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Cassie riu enquanto se analisava diante a um espelho quadrado tão pequeno que cabia em sua mão.

— Qual é a merda dessa vez?

— Eu tô muito ferrada. — Ela repetia consigo mesma, em looping.

A loira foi até Joanne e segurou seus ombros, forçando-a a fitar sua amiga.

— Calma, ok? O que houve?

— Domingo à noite eu irei para o Texas para as férias e o casamento da July. O inferno da minha irmã me alfinetou sobre todos terem noivos, e eu num momento impensado disse que levaria o meu, só que ele não existe. — A morena não deu pausa para explicar, tomou outro gole de café como se fosse água.

A loira fitou novamente sua aparência no espelho enquanto afofava os cachos dourados, ainda não entendera cem por cento.

— E daí? É só dizer que você estava brincando.

Ah, se fosse tão simples!

— Eu não posso.

— Por qual motivo?

— O grande problema é que eu recebi uma ligação do meu pai dizendo que ele estava muito feliz com o meu noivado, ou seja, a idiota da Juliett simplesmente resolveu contar a notícia com uma trombeta para a família inteira. — Ela arfou. — O pior é a felicidade dele com a notícia, como eu vou chegar na fazenda e dizer que era mentira ou que terminamos?

— É só não ir!

A advogada gargalhou de forma que ironizasse a ideia sem sentido de sua amiga.

— Você não ouviu? É o casamento da minha irmã! A família inteira reunida, não posso não ir.

Dessa vez a melhor amiga não poderia ajudar a morena. Aquele era, literalmente, um problema que só caberia a ela resolver.

— Eu acho incrível como você consegue atrair problemas com tanta facilidade. — A cacheada guardou seu pequeno espelho dentro da bolsa ao lado da mesa.

— Às vezes eu me surpreendo comigo mesma.

— É quase um imã de problemas, às vezes acho que você tem uma irmã gêmea que advoga por você. — Ela insistiu rindo. Mesmo que fosse preocupante, era engraçado. — Acha mesmo que não pode desmentir, dizer que terminaram ou não ir?

— Cassie, eu tenho uma imagem a zelar na família. Está fora de cogitação não ir, é a minha família, seria terrível da minha parte faltar no casamento da minha própria irmã! — A essa altura, o barulho de seu salto ecoava sobre o assoalho de sua ampla sala. Mesmo que o ar condicionado permitisse uma temperatura agradável, sua testa suava pelo nervosismo de resolver a situação o quanto antes.

— Joanne, é melhor dizer que era brincadeira ou ir e dizer que terminaram.

Se escorou sobre sua porta de vidro temperado enquanto as palavras de felicidade de seu pai ecoavam em sua cabeça como um mártir. Trabalhava como uma escrava, eram raras as vezes em que ia até o Texas para visitá-lo, e ultimamente eram poucas as vezes em que conseguia falar com ele por telefone. Depois da morte de sua mãe, Joanne passou a se esforçar ao máximo para ser uma boa filha, talvez suprindo o carinho que seu pai há muito tempo não recebia. Seria péssimo de sua parte se chegasse à fazenda dando más notícias, ainda mais depois de tanto tempo sem vê-lo, tirando do coração de seu pai um desejo antigo que ela mesma havia alimentado.

— Não posso. — Estava prestes a ter uma ideia, uma péssima ideia. — Preciso de um noivo.

Os olhos da amiga se fecharam repetidas vezes enquanto seus ouvidos digeriam a informação da mulher à sua frente.

— É óbvio que você não vai conseguir um noivo em três dias. — Sua nova risada foi quase debochada. — Mesmo que seja muito bonita, por que alguém em sã consciência iria para uma fazenda no meio do mato com uma desconhecida?

Joanne cruzou os braços vestindo um sorriso maléfico nos lábios cor de rubi.

— Porque eu poderia pagar muito bem.

Os olhos de Cassie se estreitaram em desconfiança, aquilo era demais para Joanne.

— Você vai pagar um garoto de programa?

Joanne sacudiu a cabeça negativando as palavras de sua secretária, aquilo nem sequer lhe passou pela cabeça, e só de cogitar já arrepiou, não procurava por sexo.

— É claro que não — rebateu. — Eu falo de um modelo ou de um acompanhante. — Cassie rolou os olhos pelo extenso cômodo, abriu o polegar e o indicador roçando o queixo entre os dois dedos, numa expressão de intenso pensamento, prendia seu olhar como se ela estivesse formulando uma extensa situação em pensamentos. Joanne a conhecia bem, e sua afirmação veio quando a loira levou a ponta da língua aos dentes da frente.

— Então você precisa de um noivo, né? — Cassie perguntou com um sorriso travesso, enquanto suas mãos apertavam seus próprios braços em ansiedade.

— Em que está pensando? — Joanne arqueou as sobrancelhas, conhecia aquele sorriso e coisa boa não era.

— Acho que sei onde encontrar um noivo.

— Como assim? — Indagou a morena.

A loira correu para sua mesa, ao lado da mesa de Joanne. Jogou tudo o que estava guardado em sua gaveta secreta no chão, daria a Joanne uma chance de contornar a situação, uma chance de dar vida ao jogo, de fazer seu pai tão feliz como nunca havia sido. Pegou um cartão preto cintilante nas mãos com as iniciais “E. C.”, onde podia-se ver um número de telefone num tamanho pequeno.

— O que é isso? — Perguntou a advogada. Piscou os olhos cinzentos algumas vezes ainda sem entender o fundamento do cartão, que mais parecia um enigma.

Ela sorriu de lado.

— Já que não pode desmentir, eis o seu noivo.

Arqueou as sobrancelhas.

— O que é isso? — Não podia ser possível, Cassie era tão peculiar que até se aparecesse com um desenho, por mais claro que pudesse ser, precisaria de uma explicação.

— Um acompanhante. Ele literalmente só acompanha as mulheres, não trabalha com sexo.

— Meu Deus, meu Deus... — Joanne tentava se adaptar à ideia.

— Você tá surtando mesmo?

Aquilo cheirava a uma péssima ideia. As coisas ainda não haviam saído do controle, mas bastava um simples erro de cálculo para poder virar um enorme problema. Contratar um homem para se passar por seu noivo era algo absurdo e extravagante. Não conseguiria se portar na frente de sua família como se fosse noiva de um estranho desconhecido, mas era uma questão de tentar nadar ou morrer afogada.

— Não sei o que fazer — disse para Cassie que lhe entregou o pequeno cartão. — De onde pegou esse cartão?

— Eu queria um namorado de mentirinha para fazer ciúme para um ex, e uma amiga me deu esse cartão. Na época eu nem precisei, já que acabamos voltando. — Os olhos verdes de Cassie estreitaram com o sorriso fino que ela deu. — Pensa bem antes de ligar, você precisa botar na balança os prós e os contras.

— Meu Deus, não há uma vez em que Juliett me ligue e não me estresse. — Ela colocou o cartão em sua carteira, estava prestes a fazer uma das maiores loucuras de sua vida. Havia tantos compromissos para resolver, mas sua cabeça girava entorno daquele problema como um furacão. — Mas dessa vez ela se superou.

Cassie ajoelhou-se no assoalho reunindo todas suas coisas jogadas da gaveta secreta.

— Quando lembro da sua irmã, agradeço por ser filha única — sibilou ao encaixar a gaveta no armário.

— Eu acho muito solitário não ter irmãos ou primos.

Cassie não tinha irmãos, era filha única, de pais que também haviam sido filhos únicos.

— Prefiro ser sozinha ao ter uma irmã como a Juliett — exclamou de novo, dessa vez rindo como se fosse piada. — Mas por outro lado, se fosse uma irmã como você, talvez seria legal.

— Ela não era assim, não que eu me lembre. — Sua cabeça rodava com a situação esdrúxula. — Eu queria sumir, olha só o que estou prestes a fazer.

— Ela declarou guerra, Joanne. — Cassie era fogo de palha.

— Essa guerra já foi declarada há muito tempo.

— E você está igual a uma barata tonta no meio do campo de batalha — exclamou Cassie. — Se eu fosse você entrava nessa pra ganhar.

— Não sei, Cassie.

— Sabe sim! — A amiga segurou seu rosto entre as mãos. — Vai esperar ela ter um filho pra esfregar na sua cara?

(...)

A água gelada caía sobre suas costas rijas de estresse e cansaço. Os cabelos colados pelo corpo macio e curvilíneo eram arrastados junto à correnteza da água pela pele leitosa. A ideia de contratar alguém para se passar por seu noivo lhe parecia apavorante, assim como mentir para toda sua família, demonstrando uma relação que não existia, com um homem que lhe trataria como desconhecida após aquilo tudo. Ao menos que ele fosse um bom ator, mesmo assim aquilo soava estranho. No entanto, o desconforto e a chateação de contar a verdade para a irmã e se passar por mentirosa era ainda maior, assim como a tristeza de seu pai, que seria imensa se visse a filha passar mais um ano solteira, já que o noivo era apenas uma peça pregada. Sentou-se sobre a tampa do vaso com o cartão em mãos tentando encontrar a resposta que precisava. Deveria ou não? Nunca saberia se não tentasse. Antes arrependida de ter feito do que de não ter tentado.

Como a esperança é a última que morre, discou os números aguardando uma possível salvação, mas a ligação apenas chamava. Talvez fosse algum sinal vindo direto do Universo mostrando a ela o tamanho da loucura que faria. Talvez aquilo se transformaria num problema ainda maior do que simplesmente contar a verdade. Mas antes mesmo que ela pudesse desligar o telefone e desistir da chamada, ela ouviu com clareza:

— Alô? — Era uma voz firme e grave.

Seu coração bateu mais forte, algo parecia apertar seus pulmões, que pareciam não encher de ar. Não acreditava que estava fazendo mesmo aquilo. Jamais cogitou ter que pagar por um serviço depravado, a companhia de um homem.

— Boa noite. Ethan Chaos? — A tentativa de manter uma voz firme e decidida foi falha, desde o início.

— Ele mesmo, quem deseja? — Sua voz era repleta de autoridade, e ela gostou daquilo. Costumava usar o mesmo tom para demonstrar presença a seus clientes e pelo visto ele fazia uso da mesma tática.

— Joanne Jones.

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