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Traição à Vista

A noite em Palermo trazia uma atmosfera pesada, como se o próprio ar estivesse carregado de tensão. Luca Moretti, agora imerso na nova fase de liderança da família, sentia o peso do poder em seus ombros. A lealdade era a moeda mais valiosa na máfia, e ele sabia que qualquer falha em mantê-la poderia custar tudo — o controle, o respeito, e a própria vida. E naquela noite, um pressentimento sombrio rondava sua mente.

Sentado em seu escritório, Luca olhava fixamente para os documentos à sua frente, mas não estava realmente lendo. A informação mais importante havia chegado de maneira sutil, por meio de Carlo, que permanecia ao seu lado, atento como sempre. A palavra “traição” flutuava no ar, ressoando como um eco interminável em sua cabeça.

— Temos uma situação — disse Carlo, sem rodeios, interrompendo o silêncio. — Recebemos informações de que alguém está colaborando com os Costello. Alguém de dentro.

Luca permaneceu em silêncio, seus dedos lentamente apertando a borda da mesa. Ele sabia que, no mundo que comandava, traição não era apenas uma quebra de confiança — era uma sentença de morte. Ele havia construído sua ascensão com alianças cuidadosas, calculando cada passo. Mas sempre havia alguém disposto a trocar lealdade por poder.

— Quem? — perguntou Luca, sua voz calma, mas carregada de gelo.

Carlo hesitou, escolhendo as palavras com cautela. Ele sabia que um nome mal pronunciado poderia iniciar uma tempestade.

— Ainda estamos rastreando as informações. Mas os rumores estão vindo de fontes próximas aos capos. Há sinais de movimentações estranhas, dinheiro que desaparece e acordos que parecem estar sendo sabotados antes de serem fechados. Tudo aponta para alguém bem posicionado.

Luca inclinou-se para frente, os olhos fixos no vazio, como se estivesse tentando encaixar as peças de um quebra-cabeça invisível. Ele sabia que precisava agir rápido, mas com cautela. Uma jogada precipitada poderia causar uma ruptura irreversível na família.

— Quais são as possibilidades? — questionou Luca, buscando clareza. — Pode ser Enzo?

Carlo levantou as sobrancelhas, surpreso pela menção de Enzo, o irmão mais velho de Luca. A relação entre os dois era complicada, marcada por rivalidade e desconfiança, mas sugerir que Enzo estaria traindo a família era um terreno perigoso.

— Enzo tem seus próprios interesses, mas não acredito que ele iria tão longe, — disse Carlo, cuidadoso com suas palavras. — No entanto, ele poderia estar cego pelas próprias ambições. Talvez alguém próximo a ele esteja se aproveitando disso.

Luca considerou a ideia. Traição na máfia raramente era direta. A pessoa mais próxima a você poderia ser manipulada por alguém ainda mais nas sombras. Ele sabia que Enzo era impetuoso, às vezes impulsivo, mas também sabia que o irmão sempre colocou a família em primeiro lugar, ainda que com métodos discutíveis.

— Continue investigando — ordenou Luca, levantando-se da cadeira. — Quero todos os detalhes. Ninguém é intocável, Carlo. Ninguém.

Carlo assentiu em silêncio e saiu da sala, deixando Luca com seus pensamentos. A cada passo em falso, a linha entre aliados e inimigos se tornava mais tênue. O silêncio que se seguiu à saída de Carlo parecia esmagador, quase insuportável. Luca andou de um lado para o outro, tentando organizar seus pensamentos, mas a ideia de que alguém tão próximo estava traindo sua confiança o consumia.

Mais tarde naquela noite, Luca decidiu que precisava confrontar Enzo. Se o irmão estava envolvido, direta ou indiretamente, ele precisava saber agora. O problema era que um confronto direto poderia incendiar as tensões já existentes entre eles, tornando a situação ainda mais imprevisível.

Ao descer para o grande salão da mansão, Luca encontrou Enzo no bar, servindo-se de uma dose de uísque, como se estivesse esperando por ele. O olhar de Enzo era sempre enigmático, como se estivesse jogando um jogo que apenas ele compreendia.

— Luca — disse Enzo, erguendo o copo em saudação. — O que traz você aqui a essa hora? Algo não está certo?

Luca caminhou até o bar e serviu-se de uma dose, seus movimentos lentos e calculados.

— Estou ouvindo algumas coisas… — começou Luca, com a voz baixa, mas incisiva. — Coisas sobre traição. Pessoas que estão colaborando com os Costello.

Os olhos de Enzo brilharam por um momento, um lampejo de surpresa que desapareceu tão rápido quanto havia surgido.

— Traição? — Enzo riu suavemente, tomando um gole do uísque. — Na nossa família? Isso não me surpreende. Sempre há quem queira se beneficiar nas sombras. Mas por que você acha que eu estaria envolvido nisso?

Luca não respondeu imediatamente. Ele estudava cada reação, cada pequeno movimento. Sabia que Enzo era um mestre em dissimular emoções, mas, naquele momento, ele precisava forçar a verdade.

— Porque alguém próximo a nós está jogando dos dois lados — disse Luca, fixando os olhos no irmão. — E se você não está envolvido, alguém que está perto de você está.

O silêncio que seguiu foi tenso, pesado. Enzo abaixou o copo lentamente e encarou Luca.

— Eu sempre soube que você desconfiava de mim, Luca. Mas escute bem: se eu quisesse derrubar você, não faria isso nas sombras. Eu viria direto a você. Eu jogo limpo, irmão.

Luca permaneceu calado, tentando avaliar se aquelas palavras eram sinceras ou apenas outra jogada habilidosa de Enzo. Mas antes que pudesse responder, a porta da sala se abriu bruscamente, e Carlo entrou, o rosto pálido, com algo nas mãos.

— Luca — disse ele, ofegante. — Encontramos algo. Você precisa ver isso.

Carlo estendeu uma pasta com documentos. Luca a pegou e, ao abri-la, viu o nome que não esperava encontrar: Marco.

— Marco? — Luca mal conseguiu conter a incredulidade em sua voz. Marco era um dos homens mais antigos e confiáveis da família, alguém que havia trabalhado ao lado de Don Salvatore por décadas.

— Sim — disse Carlo. — Ele tem se encontrado com membros dos Costello. Temos provas. Ele é o traidor.

O sangue de Luca ferveu. Traição de um soldado veterano era ainda mais difícil de aceitar. Marco havia sido um pilar para a família por anos, e agora Luca precisava decidir o destino de um homem que já foi considerado quase como família.

Enzo, observando tudo de perto, sorriu levemente, mas com um toque de ironia.

— Parece que o traidor estava mais perto do que você imaginava, Luca. O que vai fazer agora?

Luca fechou a pasta, sua mente já decidida. Ele sabia o que precisava ser feito.

— Marco vai pagar por isso — disse Luca, com a voz fria como gelo. — E qualquer um que estiver ao lado dele também.

A traição à vista finalmente tinha um nome, e a resposta de Luca seria rápida e implacável.

Luca fechou a pasta com um estalo seco, seus olhos fixos nos documentos. Marco, o homem que por tanto tempo esteve ao lado de seu pai, agora traía a confiança da família Moretti. O sentimento de incredulidade e fúria se misturava, tornando sua respiração mais pesada.

— Ele sempre esteve lá, em todas as reuniões importantes, ouvindo cada palavra — murmurou Luca, enquanto encarava o rosto de Carlo. — E agora, tudo o que ele ouviu, tudo o que soube, foi usado contra nós.

Carlo assentiu em silêncio, os lábios finos mostrando o desconforto que também sentia. A traição de alguém como Marco era pessoal para todos ali, especialmente para Luca, que cresceu vendo o homem como uma rocha de confiança e lealdade.

— O que vamos fazer? — perguntou Carlo, mantendo o tom de urgência.

Luca levantou-se lentamente, seu corpo tenso como uma corda prestes a se romper. Ele sabia o que deveria ser feito, o código da máfia era claro: traição era paga com sangue. Mas não era só isso. Havia algo mais profundo queimando dentro dele — a sensação de que a rede de traição poderia ser maior, de que Marco não agia sozinho.

— Vamos agir imediatamente — disse Luca, sua voz baixa, mas carregada de uma determinação feroz. — Reúna os homens de confiança. Quero Marco aqui, hoje à noite. Sem alarde, sem chamar atenção. E quando ele estiver aqui... — Luca fez uma pausa, seus olhos escurecendo. — Vamos resolver isso do nosso jeito.

Carlo assentiu, entendendo perfeitamente o que Luca queria dizer. Havia apenas uma maneira de lidar com traidores na máfia, e essa maneira sempre envolvia um fim brutal e definitivo. Mas antes de sair para organizar os detalhes, ele lançou um último olhar para Enzo, que permanecia em silêncio, observando tudo com aquela expressão indecifrável.

— Enzo — disse Luca, voltando-se para o irmão. — Quero que você também esteja lá. Isso não é apenas sobre a minha liderança. É sobre a família.

Enzo levantou-se devagar, ainda segurando o copo vazio. Seu olhar encontrou o de Luca, e por um breve momento, algo passou entre os dois irmãos. Era difícil dizer se era solidariedade, competição ou uma mistura perigosa dos dois.

— Claro, Luca. Estarei lá. — A voz de Enzo era suave, quase casual, mas havia um tom subjacente de interesse genuíno. Ele sempre soube como aproveitar momentos de crise, e Luca sabia que precisava ter cuidado.

***

A mansão Moretti estava em silêncio. Os preparativos foram feitos rapidamente, com o mínimo de ruído. No subsolo, o porão de pedra servia como o local perfeito para reuniões discretas — e para confrontos decisivos. Luca, Carlo e alguns homens de confiança esperavam, enquanto Marco era trazido.

Quando Marco finalmente entrou, arrastado por dois soldados, o rosto dele estava pálido. Ele parecia saber o que estava por vir, mas ainda mantinha um ar de desafio. Seus olhos encontraram os de Luca, e por um breve momento, a sala foi tomada por um silêncio tenso.

— Luca... — Marco começou a falar, mas foi interrompido.

— Não — disse Luca, sua voz cortando o ar como uma lâmina. — Não há desculpas, Marco. Não há justificativa para o que você fez.

Luca deu um passo à frente, seus olhos fixos no traidor. Ele sentia a dor da traição como uma facada no peito. Não era só a traição contra a família, mas a traição de alguém que ele havia confiado cegamente por tanto tempo.

— Você trabalhou com meu pai por anos. Estava ao nosso lado quando construímos tudo isso. E agora, você entrega informações para os Costello?

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