fofoqueira. — Melhorando a pergunta: como o conheceu?

Juliett a bombardeou de perguntas. Sabia que ela faria aquilo, achava que estava treinada para aquele tipo de pergunta, mas sua língua travou de tal forma que sua boca não pronunciou um som sequer. A morena de cabelos curtos aguardou uma resposta cuja espera parecia ser infinita, e de certa forma, aquilo a deixava ainda mais nervosa. Por um momento, viu os olhos tão cinzas quanto seus próprios desviarem surpresos de si para algo atrás de seus ombros. Não sabia o que era até sentir o hálito quente em seu pescoço e um beijo ser depositado no mesmo lugar logo em seguida: eram os lábios macios de Ethan. As mãos grandes repousaram sobre sua cintura de forma tão suave, quase cirúrgica, o corpo viril a tocou fazendo com que prendesse a respiração por uma fração de segundo.

— Oi, amor! — Ele sorriu com os dentes brancos para Juliett.

Ela prendeu sua respiração o máximo que pode. O tempo passou de forma lenta, e o espaço que antes era apenas dela, agora era ocupado por dois corpos. Na teoria era agradável, mas ainda sim num geral, era desconfortável. Há muito tempo ela não tinha um contato tão próximo assim com um homem, e o fato desse homem ser seu suposto noivo a fazia pensar: um simples toque como aquele para concretizar a ilusão de um relacionamento a desconcertava e a tirava de órbita. E se por acaso, houvesse a necessidade de mais do que um gesto de aproximação? Voltou sua mente para a realidade quando sentiu água cair em seus pés e perceber que a mesma na pia na qual lavava a louça suja estava transbordando, num misto de água e espuma, por falta de atenção da morena.

— Oh, meu Deus! — Exclamou Joanne.

Ethan segurou a morena pela cintura, pois o porcelanato a essa hora já estava tão escorregadio quanto uma pista de gelo, perigoso demais para se locomover sem cair.

— Juliett, eu limpo isso aqui com a Joanne! — Advertiu o loiro enquanto tentava desligar a torneira, sem sucesso.

— Eu te aju-

— Pode ir para a sala, você pode se machucar aqui — reforçou. — Que tipo de cunhado seria eu se eu deixasse você se machucar?

A Jones mais nova saiu de forma cautelosa em passos delicados para não rodar feito bailarina e cair no chão. Ethan, por sua vez, abriu o ralo do fundo da bacia da pia e desligou a torneira incessante de onde ainda despejava água, a fim de cessar a cachoeira que descia desenfreada.

— Tá querendo nadar, é? — Debochou, rindo da situação. — Com isso dá pra perceber que é muito desastrada.

Joanne arfou já cansada, e nem havia ainda começado a limpar.

— Eu perdi a atenção, foi só isso!

Pegou um pano de chão e jogou para o loiro que começou a secar, estava escorregadíssimo. Ethan secava agachado no chão, enquanto a morena torcia os panos na pia. Em um movimento rápido da noiva de mentira sempre estabanada, ao tentar virar o mais rápido que pode, seus pés deslizaram como se calçassem patins e caíssem por cima da primeira coisa em seu caminho: Ethan, que estava agachado. Caiu como uma jaca no piso molhado.

— Ai! — A morena reclamou com a mão na cabeça. — Por que a cozinha não é de madeira?

Ethan se prontificou a se pôr do lado de Joanne, que ainda estava mole com a queda, enquanto sua vista girava tantas vezes que ela nem conseguia contar mais.

— Como consegue ter tanta falta de atenção? — Aquela era realmente uma boa pergunta. — Se com um piso o chão fica um charco, com madeira você colocaria fogo em tudo.

— Alguém já te disse que você reclama demais? — Ela indagou ainda de olhos fechados. Ethan tinha senso de humor, aquilo era um fato, mas suas reclamações eram constantes.

Ele deu de ombros.

— Abra os olhos, me diga: Quantos dedos eu tenho aqui? — Perguntou, mostrando três dedos diante dos olhos perolados, às vezes acinzentados.

— Sente alguma dor? — Ele perguntava enquanto apertava a extremidade de seu pescoço, e a parte traseira inferior da cabeça, onde bateu na queda.

— Hm, só a dor de cabeça — ela respondeu. — Ethan, para mim você não precisa mentir como se fosse médico!

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