A chuva caía pesada sobre as ruas de Palermo, lavando as calçadas antigas e sujas, mas não o suficiente para purificar os pecados que se acumulavam por gerações. Dentro de um velho casarão, cujas paredes já testemunharam mais segredos do que o tempo pode contar, uma reunião acontecia à meia-luz. Enzo Moretti, o herdeiro da família mais temida da região, observava em silêncio o vulto imponente de seu pai, Don Salvatore Moretti, falando com seus capangas. A fumaça dos charutos preenchia o ar, misturando-se com a tensão que parecia pairar sobre todos naquela sala.
Don Salvatore, um homem de postura rígida e rosto marcado pela vida no submundo, não era alguém que falava sem propósito. E naquela noite, suas palavras tinham um peso que Enzo sentia nos ossos. Ele sabia que algo grande estava por vir. A família Moretti estava em um ponto de inflexão — novos inimigos surgiam, antigos aliados estavam se voltando uns contra os outros, e o poder que mantinham por décadas começava a ser contestado. Era a hora de decidir o futuro. — Amanhã será o dia — disse Don Salvatore, sua voz grave reverberando pela sala. — O conselho das famílias se reunirá, e precisamos garantir que a nossa voz seja a mais forte na mesa. Não há mais espaço para fraqueza. Enzo, com seus trinta anos, havia sido preparado a vida inteira para aquele momento. Desde garoto, ele observava as operações da máfia como se fosse um jogo de xadrez, aprendendo cada movimento, cada jogada de poder. Mas agora, a responsabilidade começava a pesar sobre seus ombros. A “herança de sangue”, como seu pai sempre chamava, estava prestes a ser passada a ele. E com essa herança vinha a obrigação de proteger o legado dos Moretti — custasse o que custasse. — A questão, pai, é como vamos lidar com os Mancini — Enzo quebrou o silêncio, sua voz carregando uma determinação fria. — Eles estão se movimentando rápido. Luca Mancini não é como o pai dele. É imprevisível. Se ele assumir o controle da família antes que possamos agir, nossa posição no conselho estará comprometida. Don Salvatore sorriu, mas era um sorriso que não alcançava seus olhos. — Ah, os Mancini… Eles estão tão presos aos velhos modos que não conseguem ver o que está à frente. Luca é jovem, e seu maior erro será subestimar o poder da tradição. Mas você está certo, filho. Não podemos permitir que ele consolide poder antes de nós. O sangue de um Moretti sempre deve pesar mais na balança. Enzo assentiu, mas seu coração estava acelerado. Ele sabia que o confronto com os Mancini não era apenas uma questão de negócios. Era algo pessoal. Luca Mancini havia sido seu amigo de infância, antes que as alianças familiares os colocassem em lados opostos. Agora, o destino deles estava entrelaçado de uma forma que ambos não poderiam evitar. E Enzo, embora preparado para o combate, sabia que o desafio maior seria enfrentar o homem que, em outro mundo, poderia ter sido seu aliado. — O que você quer que eu faça? — perguntou Enzo, com a voz controlada, mas o olhar fixo no pai. Don Salvatore levantou-se lentamente, caminhando até a janela, onde observou a chuva caindo sem parar. — Amanhã, no conselho, você será apresentado como o novo capo dos Moretti. Eu estarei ao seu lado, mas é sua hora de mostrar força. Os Mancini estarão lá, e você vai desafiá-los. Publicamente, com todos os outros Don presentes. A partir de amanhã, o nome Moretti será o mais temido, e você terá que provar que está pronto para carregar esse peso. O sangue sempre fala, Enzo. E amanhã, será a nossa vez de falar mais alto. Enzo assentiu, sentindo o peso da responsabilidade caindo sobre ele como a chuva lá fora. Não havia mais volta. A herança de sangue dos Moretti corria em suas veias, e ele sabia que, para honrar sua família, teria que fazer escolhas que marcariam seu nome para sempre. Quando Don Salvatore se virou para ele, a expressão no rosto do pai era uma mistura de orgulho e frieza. — Lembre-se, filho… Não é só sobre sobreviver. É sobre vencer. A sobrevivência é para os fracos. Nós, os Moretti, nascemos para governar. E governar exige sacrifícios. As palavras do pai ecoaram na mente de Enzo enquanto ele se levantava. Governar. Sacrifícios. Sangue. Ao sair da sala, ele sabia que o dia seguinte mudaria o curso da sua vida. As ruas de Palermo, molhadas pela chuva, se tornariam o palco de uma nova era de violência e poder. E Enzo Moretti estava prestes a descobrir até onde a herança de sangue o levaria — e a quem ele teria que sacrificar para garantir que seu nome fosse o último a cair nas bocas dos homens. Enzo saiu da sala e caminhou pelos longos corredores do casarão da família, seus passos ecoando nas paredes de pedra. A chuva batia contra as janelas, criando um som constante que parecia sincronizado com a tensão que crescia dentro dele. Ao longo de sua vida, ele sempre soube que esse momento chegaria — o momento em que o nome Moretti, sua herança de sangue, se tornaria seu fardo para carregar. Mas o que ele não previa era a dúvida que o atormentava. Ele passou pela sala onde sua mãe, Sofia Moretti, estava sentada em uma poltrona antiga, bordando em silêncio. Ao vê-lo, ela levantou os olhos e esboçou um sorriso suave, que não escondia as marcas de anos de angústia. Sofia era uma mulher forte, mas a vida ao lado de Don Salvatore a havia desgastado de maneiras invisíveis. — Enzo — chamou ela, com sua voz calma. — Está tudo bem, filho? Enzo hesitou, sentindo o peso da pergunta. Ele sabia que sua mãe sempre fora o equilíbrio em sua vida, a única pessoa que via além das aparências de poder e força. Caminhou até ela e sentou-se na cadeira ao lado, soltando um suspiro que parecia carregar o peso de anos de expectativa. — Amanhã será o dia, mãe. O dia em que meu nome será oficialmente ligado ao destino desta família. Sofia parou o bordado e olhou profundamente nos olhos do filho, como se estivesse tentando encontrar a criança que um dia ele foi, perdida agora no homem que se preparava para entrar no mundo brutal da máfia. — Eu sempre soube que este dia chegaria — disse ela, colocando sua mão gentilmente sobre a de Enzo. — Mas saiba, meu filho, que o nome Moretti não define quem você é. Seu pai vive pelas regras da máfia, mas você... você ainda pode escolher como trilhar esse caminho. Enzo desviou o olhar, sentindo a dor por trás das palavras de sua mãe. Ele sabia que, na máfia, não havia escolhas fáceis. A honra da família vinha acima de tudo, e seu pai já tinha decidido qual seria seu destino. — Não posso escapar do que sou, mãe — respondeu Enzo, sua voz mais dura do que pretendia. — A máfia é o que nos mantém vivos, o que nos dá poder. E amanhã, eu vou mostrar que estou pronto para carregar esse fardo. Sofia apertou sua mão com mais força, seu olhar agora cheio de preocupação. — Não deixe que o poder o consuma, Enzo. O sangue já tirou tanto de nós... Não deixe que ele tire sua alma também. Aquelas palavras ecoaram em sua mente enquanto ele se levantava. Ele beijou a testa da mãe e saiu da sala, com um peso ainda maior em seus ombros. Era impossível negar que o poder da máfia havia moldado quem ele era, mas havia momentos em que se perguntava se poderia ter sido diferente — se poderia ter sido livre para escolher seu próprio destino, longe do sangue, da violência e da traição que definiam sua família. Naquela noite, Enzo caminhou pelas ruas de Palermo, sentindo o cheiro da terra molhada e o silêncio que vinha após a chuva. As luzes dos postes refletiam nas poças d’água, criando sombras que pareciam dançar ao seu redor, como fantasmas do passado. A cidade era um campo de batalha invisível, e ele sabia que, amanhã, cada movimento seria decisivo. Ao longe, a cúpula da igreja de Santa Rosália se erguia sobre os prédios, uma lembrança de que mesmo em um mundo onde o pecado governava, havia algo maior, algo que, talvez, pudesse redimir. Enzo, no entanto, não acreditava mais em redenção. Ele sabia que, uma vez que seu nome fosse pronunciado como o novo capo dos Moretti, não haveria volta. Quando voltou para casa, o casarão estava em silêncio, exceto pelos murmúrios dos homens de seu pai que discutiam as últimas preparações para o conselho. Enzo subiu as escadas para seu quarto e, de lá, pegou uma velha fotografia empoeirada no fundo de uma gaveta. Era uma foto dele e de Luca Mancini, quando ainda eram crianças, antes que o destino os colocasse em lados opostos. Eles costumavam ser inseparáveis, correndo pelas ruas de Palermo, sonhando com um futuro que agora parecia distante. Mas o destino não era bondoso para aqueles nascidos em famílias como as deles. A amizade havia sido tragada pelo mundo da máfia, e agora restava apenas a rivalidade, temperada pela tensão de saber que, em breve, um teria que destruir o outro. Enzo fechou os olhos, sentindo o frio do metal em seu cinturão — a arma que ele carregaria amanhã para a reunião. Uma arma que, sabia ele, poderia ser usada contra Luca, seu velho amigo. Mas essa era a herança de sangue que ele herdara. E ele estava preparado para carregá-la, custasse o que custasse. Ao amanhecer, Palermo seria testemunha de uma nova era de sangue e poder.A noite em Palermo estava mais fria do que o normal. O vento cortante soprava pelas ruas estreitas e sinuosas, fazendo com que as sombras das construções antigas dançassem sob a luz amarelada dos postes. Para muitos, era apenas uma noite comum na cidade, mas para Salvatore “Toto” Giordano, de apenas 19 anos, era o momento mais decisivo de sua vida. Hoje, ele seria iniciado na Cosa Nostra, um ritual que transformaria seu nome em algo que inspirava respeito… e medo. Ele caminhava lentamente pelas ruas da cidade velha, suas mãos tremendo levemente, não pelo frio, mas pela expectativa. A velha igreja abandonada, onde o ritual aconteceria, estava à sua frente. Ali, no coração de Palermo, longe dos olhos curiosos, era onde as lendas da máfia siciliana começavam. E, ao final desta noite, ele estaria oficialmente ligado a esse mundo de segredos, lealdades e traições. Quando chegou à porta de madeira desgastada, sentiu uma presença ao seu lado. Marco, seu padrino, já o aguardava, como um
O silêncio da noite em Palermo era interrompido apenas pelo som dos grilos e pelo ocasional latido distante de um cão. A grande mansão dos Moretti, com suas paredes imponentes e janelas altas, parecia uma fortaleza isolada no coração da cidade. No entanto, naquela noite, dentro de seus muros, um turbilhão de emoções ameaçava explodir. Enzo Moretti estava sentado à mesa da sala de jantar, seu rosto tenso enquanto olhava para o prato de comida intocado à sua frente. Ao seu redor, a atmosfera era sufocante, carregada de palavras não ditas e ressentimentos acumulados. A reunião de família havia começado com um ar de celebração, mas rapidamente descambou para o que parecia ser uma batalha silenciosa. Seu pai, Don Salvatore Moretti, estava sentado na cabeceira da mesa, seu olhar duro como sempre. Para ele, a família era sinônimo de poder, e o poder era mantido através da obediência cega e da lealdade inquestionável. Mas naquela noite, algo havia mudado. O controle que Don Salvatore ex
As primeiras luzes do amanhecer iluminavam as ruas de Palermo, revelando as sombras da cidade que nunca dormia. Dentro do quartel-general da família Moretti, no coração da cidade, Luca Moretti acordava com a mente tomada por pensamentos de mudança e poder. A discussão da noite anterior ainda reverberava em seus ouvidos. Ele sabia que, para garantir o futuro dos Moretti e, mais importante, seu próprio futuro, teria que tomar decisões ousadas. Diferente de Enzo, que sempre fora visto como o sucessor natural de Don Salvatore, Luca havia passado boa parte de sua vida à sombra do irmão mais velho. Isso, porém, lhe dera uma vantagem inesperada: ele observava tudo em silêncio, aprendendo como o jogo era jogado, mas sem chamar a atenção para si. Enquanto todos os olhos estavam em Enzo, Luca se tornara um mestre nas sombras, construindo alianças discretas e conquistando a confiança de homens que Enzo nem sequer sabia que existiam. Naquela manhã, no entanto, Luca sentia que a hora de sair
A noite em Palermo trazia uma atmosfera pesada, como se o próprio ar estivesse carregado de tensão. Luca Moretti, agora imerso na nova fase de liderança da família, sentia o peso do poder em seus ombros. A lealdade era a moeda mais valiosa na máfia, e ele sabia que qualquer falha em mantê-la poderia custar tudo — o controle, o respeito, e a própria vida. E naquela noite, um pressentimento sombrio rondava sua mente. Sentado em seu escritório, Luca olhava fixamente para os documentos à sua frente, mas não estava realmente lendo. A informação mais importante havia chegado de maneira sutil, por meio de Carlo, que permanecia ao seu lado, atento como sempre. A palavra “traição” flutuava no ar, ressoando como um eco interminável em sua cabeça. — Temos uma situação — disse Carlo, sem rodeios, interrompendo o silêncio. — Recebemos informações de que alguém está colaborando com os Costello. Alguém de dentro. Luca permaneceu em silêncio, seus dedos lentamente apertando a borda da mesa. E
O sol despontava no horizonte sobre o porto de Nápoles, mas o dia começava carregado de sombras para Luca Moretti. Sentado em uma cadeira de couro na sala de reuniões, ele olhava para a mesa à sua frente, onde documentos confidenciais e cartas não oficiais estavam espalhados. O silêncio era cortado apenas pelo som de Carlo fechando a porta atrás de si. A crise havia explodido, e agora Luca se encontrava diante de um dilema que poderia mudar o futuro da família Moretti — e da própria máfia italiana. A notícia havia chegado pela manhã: os negócios da família Moretti, que se expandiam pela Europa, estavam sob ameaça. Uma crise diplomática envolvendo altos cargos do governo italiano e agentes estrangeiros colocava a rede de contrabando da família sob os holofotes da mídia internacional. Pior ainda, havia rumores de que outros grupos mafiosos estavam aproveitando o caos para tentar desestabilizar o poder dos Moretti. — A situação não é boa, Luca — disse Carlo, quebrando o silêncio. —
A luz suave do entardecer banhava as paredes de mármore da casa Moretti, transformando a grande mansão em um refúgio de silêncio e introspecção. Luca estava sentado no jardim, observando a fonte de água que corria suavemente, tentando encontrar uma paz que parecia cada vez mais distante. O peso da liderança da família havia se tornado insuportável, mas algo mais profundo o incomodava naquela tarde — o amor por Giulia. Giulia era a filha de um dos maiores aliados da família, os Mancini, que há décadas mantinham uma relação sólida com os Moretti. Ela sempre fora uma figura constante em sua vida, uma lembrança de tempos mais simples, antes de Luca herdar o controle de tudo. Eles cresceram juntos, dividindo momentos de inocência, longe dos segredos e traições que marcavam a vida no submundo. Agora, tudo havia mudado. Luca, acostumado a lidar com inimigos, traições e morte, não sabia como lidar com a intensidade dos sentimentos que Giulia despertava nele. Sentimentos que, ele sabia,
A noite estava escura e fria, e o som de sirenes distantes ecoava pela cidade. Luca Moretti sentia um aperto no peito enquanto dirigia pelas ruas de Palermo. A mensagem que recebera apenas uma hora antes ainda reverberava em sua mente, cada palavra mais pesada que a anterior. “Alguém da nossa família foi atingido.” No mundo da máfia, perdas eram esperadas. Cada movimento era um risco, cada aliança uma aposta. Mas mesmo assim, quando a notícia vinha, ela sempre carregava um golpe cruel, implacável. E Luca sabia que essa perda seria diferente. Seria a primeira dentro de seu círculo mais próximo. Ao chegar ao local, uma velha fábrica abandonada nos arredores da cidade, Luca viu seus homens já reunidos. Carlo estava lá, esperando por ele com um semblante que misturava dor e fúria. Havia algo de errado nos olhos dele, algo que Luca não reconhecia — ou, talvez, algo que ele não queria reconhecer. — Onde ele está? — Luca perguntou, saindo do carro e indo direto ao ponto, sem perder
As luzes da grande sala do Palazzo Moretti eram difusas, projetando sombras dançantes nas paredes de mármore. O ar carregado de tensão e poder pesava sobre todos ali presentes. No centro da sala, uma mesa longa e robusta abrigava os mais influentes líderes da máfia italiana. Cada um deles era uma força por si só, mas juntos, eram o coração pulsante da organização criminosa mais temida da Europa: O Conselho da Máfia. Luca Moretti, recém-nomeado como líder de sua família após a morte de seu pai, sentia o peso daquela reunião nos ombros. Embora jovem em comparação aos outros chefes sentados ao redor da mesa, sua ascensão havia sido rápida e brutal. O poder que carregava agora era uma faca de dois gumes — poderia tanto elevá-lo quanto destruí-lo. À sua esquerda, Don Vittorio Graziani, o chefe da família Graziani, inclinou-se na cadeira de couro, seu olhar astuto fixo em Luca. Graziani era um veterano nas artes da guerra entre famílias. Seu cabelo grisalho e as cicatrizes no rosto fa