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A Ascensão de Luca

As primeiras luzes do amanhecer iluminavam as ruas de Palermo, revelando as sombras da cidade que nunca dormia. Dentro do quartel-general da família Moretti, no coração da cidade, Luca Moretti acordava com a mente tomada por pensamentos de mudança e poder. A discussão da noite anterior ainda reverberava em seus ouvidos. Ele sabia que, para garantir o futuro dos Moretti e, mais importante, seu próprio futuro, teria que tomar decisões ousadas.

Diferente de Enzo, que sempre fora visto como o sucessor natural de Don Salvatore, Luca havia passado boa parte de sua vida à sombra do irmão mais velho. Isso, porém, lhe dera uma vantagem inesperada: ele observava tudo em silêncio, aprendendo como o jogo era jogado, mas sem chamar a atenção para si. Enquanto todos os olhos estavam em Enzo, Luca se tornara um mestre nas sombras, construindo alianças discretas e conquistando a confiança de homens que Enzo nem sequer sabia que existiam.

Naquela manhã, no entanto, Luca sentia que a hora de sair das sombras estava próxima. Ele sabia que a mudança na liderança da família era inevitável. O reinado de Don Salvatore estava se desgastando, sua visão de poder já não se alinhava com os novos tempos, e as guerras com outras famílias só traziam mais sangue e perdas. Luca compreendia isso melhor do que seu pai e, talvez, até melhor do que Enzo.

Ele se levantou da cama, vestindo-se rapidamente com um terno cinza-escuro que refletia sua personalidade: discreto, mas afiado. Enquanto ajustava os punhos da camisa, ouviu uma batida leve na porta. Era Carlo, seu homem de confiança, que vinha acompanhando Luca desde os tempos em que ainda era visto apenas como o “irmão mais novo”.

— Bom dia, Luca — disse Carlo, entrando no quarto com a postura respeitosa de sempre. — A reunião com os capos está marcada para daqui a uma hora. Todos estarão lá.

Luca assentiu. Aquele era o momento pelo qual ele vinha esperando. A reunião com os capos era, oficialmente, para discutir a próxima fase de negócios da família, mas Luca tinha outros planos. Ele sabia que muitos dos capos estavam descontentes com as decisões de Don Salvatore. As últimas operações haviam trazido mais perdas do que ganhos, e a violência constante contra a família Costello deixara cicatrizes profundas. Luca pretendia capitalizar sobre essa insatisfação.

— Carlo — disse Luca, enquanto terminava de se arrumar —, os homens sabem o que fazer, certo?

— Sim, senhor. Eles estão prontos. Assim que você der o sinal, começaremos.

Luca olhou para o reflexo no espelho. Ele sempre soube que o poder não seria dado a ele de bandeja; ele teria que tomá-lo. E, naquele dia, estava pronto para fazer exatamente isso.

A sala de reuniões da família Moretti ficava no subsolo do grande casarão. O ar ali era denso, carregado de décadas de segredos e conspirações. Luca entrou na sala com a mesma confiança discreta de sempre, cumprimentando os capos com um aceno respeitoso, mas sem se demorar em conversas. Ele sentia o olhar deles sobre si, avaliando-o, talvez até subestimando-o. Para eles, Luca ainda era o “garoto” que havia crescido sob a sombra de Enzo e Don Salvatore.

Don Salvatore já estava sentado à cabeceira da mesa, com Enzo à sua direita. O velho patriarca parecia mais cansado do que de costume, o peso de anos de liderança começando a pesar sobre seus ombros. Ele olhou para Luca quando ele entrou, mas não disse nada. Talvez, em sua mente, o papel de Luca naquela reunião seria meramente de observador.

Mas Luca tinha outros planos.

Assim que todos estavam presentes, Don Salvatore começou a falar, como sempre fazia, com um tom de voz que carregava autoridade.

— Senhores, obrigado por estarem aqui. Temos decisões importantes a tomar. A guerra com os Costello está longe de acabar, e precisamos de todos vocês para garantir que continuemos no controle.

Luca ouviu em silêncio, mas sentia cada vez mais que aquelas palavras estavam fora de sintonia com a realidade. Enquanto Don Salvatore continuava a discursar sobre força e lealdade, Luca observava os capos ao redor da mesa. Alguns assentiam mecanicamente, mas outros — os mais jovens, aqueles que tinham suas próprias ambições — estavam inquietos. Luca sabia que, se quisesse ganhar o controle, teria que fazer uma jogada agora.

Quando Don Salvatore terminou, Luca se levantou. O movimento foi inesperado, e os olhares da sala se voltaram para ele, incluindo o de seu pai, que franziu a testa, surpreso.

— Luca, você tem algo a dizer? — perguntou Don Salvatore, com uma mistura de curiosidade e irritação.

Luca deu um passo à frente, mantendo a calma, mas com uma determinação fria em sua voz.

— Sim, tenho. Acredito que todos aqui já entendemos que o caminho que estamos seguindo nos levará à destruição. Temos perdido homens, territórios, e, mais importante, a confiança de nossas alianças. A guerra com os Costello não está nos fortalecendo; está nos enfraquecendo. É hora de repensarmos nossa estratégia.

Um murmúrio percorreu a sala. Don Salvatore olhou para o filho com um misto de descrença e fúria.

— Você está sugerindo que deveríamos fazer o quê? Nos ajoelhar diante dos Costello? — disse o velho, sua voz começando a se elevar.

Luca manteve a calma. Ele sabia que aquele era o momento decisivo.

— Não estou falando de nos ajoelhar, pai. Estou falando de jogar de maneira inteligente. Continuar com essa guerra nos destruirá. O poder não está em quem derrama mais sangue, mas em quem constrói mais alianças. Precisamos de uma nova abordagem, ou não haverá nada para herdar.

Os capos observavam com atenção. Alguns, como Luca esperava, começaram a concordar, acenando com a cabeça. Outros ainda olhavam com cautela, esperando ver até onde aquilo iria. Enzo permaneceu em silêncio, seus olhos fixos no irmão, como se estivesse avaliando cada palavra.

Don Salvatore bateu com força na mesa.

— Você ousa me desafiar na frente de meus homens?

Luca sabia que a tempestade estava chegando. Mas ele estava preparado.

— Não é um desafio, pai. É uma escolha. O que você prefere: continuar com essa guerra até não termos mais nada? Ou ajustar nossa estratégia, negociar e garantir que a família Moretti permaneça no topo?

Don Salvatore ficou em silêncio por um momento, respirando fundo, a raiva fervendo por baixo de sua pele. Ele sabia que as palavras de Luca tinham peso. Os homens na sala estavam ouvindo, e muitos deles estavam inclinados a seguir o mais jovem dos Moretti. O poder que Don Salvatore exercia há décadas estava escorrendo entre seus dedos, e Luca sabia disso.

Finalmente, Don Salvatore olhou diretamente nos olhos do filho.

— Muito bem, Luca. Vamos ver se você tem o que é preciso para liderar. Mas saiba de uma coisa: se falhar, a responsabilidade será toda sua.

Luca assentiu, sem desviar o olhar. Ele sabia que aquele era apenas o começo. Sua ascensão estava em andamento, mas o verdadeiro teste ainda estava por vir.

Luca respirou fundo, sentindo a tensão na sala crescer. O olhar de Don Salvatore parecia capaz de atravessá-lo, mas Luca permaneceu firme. Ele sabia que, naquele momento, não poderia mostrar fraqueza. Os capos, homens que lideravam territórios e operações essenciais para a família Moretti, estavam observando, avaliando seu discurso, e qualquer hesitação poderia custar-lhe a confiança que começava a conquistar.

Carlo, sempre atento, fez um leve sinal de aprovação para Luca, discretamente posicionado no fundo da sala. Ele sabia que Carlo já estava agindo nos bastidores, garantindo que certos capos estivessem prontos para apoiar a nova abordagem. Esse apoio era vital, e Luca precisava transformar o momento em uma virada decisiva para consolidar sua posição.

— Com sua permissão, pai, — continuou Luca, sua voz agora um pouco mais suave, mas ainda firme — gostaria de propor algo concreto. Uma reunião com nossos aliados de longa data, especialmente os Sicilianos. Eles têm o peso necessário para nos ajudar a negociar um cessar-fogo com os Costello. Podemos parar de derramar sangue e voltar a focar no que nos mantém no poder: controle econômico e influência política.

Os capos trocaram olhares entre si. Muitos já haviam se cansado das longas batalhas, dos funerais, das baixas constantes entre seus homens e da imprevisibilidade que a guerra trazia aos negócios. A proposta de Luca fazia sentido para aqueles que viam o dinheiro como o verdadeiro poder da máfia. E isso começava a criar uma divisão silenciosa: entre os que preferiam o sangue e a violência de Don Salvatore e os que queriam a estabilidade e os lucros propostos por Luca.

Don Salvatore ficou em silêncio por alguns instantes, seus dedos tamborilando a mesa. Ele sempre foi um homem de ação, um estrategista da velha guarda. Para ele, recuar nunca foi uma opção. Mas Luca sabia que, mais do que o orgulho, era o legado da família que guiava seu pai. E ele havia tocado no ponto certo: garantir que a família Moretti sobrevivesse.

— E quem garante que os Costello aceitariam um cessar-fogo? — retrucou Don Salvatore, inclinando-se para frente. — Eles não são conhecidos por sua misericórdia. E se isso for visto como fraqueza?

Luca respirou fundo, antecipando aquela resposta. Ele sabia que precisaria convencer seu pai e os capos de que a proposta não era um ato de fraqueza, mas de inteligência.

— Não é uma questão de misericórdia, pai — respondeu Luca, sua voz firme. — É uma questão de pragmatismo. Os Costello também estão sangrando. Estão perdendo territórios e homens, assim como nós. O que estou propondo é uma pausa estratégica, para que possamos reavaliar nossas posições e reorganizar nossas forças. E, mais importante, para garantir que nossos negócios continuem lucrativos. Se os Costello se recusarem a negociar, estaremos em uma posição mais forte para lidar com eles. Mas precisamos, primeiro, de tempo e de aliados.

O silêncio que seguiu foi cortante. Todos os olhos estavam sobre Don Salvatore. Ele sabia que, no fundo, Luca estava certo. O desgaste da guerra não era apenas físico, mas financeiro. E, na máfia, o poder dependia tanto do dinheiro quanto da força.

Após o que pareceu uma eternidade, Don Salvatore fez um leve gesto de aprovação com a cabeça.

— Muito bem, Luca. Você terá sua chance de provar que esse plano pode funcionar. Reúna nossos aliados e organize a reunião. Mas lembre-se: se isso falhar, a responsabilidade cairá sobre você. E eu não tolero falhas.

Luca assentiu, agradecendo a confiança, ainda que sabendo que aquilo era apenas o começo. Ele precisava fazer com que a reunião com os aliados acontecesse rapidamente e garantir que o cessar-fogo fosse um sucesso. Do contrário, não apenas sua posição dentro da família estaria ameaçada, mas sua própria vida.

Ao final da reunião, os capos começaram a se dispersar, alguns visivelmente satisfeitos com a nova direção proposta por Luca, outros ainda com dúvidas. Enzo permaneceu em silêncio durante todo o encontro, observando o irmão com uma expressão indecifrável. Quando todos começaram a deixar a sala, ele se aproximou de Luca.

— Você foi corajoso lá dentro, Luca. Mas sabe que isso ainda não acabou, certo? Papà está te dando corda... e ele pode puxá-la a qualquer momento.

Luca olhou para o irmão, ciente de que, apesar do apoio silencioso de Enzo, ainda havia uma competição não declarada entre os dois.

— Eu sei, Enzo. Mas essa é a única maneira de garantir o futuro da família. Não podemos continuar nesse caminho de destruição.

Enzo observou Luca por alguns segundos antes de assentir.

— Vamos ver até onde isso vai. Estarei te observando.

Com essas palavras, Enzo se afastou, deixando Luca sozinho na sala agora vazia. O peso das expectativas sobre seus ombros era imenso, mas Luca sabia que tinha feito o movimento certo. Sua ascensão havia começado, e agora, mais do que nunca, ele precisava garantir que cada passo fosse calculado com precisão.

Luca saiu da sala e foi até seu escritório, onde Carlo já o esperava.

— Como foi? — perguntou Carlo, já sabendo a resposta pelo olhar de Luca.

— Melhor do que eu esperava — disse Luca, fechando a porta atrás de si. — Mas isso é apenas o início. Precisamos começar a planejar a reunião com os Sicilianos. Eles serão a chave para garantir que o cessar-fogo com os Costello aconteça.

Carlo assentiu, pegando um caderno onde já anotara algumas informações.

— Já fiz contato com alguns dos nossos aliados em Palermo. Eles estão dispostos a nos ouvir. Mas você precisa ter cuidado. Alguns deles ainda são leais a Don Salvatore, e qualquer sinal de que você está tentando tomar o lugar dele pode se voltar contra nós.

Luca sabia que Carlo estava certo. Embora tivesse conquistado o primeiro passo em sua ascensão, ainda havia muitos obstáculos pela frente. E o maior deles seria manter a confiança de seu pai enquanto implementava mudanças que poderiam, eventualmente, remover Don Salvatore do poder.

— Vamos seguir com cautela, Carlo — disse Luca, sua mente já começando a traçar os próximos movimentos. — Mas o tempo está a nosso favor. Se jogarmos as cartas certas, conseguiremos não apenas um cessar-fogo, mas uma nova era para a família Moretti.

Carlo assentiu, seu olhar determinado. Ele sabia que estava ao lado de um líder que poderia transformar o destino da família, mas também sabia que a ascensão de Luca traria inimigos tanto de fora quanto de dentro.

O jogo de poder havia começado, e Luca estava pronto para jogá-lo até o fim.

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