A Iniciação

A noite em Palermo estava mais fria do que o normal. O vento cortante soprava pelas ruas estreitas e sinuosas, fazendo com que as sombras das construções antigas dançassem sob a luz amarelada dos postes. Para muitos, era apenas uma noite comum na cidade, mas para Salvatore “Toto” Giordano, de apenas 19 anos, era o momento mais decisivo de sua vida. Hoje, ele seria iniciado na Cosa Nostra, um ritual que transformaria seu nome em algo que inspirava respeito… e medo.

Ele caminhava lentamente pelas ruas da cidade velha, suas mãos tremendo levemente, não pelo frio, mas pela expectativa. A velha igreja abandonada, onde o ritual aconteceria, estava à sua frente. Ali, no coração de Palermo, longe dos olhos curiosos, era onde as lendas da máfia siciliana começavam. E, ao final desta noite, ele estaria oficialmente ligado a esse mundo de segredos, lealdades e traições.

Quando chegou à porta de madeira desgastada, sentiu uma presença ao seu lado. Marco, seu padrino, já o aguardava, como um pai que guia o filho no caminho da escuridão. Marco era um homem imponente, de rosto severo e com cicatrizes que contavam histórias de batalhas silenciosas. Ele era o responsável por trazer Toto para a família. Aquele momento também seria a prova de que Marco havia escolhido bem.

— Está pronto? — perguntou Marco com a voz baixa, mas cheia de autoridade.

Toto assentiu, mesmo que por dentro estivesse lutando contra a onda de emoções que tomava conta de seu corpo. Sabia que não podia mostrar fraqueza agora. O caminho que escolhera não permitia hesitações.

Marco abriu a porta com um movimento firme, revelando um corredor sombrio que levava à nave principal da igreja. As velas, posicionadas ao longo do caminho, lançavam luzes vacilantes nas paredes cobertas de musgo. O ar cheirava a incenso, misturado com o odor da umidade das pedras antigas. Toto caminhou ao lado de Marco, seus passos ecoando no chão de mármore desgastado. Lá no fundo, na escuridão, ele sabia que os homens mais poderosos da máfia siciliana o aguardavam.

No altar, uma mesa havia sido preparada. Três homens, com rostos sérios e silenciosos, estavam sentados à frente, observando cada movimento de Toto. No centro, Don Vito Acardi, o capo da família Acardi, olhava-o com olhos que pareciam perfurar sua alma. Toto sabia que aquele era o homem que tinha a palavra final sobre seu destino. Aquele que, em poucos minutos, decidiria se ele estava apto para ser um deles.

— Salvatore Giordano — disse Don Vito, com a voz baixa, mas firme. — Você sabe por que está aqui esta noite?

— Sim, Don Vito — respondeu Toto, sua voz vacilando levemente. — Estou aqui para me tornar parte da família.

Don Vito sorriu levemente, mas seus olhos mantinham a frieza de um juiz antes de sentenciar.

— A família é tudo, Salvatore. Ela está acima de qualquer coisa. Acima do sangue, acima da lei. Aqui, você não deve apenas respeito e lealdade. Você deve sua vida. Se a família lhe pedir seu último suspiro, você o dará sem hesitar. Você está preparado para isso?

Toto engoliu em seco. Sabia que essa pergunta era apenas o começo de um juramento que o amarraria para sempre. Ele olhou ao redor, sentindo o peso dos olhares dos outros homens. Não havia retorno.

— Estou preparado, Don Vito — respondeu Toto, agora com mais firmeza.

Don Vito assentiu. Ele fez um sinal para Marco, que rapidamente se aproximou com uma pequena faca de prata. Sem dizer uma palavra, ele pegou a mão de Toto e, com um movimento rápido, fez um pequeno corte na ponta de seu dedo. O sangue começou a escorrer levemente, e Toto observou enquanto Marco pegava uma imagem de um santo e a colocava em sua mão ensanguentada.

— Esta é a sua fé agora, Salvatore — disse Don Vito, observando-o de perto. — O sangue que escorre é seu compromisso com a família. Você será guiado pela lealdade e pela honra. Mas saiba que, se quebrar esse juramento, seu sangue será o preço.

Com a imagem do santo em sua mão, Toto a observou ser encharcada pelo seu próprio sangue. Marco acendeu um fósforo e aproximou a chama da figura, colocando-a nas mãos de Toto.

— Agora, deixe-a queimar — ordenou Don Vito.

Toto sentiu o calor do fogo em suas mãos enquanto a imagem se transformava em cinzas. Ele segurou a queima com firmeza, sentindo o ardor em sua pele, mas sem soltar. A dor era um lembrete do compromisso que estava assumindo, um sinal de que, a partir daquele momento, sua vida não lhe pertencia mais.

— Queime como este santo, Salvatore, se um dia trair a família — disse Don Vito, com a voz pesada.

Quando as cinzas finalmente caíram ao chão, Toto olhou para suas mãos, agora manchadas de sangue e fuligem. Aquilo era simbólico. Seu futuro estava marcado pelo fogo e pelo sangue.

— Bem-vindo à família, Toto — disse Don Vito, com um aceno solene.

Os homens ao redor assentiram, aprovando sua entrada no mundo da máfia. O silêncio na igreja tornou-se opressor, como se os próprios muros carregassem o peso da história que Toto agora fazia parte.

Toto respirou fundo, sabendo que aquele era apenas o começo. Ele agora pertencia a algo maior, mais sombrio e mais perigoso do que qualquer coisa que pudesse imaginar. A iniciação não era apenas um ritual; era o ponto de não retorno.

Ao sair da igreja naquela noite, o vento frio de Palermo não parecia mais tão intenso. Dentro dele, Toto sentia o calor do poder e a chama da ambição começarem a crescer. Ele sabia que, para sobreviver nesse mundo, precisaria ser tão implacável quanto os homens que o haviam aceitado. E, acima de tudo, sabia que a única coisa que realmente importava, agora e para sempre, era a família.

Ao sair da igreja, o peso do juramento ainda pulsava nas mãos de Toto, onde o fogo havia queimado a imagem do santo. O vento gelado cortava seu rosto, mas ele quase não sentia. Sua mente estava em outro lugar, processando o que acabara de acontecer. Agora, ele não era mais apenas Salvatore Giordano, o jovem da periferia de Palermo. Ele era Toto, um homem feito pela máfia, com uma lealdade gravada a fogo e sangue.

Marco caminhava ao seu lado, seu rosto sempre impassível, como se o ritual fosse algo tão comum quanto um jantar de família. Para Marco, provavelmente era. Ele era o padrino de muitos jovens antes de Toto, e todos passaram pelo mesmo processo. Alguns prosperaram; outros desapareceram sem deixar rastros, vítimas de suas próprias falhas ou traições. Toto sabia que não podia ser um dos fracos. Naquela vida, fraqueza significava morte.

— Você fez bem lá dentro, Toto — disse Marco, quebrando o silêncio que parecia grudar nas ruas vazias. — Não é fácil manter a calma na sua primeira noite. Muitos vacilam, mas você demonstrou firmeza.

Toto assentiu, ainda sem saber exatamente como processar o que sentia. Sentia-se aliviado por ter passado pelo ritual, mas o peso das palavras de Don Vito, do sangue em suas mãos e do fogo que havia queimado a imagem do santo, ainda ressoava em sua mente.

— A partir de agora, tudo muda, não é? — perguntou Toto, sem olhar para Marco, enquanto caminhavam pela rua molhada pela neblina noturna.

— Sim, tudo muda — respondeu Marco, com uma seriedade que Toto não estava acostumado a ouvir nele. — Mas o que não muda é o que você é agora: um homem da Cosa Nostra. Nunca se esqueça disso, Toto. A lealdade à família é o que nos mantém vivos. Traição... a traição é um bilhete de ida para a cova.

A palavra "traição" fez Toto estremecer. Não que ele tivesse intenções de quebrar o juramento, mas sabia que, em um mundo como o deles, confiar era uma faca de dois gumes. Haveria provas, emboscadas, momentos em que sua lealdade seria colocada em xeque. Ele sabia que a máfia não perdoava falhas. Os erros se pagavam com sangue — e ele já tinha visto o suficiente para entender isso.

Enquanto caminhavam em direção ao bairro onde Toto cresceu, Marco parou subitamente e virou-se para ele.

— Agora que você faz parte da família, é hora de provar o seu valor. Não pense que o ritual foi o suficiente. Foi apenas o começo. Você ainda precisa ganhar a confiança de Don Vito e dos outros capos.

Toto olhou para Marco, tentando decifrar o que ele estava prestes a dizer. Sabia que algo mais viria, algum teste, alguma missão.

— E como eu faço isso? — perguntou Toto, com uma mistura de curiosidade e apreensão.

Marco sorriu, mas era um sorriso sem alegria. Um sorriso que conhecia os caminhos escuros da vida na máfia.

— Amanhã, você será chamado para sua primeira tarefa. Um trabalho simples, mas crucial. Um dos nossos, Vincenzo, tem se mostrado menos... leal do que deveria. Está na hora de lhe dar uma lição sobre o que significa trair a confiança da família.

As palavras de Marco foram ditas com calma, mas Toto sentiu o gelo que vinha com elas. Ele sabia o que aquilo significava. "Dar uma lição" era uma expressão que não deixava dúvidas. A máfia não tolerava traições. E quem quebrava as regras, quem comprometia o juramento de sangue, pagava o preço final.

Toto engoliu em seco. Ele sabia que esse momento chegaria, mas não esperava que fosse tão cedo. A ideia de tirar uma vida, mesmo a de um traidor, fez seu estômago se revirar. Mas ele sabia que não havia espaço para hesitação. Naquele mundo, a hesitação era interpretada como fraqueza. E a fraqueza era mortal.

— Está pronto para isso? — perguntou Marco, olhando diretamente nos olhos de Toto.

Por um momento, Toto hesitou. Não por medo, mas porque a ideia de dar aquele próximo passo o consumia. Ele sempre soube que a vida na máfia não era fácil, mas o peso de tirar a vida de outro homem era algo com o qual ele ainda não tinha lidado. Ainda assim, não podia recuar.

— Sim, estou pronto — respondeu Toto, sua voz firme, mesmo que seu coração estivesse acelerado.

Marco assentiu, satisfeito com a resposta. Ele sabia que, a partir de agora, Toto seria testado em maneiras que jamais havia imaginado. Mas, como qualquer outro jovem que passara pela iniciação, ele teria que enfrentar esses desafios de frente.

— Amanhã cedo, encontraremos Vincenzo — disse Marco, enquanto retomavam a caminhada. — E você vai entender o que significa ser parte da família de verdade.

Toto continuou andando ao lado de Marco, seu coração ainda pesado. A ideia de sua primeira "missão" estava em sua mente como uma nuvem negra, mas ele sabia que, para sobreviver naquele mundo, teria que encarar aquilo de frente. Ele havia jurado lealdade, e agora, mais do que nunca, teria que provar que estava à altura do nome que carregava.

Ao entrar em sua casa, ele encontrou a mãe ainda acordada, esperando por ele como fazia todas as noites. O sorriso dela era cansado, mas cheio de amor, uma lembrança de que, fora daquele mundo sombrio, ainda havia laços que Toto prezava. Mas, a partir de agora, ele sabia que até esses laços estariam em risco. A vida que ele escolhera não permitia fraquezas, nem mesmo no amor familiar.

— Como foi a noite, meu filho? — perguntou ela, com ternura.

— Tudo bem, mamma — respondeu Toto, beijando a testa dela. — Está tudo bem agora.

Mas, por dentro, Toto sabia que aquela seria a última noite que ele teria como o Salvatore de antes. A partir de amanhã, seria Toto Giordano, o homem da Cosa Nostra. E nada mais seria o mesmo.

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