O JUIZ - Tio do Meu Filho
Capítulo 1 Eu sou mais uma Maria na multidão, aquela que não deu certo na vida. Assim como tantas outras, vou levando, dia após dia, matando um, dois, três leões por dia. Tento ser mãe, provedora, trabalhadora, mas o mundo parece sempre estar contra mim. Eu sou apenas mais uma Maria lutando para sobreviver no cruel mundo dos humanos. **** **Maria Silva** "Até mais, meninas. Bom descanso." Deixei o trabalho aliviada por ter sobrevivido a mais uma noite na boate. Os saltos altos e a minissaia de couro, que eu era obrigada a usar, pareciam instrumentos de tortura. Cada passo doía, cada movimento parecia exibir uma ferida que eu escondia. Quando finalmente troquei aqueles sapatos desconfortáveis pelos meus velhos tênis de guerra, senti um alívio imediato. Estava livre, ainda que por algumas horas. "Cansada... Como estou cansada," murmurei para mim mesma enquanto caminhava até o ponto de ônibus. O ônibus estava lotado como de costume, repleto de trabalhadores que, assim como eu, lutavam para manter a cabeça fora d'água. O veículo sacolejava pelas ruas esburacadas da cidade, jogando meu corpo para frente e para trás. Consegui um pequeno espaço para me equilibrar enquanto os passageiros ao meu redor se amontoavam. Em meio à confusão, o ônibus parou bruscamente, e os passageiros começaram a murmurar. Do lado de fora, carros pretos escoltados por motos da polícia passavam rapidamente, suas sirenes cortando o ar da manhã. Uma senhora ao meu lado assistia a um noticiário em volume alto no celular, e eu não pude evitar ouvir. “Delegado Matheus de Alcântara e Leão, brutalmente assassinado...” Aquelas palavras fizeram meu coração parar por um momento. Uma onda de frio percorreu minha espinha. A mulher ao meu lado virou-se para mim, o rosto refletindo choque e curiosidade. E o pior de tudo, eu não sabia porque estava sentindo aquilo. "Você viu isso?" perguntou ela, com os olhos arregalados. "Mataram o filho de um magnata, ele era delegado. Coisa do morro, dizem." Engoli em seco, tentando disfarçar meu nervosismo. "É uma pena," respondi, com a voz vacilante. "Parece que vivemos em uma guerra constante." "Todo dia morrem pessoas no morro," continuou ela, balançando a cabeça, "mas como dessa vez é um homem rico, de família influente, vai ser notícia o dia todo." "Se fosse um pobre como nós, nem mencionariam," outra senhora no ônibus comentou, os olhos fixos na tela do celular. "Essa é minha parada," eu disse rapidamente, aliviada por escapar daquela conversa. “Bom dia pra vocês.” Apressada, desci do ônibus. Quando cheguei em casa, já estava exausta. Os dois quarteirões que caminhei da parada de ônibus até a periferia onde moro pareciam mais longos a cada dia. Cumprimentei rapidamente os vizinhos que estavam na rua, ansiosa por encontrar algum descanso. Minha madrinha, como sempre, estava sentada no sofá, esperando por mim, assim que abri a porta de casa. “Bom dia, filha. Como foi o trabalho?” perguntou ela, sorrindo. “Bom dia, madrinha. Tudo tranquilo,” respondi, forçando um sorriso. Ela acreditava que eu trabalhava como camareira em um hotel. Não tive coragem de contar a verdade. Afinal, como explicar que trabalho em uma boate, servindo bebidas para homens que só enxergam um pedaço de carne? Não queria desapontá-la ou fazê-la se preocupar comigo. Depois de trocar algumas palavras, fui até o quarto onde meu pequeno anjo dormia. Inclinei-me sobre ele e beijei sua testa, e acariciei seu cabelo negro. “Deus te abençoe,” sussurrei. De volta à sala, sentei-me ao lado da madrinha no velho sofá vermelho. O noticiário ainda passava, e os repórteres falavam incessantemente sobre o assassinato do delegado. “Só se fala disso na televisão, hoje” comentou minha madrinha, balançando a cabeça. “É... No ônibus também não se falava de outra coisa,” respondi, tentando parecer desinteressada. “Dizem que é filho de um ricaço, por isso virou notícia.” Quando a imagem do delegado assassinado apareceu na tela, o ar sumiu dos meus pulmões. Meu coração disparou, e uma sensação de pavor tomou conta de mim. Era ele. Não havia como negar. O homem que havia destruído minha vida agora estava morto, com seu rosto estampado em todas as manchetes. Tentei controlar o pânico que ameaçava tomar conta de mim. Aquele rosto... Eu nunca poderia esquecê-lo. Ele mentiu sobre quem era, me enganou, e agora estava morto. Não sabia se sentia alívio ou desespero. Talvez um pouco de ambos. Com as mãos trêmulas, peguei o telefone e comecei a procurar informações sobre o velório. Eu precisava ver com meus próprios olhos, confirmar que aquele homem realmente estava morto. Nunca soube seu nome completo até aquele momento, mas agora que sabia, algo dentro de mim gritava que eu precisava estar lá. Como eu queria contar a ele. “Eu preciso sair, madrinha. Cuida do anjinho pra mim,” disse, já pegando minha bolsa e saindo apressada. “Mas você acabou de chegar, menina…” nem olhei para trás, estava tão atordoada. Peguei um carro de aplicativo e, enquanto o motorista me levava até o cemitério, minha mente estava a mil. Imagens do passado invadiam minha cabeça, me torturando com lembranças que eu preferia esquecer. Quando o carro finalmente parou na frente do cemitério, desci com o coração na boca. A visão do portão, cercado por jornalistas e curiosos, me fez hesitar por um segundo. Eu sabia que entrar ali não seria fácil. Três carros pretos e luxuosos chegaram logo atrás de mim, e o portão foi aberto para permitir a entrada dos veículos. Os seguranças estavam ocupados tentando conter a multidão. Era minha chance. Com passos rápidos e calculados, me misturei à confusão. Passei despercebida pelos seguranças enquanto eles lidavam com os jornalistas. Dentro do cemitério, me escondi atrás de um dos carros que havia acabado de chegar, tentando acalmar minha respiração. A capela estava à minha frente. Respirei fundo e, com o coração acelerado, segui em direção às portas. A tensão no ar era palpável, e os sussurros das pessoas ao redor só aumentavam meu nervosismo. Quando finalmente entrei, o ambiente parecia ainda mais sufocante. Caminhei lentamente até o caixão, cada passo me aproximando da verdade que eu tanto temia. Quando o vi, deitado ali, com uma expressão serena que contrastava com tudo o que ele havia feito, senti uma onda de emoções me dominar. Lágrimas encheram meus olhos. "Meu Deus," sussurrei, sentindo um nó se formar em minha garganta. "Eu não queria que isso tivesse acontecido." De repente, uma mão firme segurou meu braço, e uma voz fria sussurrou em meu ouvido: "Quem é você? E o que está fazendo aqui?" Levantei o olhar, ainda com lágrimas nos olhos, e o choque me paralisou. O homem que estava diante de mim era uma cópia exata do que estava no caixão. Parecia que eu estava vendo um fantasma. Se aquele homem soubesse do meu segredo eu estaria arruinada para sempre, poderiam me tirar tudo que mais amo na vida. Eu precisava fugir.**Maria Silva**Ele apertou mais o meu braço, seus olhos penetrantes me encarando com desdém. "Vamos, me diga quem você é," ele repetiu, sua voz carregada de ameaça."Eu..." minha voz falhou. Não sabia o que responder. Estava apavorada."Você não deveria estar aqui," ele rosnou. "Eu vou fazer da sua vida um inferno se não me disser o que sabe." Ele se aproximou ainda mais, sussurrando no meu ouvido. "Mal posso esperar para descobrir o que está escondendo."Minhas pernas começaram a tremer, o medo me consumindo por completo. Eu não deveria ter vindo. Estava claro que eu havia cometido um erro terrível. Mas antes que eu pudesse reagir, ele me puxou para mais perto."Você vai sair daqui agora, e vamos conversar em um lugar mais privado," ele disse, guiando-me em direção à saída. O pânico me dominou, e minha mente começou a correr em busca de uma saída. Não podia deixar que ele me levasse.Eu me sentia como se estivesse flutuando em um mar de confusão e angústia. As memórias da minha vida
**Maria Silva**Eu estava nervosa, as mãos tremendo enquanto tentava manter a compostura. Não errar as palavras e saber o que falar aquele homem imponente à minha frente era crucial naquele momento."Não, eu não vim aqui a mando de ninguém,” O que eu diria para ele? Tive um caso com seu irmão e ele me enganou e vim aqui só para ver se ela realmente estava morto? A voz dentro da minha cabeça me alertava, tentando encontrar uma saída para aquela situação insana.Diante de mim, o homem que parecia ser a sombra viva de Matheus me encarava com uma intensidade perturbadora. "Sou uma jornalista e queria uma foto." Era a desculpa mais plausível que consegui formular naquele momento. “Só isso.”"Foto? Como assim? Você acha mesmo que sou idiota, garota? Até parece que você não sabe com quem está falando" A voz dele era um misto de desprezo e desafio. Ele deu um passo à frente, diminuindo a distância entre nós. "Você queria tirar foto da minha família num momento frágil como esse. Era para eu e
Maria SilvaEu me joguei no banco do carro, ofegante, tentando processar tudo que havia acontecido nas últimas horas. Não era apenas a tensão de estar no velório do homem que destruiu minha vida. Agora, eu estava à mercê de um completo estranho, ou melhor, do irmão do daquele que eu tanto queria esquecer. A presença dele ao meu lado era sufocante, e o silêncio que dominava o carro era ainda pior."Você não pode fazer isso, me jogar dentro do seu carro," disse, tentando soar mais firme do que me sentia.Ele me olhou de soslaio, os olhos estreitos e a mandíbula cerrada. "Você queria que eu te deixasse lá para ser... Deveria ter deixado aqueles homens fazerem o que quisessem com você, talvez você deixasse de ser tão teimosa." Ele estava furioso, mas eu não conseguia rebater, pois sabia que ele estava certo. Se Bruno não tivesse ali, o que teria acontecido? Nem queria imaginar.Ele continuou, sua voz carregada de desconfiança. "A não ser que eles estivessem com você e tudo aquilo era uma
Maria Silva**Assim que Vivian falou, senti um calafrio subir pela espinha. Benício era mesmo a cara de Bruno, cada traço dele me lembrava Matheus, o pai de Ben. Eu mal conseguia pensar em como eu ia esconder isso. Meus pensamentos corriam, e quando ela mencionou o quanto Ben se parecia com Bruno, senti meu coração disparar.“Se ele ver o moleque, ele vai saber na mesma hora. Quase caí pra trás, quando prestei atenção no rosto dele,” Vivian comentou, balançando a cabeça como se estivesse em choque.“Vivian, o pai do Ben morreu,” murmurei, tentando processar tudo.“Como assim, morreu?” Ela arregalou os olhos.“Você assistiu os noticiários hoje? Viu o filho de um ricaço que mataram? Ele é o pai do meu filho,” expliquei, ainda incrédula.“Caralho, eu não acredito que o pai do Ben é rico?” Vivian estava pasma, e antes que eu pudesse responder, o cliente dela apareceu no topo da escada.“Vivian, eu paguei pela hora e você fica aí de papo com a sua amiga,” ele resmungou.“Espera aí, bebezão
**Maria Silva**Eu era uma mãe desesperada naquele momento, sentindo-me a pior de todas. Havia negligenciado meu próprio filho, deixado ele de lado enquanto me envolvia nas complicações do velório do pai dele e na tentativa de fugir de Bruno de Alcântara e Leão. As lembranças de tudo o que havia acontecido nas últimas horas rodavam em minha mente, me afogando em culpa e desespero. Como pude ser tão egoísta? Meu pequeno Ben precisando de mim, e eu fugindo, me escondendo, vivendo na sombra de um passado que parecia sempre me alcançar.“Venha, Maria, eu levo você,” a voz suave e acolhedora de seu João, nosso vizinho, me tirou de meus pensamentos sombrios. Ele era um senhorzinho gentil, dono de um Fusca preto que, embora velho e barulhento, sempre estava à disposição para ajudar quem precisasse.“Obrigado, eu vou aceitar,” respondi, forçando um sorriso enquanto lutava para segurar as lágrimas que ameaçavam cair. Entrei no Fusca, o barulho do escapamento pipocando e me lembrando da fragili
Bruno de Alcântara e Leão Eu não era um homem dado a devaneios. Sempre fui prático, focado, e implacável quando necessário. Um juiz nato. Mas ali, parado diante do caixão do meu irmão, toda a minha razão parecia esvair-se, substituída por uma fúria que queimava em meu peito. Matheus, o irmão que eu deveria ter protegido, estava morto. Metade de seu corpo queimado, desfigurado, um aviso claro para mim. A vida dele foi o preço por minha cruzada contra aqueles que acham que estão acima da lei. Eu sabia que o preço seria alto, mas nunca imaginei que seria ele a pagá-lo.Olhei ao redor, a expressão dos meus pais, da esposa de Matheus, a dor estampada em cada rosto familiar. Eu era o juiz Bruno de Alcântara e Leão, temido e respeitado, mas naquele momento, eu não era mais do que um homem devastado. Eu prometi a mim mesmo que faria qualquer coisa para destruí-los, aqueles que tiraram Matheus de nós. Mas minha atenção foi desviada por uma figura entre as pessoas da alta sociedade carioca que
**Maria Silva**Dois dias se passaram desde que recebi a notícia devastadora de que Benício, meu pequeno guerreiro, precisava de um transplante de rim. Cada minuto desde então parecia uma eternidade, uma sequência interminável de exames e consultas médicas, onde a incerteza me consumia. O que antes era uma vida comum agora se resumia a salas de espera e corredores de hospital, onde o cheiro de desinfestante e as paredes brancas frias me lembravam constantemente da fragilidade da nossa existência.Fazia parte do meu ser lutar, e era isso que eu estava fazendo agora: lutar por Benício com todas as minhas forças, mesmo que minhas forças estivessem se esvaindo, mesmo que eu estivesse me sentindo exaurida, em frangalhos, como se a vida estivesse me arrancando pedaço por pedaço. Aquele hospital havia se tornado minha casa temporária, onde eu me refugiava no único lugar onde sentia alguma conexão com algo maior, uma esperança, uma fé: a capela.Entrei na capela, um lugar pequeno e simples, m
**Maria Silva**“Você está bem?” A voz grave de um homem me atingiu como um eco distante, misturado à dor que pulsava em minha cabeça. Meus olhos lutaram para se abrir, como se estivessem colados. Quando finalmente consegui, o rosto de um estranho se formou diante de mim. Ele me carregava nos braços, seus passos firmes, enquanto eu tentava entender o que estava acontecendo. Tudo estava confuso, como se eu estivesse saindo de um sonho ruim.“O que está acontecendo?” Minha voz saiu fraca, e eu levei a mão à minha cabeça, sentindo uma dor aguda. A realidade veio como uma onda: eu tinha sido atropelada. Mas por quê? Como?“Você foi atropelada por um carro. Um senhor estava distraído, e você acabou sendo atingida. Estou te levando para ser atendida,” ele disse, continuando a caminhar com uma firmeza preocupante.“Não, eu estou bem. Não preciso de atendimento,” protestei, tentando me mover nos braços dele. O hospital particular estava a poucos metros, e o pensamento de entrar ali como pacie