**Maria Silva**
Eu era uma mãe desesperada naquele momento, sentindo-me a pior de todas. Havia negligenciado meu próprio filho, deixado ele de lado enquanto me envolvia nas complicações do velório do pai dele e na tentativa de fugir de Bruno de Alcântara e Leão. As lembranças de tudo o que havia acontecido nas últimas horas rodavam em minha mente, me afogando em culpa e desespero. Como pude ser tão egoísta? Meu pequeno Ben precisando de mim, e eu fugindo, me escondendo, vivendo na sombra de um passado que parecia sempre me alcançar. “Venha, Maria, eu levo você,” a voz suave e acolhedora de seu João, nosso vizinho, me tirou de meus pensamentos sombrios. Ele era um senhorzinho gentil, dono de um Fusca preto que, embora velho e barulhento, sempre estava à disposição para ajudar quem precisasse. “Obrigado, eu vou aceitar,” respondi, forçando um sorriso enquanto lutava para segurar as lágrimas que ameaçavam cair. Entrei no Fusca, o barulho do escapamento pipocando e me lembrando da fragilidade de tudo ao meu redor. O mundo parecia estar desmoronando, e eu não conseguia encontrar forças para segurar as peças no lugar. Seu João, sempre tão prestativo, tentou me tranquilizar durante o caminho. "Eu levei sua madrinha e seu pequeno Ben até o hospital," ele explicou, as palavras dele cortando meu coração como facas afiadas. "O menino estava com febre, e sua madrinha não quis esperar mais, então ela me chamou para levar os dois." A dor em meu peito se intensificou. “Estou me sentindo péssima por não ter atendido as ligações,” confessei, minha voz falhando enquanto tentava controlar a onda de emoções que ameaçava me derrubar. “Não fique assim, Maria,” ele disse, sua voz gentil como sempre. “Sua madrinha disse que você estava trabalhando e por isso não atendeu, deveria estar ocupada lá no seu trabalho.” As palavras dele só pioraram meu sentimento de culpa. Meu trabalho? Como ele poderia imaginar o que eu realmente estava fazendo? Mas a verdade era que, independentemente de onde eu estivesse ou o que estivesse fazendo, eu havia falhado como mãe. A preocupação e a ansiedade tomavam conta de mim. Meu menino estava doente, e eu não estava lá para ele. O trajeto até o hospital parecia durar uma eternidade. O Fusca preto rangia, lutando contra o peso do meu desespero. Finalmente, após quase quarenta minutos, chegamos ao hospital. Assim que seu João estacionou o carro, eu saltei e corri até a recepção, o coração disparado e a respiração curta. “O meu filho está internado aqui,” eu disse, a voz tremendo, enquanto tentava manter a calma. A atendente me olhou com uma expressão neutra. “Como é o nome dele?” “Benício Silva,” respondi rapidamente. Ela consultou o computador e então levantou os olhos, me informando algo que me fez perder o chão: “Ele foi transferido, moça, para o Hospital Nossa Senhora de Lurdes.” Meu coração parou. “Mas esse hospital é particular?” “Estamos lotados aqui, e como ele é um caso grave, abriram vaga para ele em uma de nossas emergências lá,” ela explicou, as palavras dela ecoando na minha mente, me deixando tonta. “Grave? Como assim grave?” A voz dentro de mim gritava em desespero. Eu precisava de respostas, mas ela continuou com a mesma expressão impassível. “Senhora, você precisa conversar com o médico,” ela disse, como se não entendesse a urgência no meu coração. “Ele não pode te atender agora, o hospital está lotado.” Mas eu não podia ficar perdendo tempo ali. Ben não estava mais naquele hospital, e cada segundo que passava me afastava mais dele. Corri de volta para a entrada, e por sorte, seu João ainda estava lá, esperando por mim. Expliquei rapidamente que Ben havia sido transferido, e ele, com a paciência de sempre, me disse para entrar no carro. O Fusca preto barulhento logo se pôs em movimento, saindo pelas ruas congestionadas do Rio de Janeiro. O som do motor rangendo parecia um reflexo do caos em minha mente. O engarrafamento nas ruas só aumentava minha ansiedade, e a culpa me consumia cada vez mais. Eu me sentia a pior mãe do mundo, por não estar ao lado do meu filho quando ele mais precisava de mim. Passávamos pela cidade em uma velocidade agonizantemente lenta, e então, como um golpe do destino, avistei algo que fez meu coração parar. Lá estava ele, Bruno de Alcântara e Leão, saindo de um carro de luxo. Eles caminhavam com a habitual arrogância, os seguranças ao lado, como se fossem intocáveis. Quando passamos em frente ao fórum, Bruno parou e, como se pudesse sentir minha presença, virou-se lentamente em minha direção. Um calafrio percorreu minha espinha. Era como se ele soubesse exatamente onde eu estava, o que eu sentia, e o medo voltou a me dominar. “Por favor, vá mais rápido,” sussurrei para seu João, a voz quase não saindo. O Fusca acelerou, o barulho do motor mascarando o som do meu coração batendo descompassado. Eu só queria sair dali, queria fugir de tudo, mas mais do que tudo, queria encontrar meu filho. Finalmente, chegamos ao Hospital Nossa Senhora de Lurdes. Era um hospital particular, e eu só podia esperar, com todo o meu coração, que não precisasse pagar por aquele tratamento, porque eu não tinha como. Quando saí do carro, seu João me disse que esperaria para levar minha madrinha de volta. Agradeci rapidamente e corri para dentro do hospital. Dentro, tudo parecia um labirinto de corredores sem fim. Uma moça na recepção me deu as coordenadas para chegar até meu filho, e eu segui suas instruções, meu corpo movendo-se sozinho, enquanto minha mente estava em outro lugar. Quando finalmente encontrei o quarto, meu coração quase parou. Lá estava ele, meu pequeno Ben, deitado em uma cama, os olhos fechados e a carinha de choro. Minha madrinha se levantou e veio ao meu encontro. “Filha, que bom que você chegou,” ela disse, o alívio em sua voz era claro, mas minha preocupação só aumentava. “Eu não tinha como te ligar.” “O que aconteceu com o Ben, madrinha?” Minha voz era apenas um sussurro, o medo dominando cada parte de mim. “Ai, minha filha,” ela começou, os olhos dela se enchendo de lágrimas. “Nosso menino está doente.” Antes que eu pudesse processar o que ela disse, um médico entrou no quarto. Ele se aproximou de nós, e pela expressão no rosto dele, eu sabia que as notícias não seriam boas. “Olá, você é a mãe dele?” ele perguntou, a voz dele calma, mas carregada de preocupação. “Sim, eu sou a Maria,” respondi, tentando manter a compostura. Ele me pediu para sair com ele do quarto para conversarmos em particular, e eu o segui, sentindo um nó se formar no meu estômago. Quando paramos no corredor, ele virou-se para mim e começou a falar. “Seu filho fez alguns exames, e infelizmente, ele está doente.” Aquelas palavras fizeram meu mundo girar. “O que meu filho tem, doutor?” perguntei, a voz quase não saindo, o pânico tomando conta de mim. “Ele vai precisar de um transplante,” ele respondeu, a voz firme mas gentil. “Precisamos de alguém da família que possa ser doador, se for compatível.” Um transplante? As palavras dele ecoavam na minha cabeça. “Doador? O pai dele faleceu ontem, doutor. E ele nem sabia que tinha um filho. Eu posso doar, eu sou a mãe, eu tenho que ser compatível.” “Sinto muito pela sua perda,” ele disse, a compaixão nos olhos dele era palpável. “Mas as coisas não funcionam assim. Precisamos fazer exames de compatibilidade com todos os familiares. E, infelizmente, esse tipo de tratamento é bastante caro, o sistema público não cobre certos gastos.” A realidade me atingiu como uma avalanche. Não apenas meu filho estava gravemente doente, mas eu também não tinha os recursos para salvá-lo. As palavras do médico continuavam a ecoar na minha mente, me deixando ainda mais perdida, mais desesperada. O que eu iria fazer? Como eu salvaria meu filho? A incerteza e o medo me consumiam, e eu só podia esperar que, de alguma forma, tudo isso fosse apenas um pesadelo do qual eu acordaria em breve. E que Deus ajudasse que eu fosse compatível ou teria que procurar a família Alcântara e Leão. E eu não queria de forma alguma fazer isso. Não mesmo.Bruno de Alcântara e Leão Eu não era um homem dado a devaneios. Sempre fui prático, focado, e implacável quando necessário. Um juiz nato. Mas ali, parado diante do caixão do meu irmão, toda a minha razão parecia esvair-se, substituída por uma fúria que queimava em meu peito. Matheus, o irmão que eu deveria ter protegido, estava morto. Metade de seu corpo queimado, desfigurado, um aviso claro para mim. A vida dele foi o preço por minha cruzada contra aqueles que acham que estão acima da lei. Eu sabia que o preço seria alto, mas nunca imaginei que seria ele a pagá-lo.Olhei ao redor, a expressão dos meus pais, da esposa de Matheus, a dor estampada em cada rosto familiar. Eu era o juiz Bruno de Alcântara e Leão, temido e respeitado, mas naquele momento, eu não era mais do que um homem devastado. Eu prometi a mim mesmo que faria qualquer coisa para destruí-los, aqueles que tiraram Matheus de nós. Mas minha atenção foi desviada por uma figura entre as pessoas da alta sociedade carioca que
**Maria Silva**Dois dias se passaram desde que recebi a notícia devastadora de que Benício, meu pequeno guerreiro, precisava de um transplante de rim. Cada minuto desde então parecia uma eternidade, uma sequência interminável de exames e consultas médicas, onde a incerteza me consumia. O que antes era uma vida comum agora se resumia a salas de espera e corredores de hospital, onde o cheiro de desinfestante e as paredes brancas frias me lembravam constantemente da fragilidade da nossa existência.Fazia parte do meu ser lutar, e era isso que eu estava fazendo agora: lutar por Benício com todas as minhas forças, mesmo que minhas forças estivessem se esvaindo, mesmo que eu estivesse me sentindo exaurida, em frangalhos, como se a vida estivesse me arrancando pedaço por pedaço. Aquele hospital havia se tornado minha casa temporária, onde eu me refugiava no único lugar onde sentia alguma conexão com algo maior, uma esperança, uma fé: a capela.Entrei na capela, um lugar pequeno e simples, m
**Maria Silva**“Você está bem?” A voz grave de um homem me atingiu como um eco distante, misturado à dor que pulsava em minha cabeça. Meus olhos lutaram para se abrir, como se estivessem colados. Quando finalmente consegui, o rosto de um estranho se formou diante de mim. Ele me carregava nos braços, seus passos firmes, enquanto eu tentava entender o que estava acontecendo. Tudo estava confuso, como se eu estivesse saindo de um sonho ruim.“O que está acontecendo?” Minha voz saiu fraca, e eu levei a mão à minha cabeça, sentindo uma dor aguda. A realidade veio como uma onda: eu tinha sido atropelada. Mas por quê? Como?“Você foi atropelada por um carro. Um senhor estava distraído, e você acabou sendo atingida. Estou te levando para ser atendida,” ele disse, continuando a caminhar com uma firmeza preocupante.“Não, eu estou bem. Não preciso de atendimento,” protestei, tentando me mover nos braços dele. O hospital particular estava a poucos metros, e o pensamento de entrar ali como pacie
** Maria Silva**“Olá, falo com a senhora, Maria Silva?” A voz da mulher surge depois do meu alô.“Sim, sou eu mesma.”“Alguns exames ficaram prontos, e o doutor quer falar com você.”“Claro, eu vou para o hospital agora mesmo.”“Calma, senhora Maria, o doutor vai falar com você amanhã de manhã, por isso estou ligando para marcar.” “Obrigada.”Gabriel estava me olhando, e uma onda de vergonha me atingiu. Eu havia contado minha vida inteira para ele, um completo estranho que me salvou de um atropelamento e depois de outro quase acidente. Quem era ele? Por que se importava tanto comigo? “Maria, vamos voltar para a lanchonete e conversar. Talvez essa angústia que você está sentindo diminua um pouco,” ele sugeriu, com um tom suave.Suspirei, sentindo o peso de tudo que estava acontecendo. “Ah, Gabriel... Eu estou me sentindo tão incapaz, como se o mundo estivesse desabando na minha cabeça.”Ele me olhou com um ar de compreensão, mas também de impotência. “Eu não tenho filhos, mas consig
**Maria Silva**Eu estava em pânico. O hospital era um lugar onde eu jamais imaginei encontrá-lo, ainda mais onde meu filho estava. Mas ali estava Bruno, com seus olhos sombrios fixos em mim, como se pudesse enxergar cada um dos meus segredos.Tentei ser rápida, agir antes que ele se aproximasse. Aproveitei a oportunidade quando vi um paciente sendo levado em uma maca pelos corredores. Me misturei aos enfermeiros, como se fizesse parte daquela cena, tentando desaparecer no caos do hospital. Virei o corredor com eles, fazendo o máximo para parecer invisível. O coração disparado no peito, eu sabia que não tinha muito tempo. Só precisava chegar até o elevador, fugir daquele lugar antes que ele me encontrasse.Quando o elevador apareceu à minha frente, as portas estavam se fechando, e sem pensar, segurei a porta com as mãos trêmulas, forçando a entrada. Entrei na caixa metálica, o coração ainda batendo acelerado, uma pontada de esperança me atravessando – eu estava conseguindo fugir. Mas
**Maria Silva**“Eu vou gritar se você chegar perto de mim,” ele sorriu como se não acreditasse no que estava falando. “Socorro, socorro,” bati na porta como uma louca.Bruno se aproximou de mim, e meu corpo instintivamente tentou se afastar, embora a porta atrás de mim me impedisse de ir para qualquer lugar. Ele me olhava como se estivesse em total controle, e isso me apavorava. Eu precisava sair dali antes que ele me dominasse ainda mais, não só fisicamente, mas mentalmente. Eu já estava vulnerável demais e a última coisa que queria era que ele percebesse isso."Você me deixa tão excitado, Maria. Aceita minha proposta. Não vou deixar você escapar," ele disse, com uma voz que misturava desejo e ameaça. Sua respiração quente estava em meu pescoço, fazendo minha pele arrepiar contra minha própria vontade. Ele segurou minhas mãos contra a porta com firmeza, prendendo-me ali. Eu sentia cada movimento dele, e isso me deixava desesperada."Eu não quero dinheiro! Não quero nada de você" min
**Bruno de Alcântara e Leão**Quem tinha mandado flores para ela no hospital? Isso me deixou irritado. Eu tive vontade de arrancar aquelas flores das mãos dela e jogá-las no chão. A ideia de que outro homem estava tentando se aproximar de Maria me deixava fora de controle. Ela não tinha aceitado minha proposta, e essa resistência dela só me deixava mais fascinado. Quanto mais ela se afastava, mais eu queria tê-la. O que eu havia visto naquela mulher? Também não fazia ideia. Talvez fosse seu jeito, as artimanhas que usava para mentir ou a forma como os olhos dela brilhavam, mesmo quando estava visivelmente assustada. Uma verdadeira golpista. Só sabia que cada vez que a via, meu corpo reagia instantaneamente, meu desejo por ela se tornando insuportável."Por que eu deveria falar para você de quem eu ganhei flores?" A voz dela era firme, desafiadora. Ela me encarava com uma mistura de raiva e desprezo. "Saia de perto de mim, ou serei obrigada a ir até a polícia e fazer um boletim de ocor
**Maria Silva**Eu saí do hospital tão rápido, com medo que eles me seguissem. As flores, que ainda segurava nas mãos, já não tinham o mesmo impacto de antes. Eu tentava caminhar rápido, evitar chamar atenção, mas as vozes idiotas que vinham da rua eram inevitáveis. “Hoje tem!”, “Olha ela toda feliz, vai namorar hoje.” Eu só conseguia pensar no quão patético era ouvir aquelas bobagens quando, na verdade, minha vida estava desmoronando."Bando de idiotas", resmunguei baixinho, acelerando o passo.Dei a volta no quarteirão, olhando para trás, sempre vigilante. Desde que Bruno apareceu, eu sabia que precisava ser cuidadosa. Ele estava tão perto de Ben. Tinha que garantir que ninguém me seguisse, que nada nem ninguém prejudicasse o que eu estava tentando proteger. Meu filho. Meu pequeno Benício. Ele era tudo para mim. Tudo que me restava.As flores ficaram mais pesadas na minha mão conforme me aproximava da entrada lateral do hospital. A recepcionista tinha me dado aquelas coordenadas mai