Capítulo 06 - Olhares.

Louis Beaumont

Não posso dizer que estou entusiasmado para essa festa. Pelo contrário. Esses eventos são uma perda de tempo, mas eles parecem sempre encontrar um motivo para uma celebração. Hoje, a desculpa é “a chegada de um novo líder”. Mal sabem eles que a única coisa que estou assumindo é uma fachada. Eu sei o que está por trás dessa festa e o que esperam de mim. Só que eu não vim aqui para agradar ninguém.

Respiro fundo e entro no salão, escondendo o aborrecimento com um sorriso. Cumprimento rostos conhecidos e aperto mãos com o máximo de entusiasmo que consigo fingir. Para a maioria aqui, essa é uma noite de negócios e alianças, mas, para mim, é apenas um jogo de aparências.

Enquanto caminho pelo salão, um rosto no meio da multidão me faz parar. Ela está em pé, segurando uma bandeja, e, pela primeira vez na noite, meu sorriso não é falso. Ela é... impressionante. Loira, com um coque elegante, maquiagem sutil e um vestido que parece feito para ela. A postura impecável, mas os olhos — ah, eles têm uma curiosidade quase inocente, e isso é o que mais me chama a atenção.

Ela se move com graça, mas tem algo em sua expressão que mostra que ela não é daqui. Talvez uma novata, ou alguém que não pertence a esse mundo pretensioso. Seja como for, ela parece deslocada, e ao mesmo tempo absolutamente cativante. Alta, esguia, com curvas discretas, mas bem definidas. E aquele rosto... um equilíbrio perfeito entre delicadeza e força.

Não deveria estar dando tanta atenção, mas não consigo evitar. Olho para ela de novo, e ela desvia o olhar rapidamente, talvez percebendo que a estou encarando. A expressão dela não demonstra interesse ou vaidade como tantas outras que conheço. Pelo contrário, parece mais um leve desconforto, algo que me faz sorrir de verdade.

Dou mais alguns passos, mas mantenho minha visão periférica atenta a cada movimento dela. Não sei o que me incomoda mais, se é o fato de que ela parece não ter ideia do efeito que causa, ou se é a minha reação inesperada a ela. Algo em sua presença me intriga de uma forma que eu não esperava sentir esta noite, ainda mais em uma festa com tantos objetivos implícitos.

Enquanto cumprimento outro convidado que se aproxima, minha mente continua dividida entre manter o papel que esperam de mim e a vontade incontrolável de descobrir mais sobre a garçonete loira que parece tão fora de lugar quanto eu me sinto.

Obedecendo ao protocolo da noite, faço meu caminho até a mesa dos meus pais, tentando manter o ar casual. Para eles, essa festa é mais do que um simples evento social; é o início de algo muito maior. Meu pai já não disfarça a expectativa, e o olhar orgulhoso que me lança me faz lembrar que esse é o “legado” que tanto planejou. Eu deveria me sentir honrado, mas tudo o que sinto é um peso nos ombros.

Sentado ao lado dele está Ryan, meu amigo de longa data e um dos poucos em quem realmente confio. Ele levanta o copo de uísque para mim e solta um sorriso malicioso.

— Cara, você viu as mulheres hoje? — ele comenta com um brilho de satisfação nos olhos. — A organização caprichou.

Eu rio, acenando de leve com a cabeça. — Vi, sim. Inclusive, vi uma garçonete mais cedo... Loira, vestido simples, mas bem elegante.

Ryan ergue uma sobrancelha, visivelmente interessado. — Interessante. Não é comum você reparar em alguém daqui, ainda mais em uma garçonete.

Dou de ombros, mantendo a expressão relaxada. — Ela tem algo... diferente. Não sei explicar, mas foi impossível não notar.

Ryan me observa por um momento, provavelmente surpreso pela forma como mencionei a garota. Sou conhecido por apreciar a companhia feminina, mas raramente me refiro a alguém de forma que demonstre real interesse.

Antes que ele possa responder, o anfitrião da noite — e também meu pai — é chamado ao palco. Ele se levanta com calma, ajeitando o terno com uma elegância calculada. É impressionante como ele consegue assumir o papel de empresário sério e honesto na frente de todos, enquanto esconde a verdadeira face do nosso negócio. Ele segura o microfone e lança um olhar confiante para os convidados.

— Boa noite, senhoras e senhores — começa ele, com uma voz grave e carismática. — Hoje é uma noite muito especial para nossa família e para todos os nossos parceiros. Esta festa marca o início de uma nova era, uma era de prosperidade e alianças fortes.

Ele continua o discurso, mas, para os ouvidos atentos, fica claro que há mais nas palavras dele do que aparenta. Quem conhece os códigos da máfia capta os significados escondidos em cada frase, uma linguagem construída ao longo dos anos, para que, em eventos como esse, tudo soe perfeitamente legal, enquanto os avisos e promessas são distribuídos disfarçadamente.

— Agradeço a cada um de vocês por sua lealdade e apoio durante todos esses anos. Nosso sucesso não seria possível sem essas relações, construídas com confiança e, é claro, com o respeito que todos aqui conhecem e valorizam.

Ele faz uma pausa dramática, seu olhar passa pela multidão com uma confiança fria. — E, hoje, estou particularmente feliz, pois esta noite marca o momento em que finalmente poderei passar o bastão para a próxima geração.

Os convidados aplaudem com entusiasmo, e eu percebo olhares lançados na minha direção. Ryan b**e de leve no meu ombro, me provocando.

— Parece que o show é seu, irmão.

Meu pai continua, agora com um sorriso que mistura satisfação e alívio. — Eu esperei muito tempo por esse momento, para poder confiar tudo o que construí ao meu filho. A partir de hoje, ele será o líder que nossa família precisa.

As palmas ecoam pelo salão, mas, enquanto absorvo o peso das palavras do meu pai, sinto que não posso evitar um conflito interno. Mesmo sabendo que esse era o caminho planejado para mim desde que nasci, a sensação de estar sendo empurrado para dentro de uma armadilha nunca deixa de me incomodar.

Agora, com todos os olhos voltados para mim, levanto-me e faço um leve aceno, mantendo o rosto sério. Tento ignorar as expectativas pesadas que repousam em cada olhar fixo na minha direção.

Com um último olhar de aprovação, meu pai faz um gesto para que eu me junte a ele no palco. Sinto um leve peso nas pernas enquanto me levanto. Não era o tipo de atenção que eu gostava, mas isso fazia parte do jogo. Com passos firmes, subo os poucos degraus até o palco, o brilho das luzes me cegando parcialmente. Faço uma pausa, tentando reunir um pouco de ânimo para as palavras que todos esperam ouvir de mim.

Seguro o microfone e olho para a multidão. Sorrio, mas é um sorriso vazio, um que só aparece por obrigação, não por escolha.

— Boa noite a todos — começo, mantendo o tom controlado. — Estou honrado por cada um de vocês estar aqui hoje. Meu pai e eu sabemos o valor de cada relação, cada parceria. Sem vocês, nada disso seria possível.

Minha voz soa firme, mas, internamente, só sinto uma vontade de descer dali e desaparecer. Mais uma vez, meu olhar percorre a multidão, uma tentativa de encontrar algum ponto de foco que me faça suportar o peso das expectativas.

E então eu a vejo.

Entre tantos rostos, um par de olhos me chama a atenção, uma expressão curiosa e calma que parece diferente do resto. É ela. A garçonete de antes, a loira que já havia captado meu interesse. Seu olhar é atento, mas sereno, como se ela estivesse me observando sem as mesmas intenções e julgamentos dos outros. Por um momento, tudo parece em silêncio ao nosso redor. Não sei como, mas o contato visual com ela faz com que eu me sinta um pouco mais... humano. Como se o peso nas minhas costas desaparecesse.

Ela não desvia o olhar, e eu também não consigo. Aqueles olhos curiosos, quase inocentes, me fazem sentir como se estivesse vendo algo verdadeiro. E nesse instante, o desconforto se dissolve, a tensão do ambiente perde o sentido, e me pego sorrindo, um sorriso genuíno, que raramente dou em eventos como esse.

Percebendo o silêncio, volto ao meu discurso, tentando disfarçar a pausa.

— Hoje, tenho a responsabilidade de continuar o que meu pai construiu, e prometo a vocês que farei isso com o mesmo respeito e dedicação que ele sempre manteve.

A multidão aplaude, mas meus olhos ainda estão fixos nela, buscando entender por que, por um breve instante, ela foi capaz de me fazer sentir diferente. Termino o discurso com um aceno e desço do palco, sentindo que algo naquela noite mudou.

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