O vento quente da Sicília soprava suavemente sobre as colinas áridas, carregando consigo o cheiro de terra e sal do Mediterrâneo. Sob o sol escaldante, os campos de oliveiras pareciam intermináveis, uma paisagem de tranquilidade que escondia, sob sua superfície, séculos de histórias de violência, poder e lealdade. No coração dessa terra antiga, a máfia havia enraizado suas garras, crescendo em silêncio, como uma árvore cujas raízes corroem tudo ao redor, invisíveis até ser tarde demais.
Em uma pequena vila nas proximidades de Palermo, a quietude daquela manhã era quebrada apenas pelo som das carroças de comerciantes e o murmúrio distante das rezas na igreja local. Mas dentro de uma casa modesta, cercada por muros altos e vigilância discreta, uma reunião estava prestes a acontecer — uma reunião que mudaria o destino de uma família para sempre. Giuseppe Lazzaro, um homem de meia-idade com traços duros esculpidos por anos de luta e sobrevivência, acendia um cigarro enquanto esperava na sala principal. Seus olhos, atentos e frios, observavam cada detalhe ao seu redor. Ele sabia que cada movimento naquele ambiente importava. No submundo da Sicília, uma palavra mal colocada ou um olhar errado poderia significar a morte. O motivo de sua visita não era trivial. Os Lazzaro eram uma família respeitada, mas ainda de médio porte no que diz respeito à estrutura mafiosa local. Giuseppe, como patriarca, sabia que sua ambição de crescer e se fortalecer dependia de alianças estratégicas — e era exatamente isso que ele buscava ali. Ele estava prestes a encontrar-se com Francesco Greco, o líder de uma das famílias mais poderosas da região. Um homem cuja influência ia muito além da Sicília, estendendo-se até Nápoles, Roma e até Nova York. Uma aliança com os Greco poderia elevar os Lazzaro a um novo patamar, mas também os colocaria no centro de um jogo perigoso. A porta da sala abriu-se devagar, revelando Francesco Greco, um homem elegante e imponente, com cabelos grisalhos bem penteados e um olhar afiado como uma lâmina. Ele entrou com passos lentos, mas firmes, como se controlasse cada centímetro daquele espaço. Ao seu lado, dois capangas robustos o seguiam em silêncio, meros guardiões da sombra do poder de Greco. — Giuseppe, meu velho amigo — cumprimentou Greco com um leve sorriso nos lábios, estendendo a mão. — Faz muito tempo. Giuseppe apertou a mão do homem, sentindo o peso do momento. Não havia amizade verdadeira no mundo da máfia, apenas interesses em comum. E ambos sabiam disso. — De fato, Francesco. Mas parece que o tempo nos trouxe até aqui por um motivo — respondeu Giuseppe, com um tom calculado, tentando não demonstrar a tensão que sentia. Eles se sentaram em uma mesa de madeira rústica no centro da sala. Ao redor, quadros antigos retratavam paisagens da Sicília, mas também cenas de batalhas. A história da Sicília estava nas paredes daquela casa, não apenas em imagens, mas nas cicatrizes invisíveis de gerações que haviam lutado por controle, respeito e sobrevivência. Giuseppe sabia que, naquele instante, ele estava diante de uma nova batalha. Não uma batalha de espadas ou armas, mas uma de palavras e intenções ocultas, onde cada decisão poderia selar o destino de sua família. Francesco Greco acendeu um charuto e soltou a fumaça lentamente, como se saboreasse cada momento antes de falar. Ele estudava Giuseppe com olhos que pareciam ver além do presente, sondando seus medos e desejos. — Giuseppe, nós dois sabemos que as coisas mudaram. A Sicília não é mais um reino isolado. O poder que controlamos aqui tem se expandido. Há novas oportunidades... e novos inimigos — disse Greco, sua voz calma, mas carregada de gravidade. — Nova York, Roma, Nápoles… o mundo está em movimento. A questão é: você e sua família estão prontos para acompanhar esse movimento? Giuseppe inclinou-se levemente para frente, sabendo que aquele era o momento crucial. Ele precisava demonstrar força sem parecer desesperado, ambição sem parecer ganancioso. — Eu entendo que o mundo está mudando, Francesco. E os Lazzaro, como os Greco, sabem que é preciso evoluir ou ser deixado para trás. Minha família construiu seu nome com sangue e suor, mas sempre soubemos que para crescer precisamos de aliados. É por isso que estou aqui. — Giuseppe fez uma pausa estratégica, observando o rosto inexpressivo de Greco, tentando ler suas reações. — Juntos, podemos controlar não apenas a Sicília, mas estender nossa influência ainda mais. Porém, estou aqui para ouvir sua proposta. Francesco deu uma risada baixa e fria, recostando-se na cadeira. — Ah, Giuseppe, você sempre soube jogar este jogo. Mas entenda, isto não é uma simples aliança. Não estamos falando apenas de negócios locais. O que proponho é uma unificação de interesses. Os Greco têm os contatos e o alcance internacional. Você tem a força bruta e a lealdade das ruas. Juntos, podemos dominar, mas você deve estar disposto a seguir minhas condições. Giuseppe apertou os lábios, sentindo o peso das palavras. Ele sabia que, aceitar a oferta de Greco, significava entregar parte de sua autonomia, algo que os Lazzaro tinham preservado por gerações. No entanto, recusá-la significaria isolar-se ainda mais em um cenário onde as grandes famílias estavam se fundindo para conquistar territórios maiores. — Quais são suas condições? — perguntou Giuseppe, mantendo a voz firme. Francesco sorriu levemente, como se já esperasse por essa pergunta. — Primeiro, uma fusão de negócios. Seu controle sobre os campos de oliveiras e as rotas de contrabando passa a ser gerido por nós. Em troca, você recebe uma porcentagem maior das operações em Nápoles e Palermo. Segundo, a lealdade. Quando os Greco precisarem, você estará ao nosso lado, sem questionamentos. — Ele fez uma pausa antes de continuar, baixando o tom de voz. — E terceiro... sua filha, Francesca. Uma união entre nossas famílias selaria esse pacto de maneira definitiva. Meu filho, Enzo, já está preparado para assumir o controle ao meu lado. Juntos, eles garantirão que essa aliança permaneça por gerações. Giuseppe sentiu o peso da proposta descer sobre seus ombros como um manto de chumbo. Ele esperava uma oferta difícil, mas a menção de sua filha, Francesca, mudou tudo. Francesca era sua maior joia, e a ideia de usá-la como uma peça de barganha, como um ativo em uma negociação, apertou seu coração. Ele sabia que, no mundo em que vivia, os sentimentos pessoais raramente tinham espaço, mas sacrificar o futuro de sua filha por uma aliança... isso era um preço que ele nunca esperava pagar. — Francesca? — Giuseppe repetiu, tentando esconder o nervosismo em sua voz. — Ela é jovem demais para esse tipo de decisão. Francesco deu de ombros, como se a idade não fosse um fator relevante. — O tempo molda todos nós, Giuseppe. Essa é uma oportunidade que muitas jovens gostariam de ter. Enzo é um bom rapaz, e essa união fortaleceria não apenas nossos negócios, mas também a segurança das nossas famílias. A Sicília está mudando, e a tradição deve acompanhar essa mudança. Giuseppe ficou em silêncio, seus pensamentos girando rapidamente. Ele sabia que a decisão que tomasse naquele momento poderia determinar o futuro de sua família, mas também sabia que, uma vez feita, não haveria como voltar atrás. — Eu preciso de tempo — disse Giuseppe, com a voz firme, mas internamente despedaçada. — Vou considerar sua proposta. Francesco inclinou a cabeça levemente, como um predador que soubesse que já havia vencido a caçada. — Claro, Giuseppe. Leve o tempo que precisar... mas lembre-se, o mundo não espera. E tampouco os nossos inimigos. Giuseppe se levantou, apertou a mão de Francesco e saiu da casa com um peso no coração que parecia mais pesado que qualquer montanha siciliana. Ele sabia que, ao voltar para sua própria casa, teria que olhar nos olhos de Francesca e explicar a ela que, em nome da sobrevivência dos Lazzaro, ela poderia estar destinada a um destino que não escolhera. Enquanto descia a colina, o sol escaldante já não parecia tão forte. As raízes da máfia, que há gerações cresciam silenciosamente, agora se enredavam ainda mais ao redor de sua família.A chuva caía pesada sobre as ruas de Palermo, lavando as calçadas antigas e sujas, mas não o suficiente para purificar os pecados que se acumulavam por gerações. Dentro de um velho casarão, cujas paredes já testemunharam mais segredos do que o tempo pode contar, uma reunião acontecia à meia-luz. Enzo Moretti, o herdeiro da família mais temida da região, observava em silêncio o vulto imponente de seu pai, Don Salvatore Moretti, falando com seus capangas. A fumaça dos charutos preenchia o ar, misturando-se com a tensão que parecia pairar sobre todos naquela sala. Don Salvatore, um homem de postura rígida e rosto marcado pela vida no submundo, não era alguém que falava sem propósito. E naquela noite, suas palavras tinham um peso que Enzo sentia nos ossos. Ele sabia que algo grande estava por vir. A família Moretti estava em um ponto de inflexão — novos inimigos surgiam, antigos aliados estavam se voltando uns contra os outros, e o poder que mantinham por décadas começava a ser contes
A noite em Palermo estava mais fria do que o normal. O vento cortante soprava pelas ruas estreitas e sinuosas, fazendo com que as sombras das construções antigas dançassem sob a luz amarelada dos postes. Para muitos, era apenas uma noite comum na cidade, mas para Salvatore “Toto” Giordano, de apenas 19 anos, era o momento mais decisivo de sua vida. Hoje, ele seria iniciado na Cosa Nostra, um ritual que transformaria seu nome em algo que inspirava respeito… e medo. Ele caminhava lentamente pelas ruas da cidade velha, suas mãos tremendo levemente, não pelo frio, mas pela expectativa. A velha igreja abandonada, onde o ritual aconteceria, estava à sua frente. Ali, no coração de Palermo, longe dos olhos curiosos, era onde as lendas da máfia siciliana começavam. E, ao final desta noite, ele estaria oficialmente ligado a esse mundo de segredos, lealdades e traições. Quando chegou à porta de madeira desgastada, sentiu uma presença ao seu lado. Marco, seu padrino, já o aguardava, como um
O silêncio da noite em Palermo era interrompido apenas pelo som dos grilos e pelo ocasional latido distante de um cão. A grande mansão dos Moretti, com suas paredes imponentes e janelas altas, parecia uma fortaleza isolada no coração da cidade. No entanto, naquela noite, dentro de seus muros, um turbilhão de emoções ameaçava explodir. Enzo Moretti estava sentado à mesa da sala de jantar, seu rosto tenso enquanto olhava para o prato de comida intocado à sua frente. Ao seu redor, a atmosfera era sufocante, carregada de palavras não ditas e ressentimentos acumulados. A reunião de família havia começado com um ar de celebração, mas rapidamente descambou para o que parecia ser uma batalha silenciosa. Seu pai, Don Salvatore Moretti, estava sentado na cabeceira da mesa, seu olhar duro como sempre. Para ele, a família era sinônimo de poder, e o poder era mantido através da obediência cega e da lealdade inquestionável. Mas naquela noite, algo havia mudado. O controle que Don Salvatore ex
As primeiras luzes do amanhecer iluminavam as ruas de Palermo, revelando as sombras da cidade que nunca dormia. Dentro do quartel-general da família Moretti, no coração da cidade, Luca Moretti acordava com a mente tomada por pensamentos de mudança e poder. A discussão da noite anterior ainda reverberava em seus ouvidos. Ele sabia que, para garantir o futuro dos Moretti e, mais importante, seu próprio futuro, teria que tomar decisões ousadas. Diferente de Enzo, que sempre fora visto como o sucessor natural de Don Salvatore, Luca havia passado boa parte de sua vida à sombra do irmão mais velho. Isso, porém, lhe dera uma vantagem inesperada: ele observava tudo em silêncio, aprendendo como o jogo era jogado, mas sem chamar a atenção para si. Enquanto todos os olhos estavam em Enzo, Luca se tornara um mestre nas sombras, construindo alianças discretas e conquistando a confiança de homens que Enzo nem sequer sabia que existiam. Naquela manhã, no entanto, Luca sentia que a hora de sair
A noite em Palermo trazia uma atmosfera pesada, como se o próprio ar estivesse carregado de tensão. Luca Moretti, agora imerso na nova fase de liderança da família, sentia o peso do poder em seus ombros. A lealdade era a moeda mais valiosa na máfia, e ele sabia que qualquer falha em mantê-la poderia custar tudo — o controle, o respeito, e a própria vida. E naquela noite, um pressentimento sombrio rondava sua mente. Sentado em seu escritório, Luca olhava fixamente para os documentos à sua frente, mas não estava realmente lendo. A informação mais importante havia chegado de maneira sutil, por meio de Carlo, que permanecia ao seu lado, atento como sempre. A palavra “traição” flutuava no ar, ressoando como um eco interminável em sua cabeça. — Temos uma situação — disse Carlo, sem rodeios, interrompendo o silêncio. — Recebemos informações de que alguém está colaborando com os Costello. Alguém de dentro. Luca permaneceu em silêncio, seus dedos lentamente apertando a borda da mesa. E
O sol despontava no horizonte sobre o porto de Nápoles, mas o dia começava carregado de sombras para Luca Moretti. Sentado em uma cadeira de couro na sala de reuniões, ele olhava para a mesa à sua frente, onde documentos confidenciais e cartas não oficiais estavam espalhados. O silêncio era cortado apenas pelo som de Carlo fechando a porta atrás de si. A crise havia explodido, e agora Luca se encontrava diante de um dilema que poderia mudar o futuro da família Moretti — e da própria máfia italiana. A notícia havia chegado pela manhã: os negócios da família Moretti, que se expandiam pela Europa, estavam sob ameaça. Uma crise diplomática envolvendo altos cargos do governo italiano e agentes estrangeiros colocava a rede de contrabando da família sob os holofotes da mídia internacional. Pior ainda, havia rumores de que outros grupos mafiosos estavam aproveitando o caos para tentar desestabilizar o poder dos Moretti. — A situação não é boa, Luca — disse Carlo, quebrando o silêncio. —
A luz suave do entardecer banhava as paredes de mármore da casa Moretti, transformando a grande mansão em um refúgio de silêncio e introspecção. Luca estava sentado no jardim, observando a fonte de água que corria suavemente, tentando encontrar uma paz que parecia cada vez mais distante. O peso da liderança da família havia se tornado insuportável, mas algo mais profundo o incomodava naquela tarde — o amor por Giulia. Giulia era a filha de um dos maiores aliados da família, os Mancini, que há décadas mantinham uma relação sólida com os Moretti. Ela sempre fora uma figura constante em sua vida, uma lembrança de tempos mais simples, antes de Luca herdar o controle de tudo. Eles cresceram juntos, dividindo momentos de inocência, longe dos segredos e traições que marcavam a vida no submundo. Agora, tudo havia mudado. Luca, acostumado a lidar com inimigos, traições e morte, não sabia como lidar com a intensidade dos sentimentos que Giulia despertava nele. Sentimentos que, ele sabia,
A noite estava escura e fria, e o som de sirenes distantes ecoava pela cidade. Luca Moretti sentia um aperto no peito enquanto dirigia pelas ruas de Palermo. A mensagem que recebera apenas uma hora antes ainda reverberava em sua mente, cada palavra mais pesada que a anterior. “Alguém da nossa família foi atingido.” No mundo da máfia, perdas eram esperadas. Cada movimento era um risco, cada aliança uma aposta. Mas mesmo assim, quando a notícia vinha, ela sempre carregava um golpe cruel, implacável. E Luca sabia que essa perda seria diferente. Seria a primeira dentro de seu círculo mais próximo. Ao chegar ao local, uma velha fábrica abandonada nos arredores da cidade, Luca viu seus homens já reunidos. Carlo estava lá, esperando por ele com um semblante que misturava dor e fúria. Havia algo de errado nos olhos dele, algo que Luca não reconhecia — ou, talvez, algo que ele não queria reconhecer. — Onde ele está? — Luca perguntou, saindo do carro e indo direto ao ponto, sem perder