Jason
Eu deveria estar em casa agora, ouvindo as risadas falsas das minhas antigas amigas e assistindo minha mãe se desdobrar para fazer o jantar perfeito. Era o mínimo que ela podia fazer depois de cinco anos sem saber se eu voltaria vivo. Mas, claro, havia um problema: Clara. Ela não tinha voltado para casa, e minha mãe insistiu para que eu fosse atrás dela no rinque. "Hoje é o aniversário dela, Jason", minha mãe disse com um suspiro pesado. "Só você e eu lembramos, e eu queria que ela estivesse aqui. Aquela menina já passou por muita coisa sozinha. Não merece passar seu aniversário na solidão mais uma vez". Mais uma vez? Então, quer dizer que os anos que eu passei longe, ela também passou sozinha? Era difícil dizer não para minha mãe, principalmente quando se tratava de Clara. Suspirei e peguei as chaves. As amigas dela nunca foram muitas, e as minhas — as que estavam em casa agora — eram justamente a razão de Clara preferir fugir em vez de comemorar. Eu sabia disso. Sempre soube. Além disso, nenhuma de suas amigas se fizeram presentes hoje, como sempre! No rinque, encontrei Clara no meio do gelo, deslizava como se quisesse deixar o mundo para trás. Esperei alguns minutos, observando-a, antes de me aproximar do alambrado. Seus patins cortam o gelo como ela corta qualquer vestígios de sentimento que ainda tenha por mim. Seus olhos vermelhos eram sinais de choro e dor. — Clara. — Minha voz cortou o silêncio do lugar. Ela parou abruptamente e me encarou. Seus olhos verdes estavam mais frios do que eu me lembrava. Rapidamente, ela secou as lágrimas com as costas das mãos e seguiu me ignorando, mas desta vez, parada. — O que você quer, Jason? Não deveria estar em casa, no aconchego das suas vadias? — Vim te buscar. Tá tarde. – Respondi bruscamente, sem rodeio e nem mais conversa. Ela riu, mas não havia diversão na risada. — E desde quando você se importa comigo? Eu sempre volto sozinha para casa, isso não vai mudar porque você voltou. — Não me importo. Minha mãe pediu. E, pra sua informação, ela lembrou do seu aniversário. Os olhos dela brilharam por um instante, mas logo a expressão fechada voltou. Como se nada fizesse mais sentido. — Que bom. Mais alguém além dela? — Eu também lembrei — falei, sem emoção. Mas, com um fio de esperança que ela percebesse que não me perdeu. Clara me lançou um olhar cético e voltou a tirar os patins, como se eu não estivesse ali. Esperei, com paciência. Aprendi a ter paciência para com ele lidar. Quando ela terminou, jogou os patins na bolsa e se aproximou. — Não vou voltar com você, Jason. Não quero ver suas amigas. Já basta ter que vê-las quase todos os dias, contra minha vontade. Suspirei. — Não vou te pedir duas vezes, Clara. — Ótimo, porque eu não vou mesmo. Ela passou por mim, mas lá fora a chuva começava a cair, pesada e gelada. Percebi a hesitação em seus passos lentos e silenciosos. — Vai mesmo andar na chuva até em casa? — perguntei, a voz baixa e firme. Encostado no corrimão. — Vou, sim. Prefiro a chuva do que aquele circo na sua casa. Quem sabe, até eu chegar lá, aquelas vadias já tenham ido embora. O olhar dela me desafiava, como sempre. Mas eu não tinha saído da Marinha para perder batalhas com Clara. Não agora, no meio de uma tempestade. — Entra no carro, Clara. — Minha voz soou como uma ordem. — Não recebo ordens de você — ela rebateu, encarando a chuva. Ela deu dois passos em direção à rua, mas a chuva se intensificou, e eu soube que a vitória era minha. Sem dizer nada, peguei o guarda-chuva no banco de trás e abri. — Anda logo — falei. — Ou você quer pegar uma pneumonia e morrer? Clara hesitou, mas por fim soltou um suspiro frustrado e se aproximou. Entrei no carro, e ela fez o mesmo, jogando a bolsa com os patins no banco de trás. Onde iria sentar também. — Eu ainda não mordo. – Ela hesitou, mas finalmente sentou ao meu lado. Clara Eu deveria ter recusado a carona. Deveria ter andado na chuva e ignorado Jason. Mas a verdade é que, por mais que o odiasse, ele era uma solução mais prática do que andar molhada até em casa. O silêncio entre nós era pesado, e eu tentei me distrair olhando pela janela. O cheiro dele — um misto de chuva e couro — invadiu meus sentidos, e, apesar de mim mesma, meu coração começou a bater mais rápido. — Minhas amigas estão em casa — ele disse de novamente o que já sabíamos. Revirei os olhos. — As mesmas que me fizeram a vida um inferno na escola? Que delícia. Mas vai ser uma pena, não.posso ficar. Não estão esperando por mim. Ele não respondeu. Jason nunca pedia desculpas. Nunca admitia nada. Era sempre esse bloco de gelo inquebrável. — Minha mãe preparou um jantar pra você — ele disse depois de um tempo calado. — Ela fez tudo junto, você sabe como ela é. — Não quero. Não quero nada que envolva ter que suporta pessoas insuportáveis. Ele soltou um suspiro curto. — Eu sei que não gosta delas. Nem eu gostava muito, mas faz isso pela sua madrinha. Vê se abandona um pouco dessa ingratidão, Clara. Aquela frase me pegou de surpresa. Olhei para ele, mas Jason manteve os olhos na estrada, o rosto inexpressivo. — Se não se importa, então por que estão lá? E para sua informação, não estou sendo ingrata, de forma alguma. Eu só não vou ficar em um ambiente que não me cabe. — Minha mãe queria que fosse uma comemoração. E você sabe como ela é. Ela só quer te ver feliz também. Havia um cansaço na voz dele que eu não esperava. Jason parecia… diferente. Não melhor, mas como alguém que havia aprendido a engolir o mundo. E isso lhe da traços mais frios e arrogante. O carro parou em frente à floricultura. Como eu pedi ao entrar. A chuva caía forte, batendo contra o para-brisa. — Vai comemorar seu aniversário aqui? — ele perguntou, o olhar finalmente encontrando o meu. — Vou. Algum problema? Ele ficou em silêncio por alguns segundos, como se ponderasse algo. — Não, sem problema algum. Feliz aniversário, Clara. Aquelas palavras, ditas com uma frieza quase mecânica, me atingiram de uma forma que eu não esperava. Por que ele ainda mexe tanto comigo? Por que ainda tem o poder de me deixar nervosa com suas palavras rudes e sem carinho? — Obrigada, eu acho — respondi, saindo do carro antes que ele pudesse dizer mais alguma coisa. Por um breve momento, pensei que ele fosse me oferecer um guarda-chuva, mas nada saiu e era apenas eu contra o.resto da noite agora. Jason Observei-a correr para dentro da floricultura, e algo em mim se apertou. A Clara que eu conheci na infância não estava mais ali. Em seu lugar havia uma mulher que não precisava de ninguém, muito menos de mim. Girei as chaves no contato, mas não liguei o carro. Em vez disso, fiquei ali por alguns segundos, observando a chuva escorrer pelo para-brisa. Hoje era o aniversário dela, e eu sabia que aquela comemoração na minha casa seria uma piada cruel para Clara. Além disso, eu não quero ter que forçar ela a ficar perto de mim. Mas, se ela não queria estar lá, por que eu me importava? Porque, por mais que tentasse negar, Clara sempre foi mais do que a menina da minha infância. Ela era a única coisa constante nos meus pensamentos, a obsessão silenciosa que eu nunca tive coragem de admitir. E agora, ela estava mais distante do que nunca. Liguei o carro e acelerei, deixando a floricultura para trás. Mas, no fundo, sabia que essa batalha entre nós estava longe de terminar. Algo nela parece estar quebrado e ela tenta se esconder, como sempre fez. Voltei para casa e minha mãe ainda estava lá, com a mão na massa, preparando tudo. — Onde ela está? — Minha mãe buscou por ela, mas não a viu em lugar algum, então sua feição endureceu e ela cruzou os braços. — Jason, ela ainda é a mesma, só fez crescer. Não vai me dizer que ela não estava no rinque? — Ela está na floricultura, mãe. Ela disse que quer ficar sozinha, eu não iria impedi-la. Sabe que ela não suporta essas garotas. Afinal, por que estão aqui? Não havia nada para comemorar, minha volta não era nada de importante, era só mais uma batalha vencida. — Não sei. Achei que você tinha as convidado. Pensei em fazer alguma coisa por causa da Clara, pensei que pudesse ser apenas nós três. – Seus sussurros são baixos, para que ninguém escutasse, além de mim. — Não precisa se preocupar com muita coisa. Eu não vou suportar isso por muito tempo. Estou cansado e quero conversa um pouco com a minha querida mãe. — Jason... Sempre tão carinhoso. Sabia que eu tenho sorte por ter você como meu filho? Tenho sorte também pela vida ter me dado a Clara, vocês são tudo para mim.ClaraO vinho descia quente pela minha garganta, e com ele, cada lembrança dolorosa parecia vir à tona. Como o beijo em que Jason me deu quando eu tinha 16 anos. Meu primeiro e inesquecível beijos, depois daquele dias, aquilo só se repetiu mais duas vezes e até então, são só lembranças. Estava sentada no chão da floricultura, após tomar um banho quente, na parte onde minha madrinha reconstruiu, — para que eu pudesse passar o dia com ela sem ter que ir para — casa cercada pelas rosas que tanto amava e que, naquele momento, não eram capazes de me trazer conforto algum. Minhas pernas estavam esticadas, e a garrafa de vinho descansava entre elas. A barra do meu vestido subiu, revelando cicatrizes que eu nunca quis que ninguém visse. Marcas que carregavam mais dor do que qualquer palavra que eu fosse capaz de dizer em voz alta. Naquele dia eu estava sozinha, como sempre estive. Desde então, tudo parece uma monótona rotina tediosa, que se prolonga dia pós dia. Hoje deveria ser um dia de c
JasonQuando ela me soltou, senti que estávamos mais próximos que nunca. A verdade é que, sempre pertencemos um ao outro de alguma forma. — Feliz aniversário, Clara. — Minha voz saiu baixa, quase um sussurro, enquanto eu segurava o cupcake na frente dela. A vela acesa tremulava com o ar úmido da chuva que vinha de fora, iluminando por um instante o rosto cansado e os olhos marejados dela. Me vi perdido naquele olhar, como se estivesse olhando para Clara de anos atrás, quando chegou sozinha e desolada pelo luto. Clara piscou, confusa e ainda meio fora de si, mas suas mãos trêmulas tocaram o pequeno bolinho. Por um segundo, ela pareceu frágil, como se estivesse tentando se agarrar a qualquer migalha de carinho.— Sopra a vela — murmurei. — Você merece pelo menos isso. É seu aniversário. — Obrigada, Jason. Por tudo. Ela fechou os olhos e soprou, e o mundo pareceu parar. Era um momento pequeno, mas por algum motivo, pesado e cheio de significado. Eu não tinha ideia de como remediar o
ClaraQuando sair da floricultura, parei em um bar familiar e tomei algumas cervejas, já que eu volto sozinha. Tenho uma dor absurda na alma e sinto como se tivesse um buraco enorme nela, mas, quando Jason está por perto, eu me sinto... protegida. Quando cheguei em casa, minha madrinha havia saído com suas amigas e Jason estava sozinho em casa. Subi para meu quarto e me despi, quando de repetente, ele invadiu o quarto sem aviso.Jason estava perto, mais perto do que eu jamais imaginaria que estaria novamente. A chuva lá fora continuava caindo em um ritmo suave, enquanto dentro do quarto, o silêncio entre nós era denso e carregado de tensão. Eu não sabia se deveria me afastar ou simplesmente ceder. As memórias daquele primeiro beijo, quando eu tinha 17 anos, ressurgiram como uma maré que engoliu qualquer lógica que eu ainda tentava manter.— Jason... — sussurrei, a voz vacilando.Ele não disse nada. Seus olhos cinzentos me encaravam intensamente, como se estivesse lutando com algo den
ClaraA floricultura era o único lugar onde eu conseguia respirar. O cheiro de rosas, lírios e jasmim me envolvia como uma manta de conforto, afastando a sensação sufocante que Jason havia deixado para trás. Eu precisava de espaço, precisava fugir das memórias daquele beijo e da revelação devastadora sobre Amélia.Alex me mandou uma mensagem no caminho para o trabalho: decidir trabalhar até às 23:00. Alex: "E então? Que tal jantar hoje à noite? Só nós dois." E só então, quase às 19:00 foi que eu vi sua mensagem, que ele enviou mais cedo. A tentação de aceitar surgiu imediatamente. Eu sabia que ele estava tentando ser gentil e que sua companhia poderia me ajudar a esquecer, ao menos por algumas horas, o desastre que minha vida havia se tornado.Clara: "Ok. Às nove?"Ele respondeu com um emoji sorridente e um simples “Combinado”, e foi isso.Passei restante do tempo que falava cercada pelas flores, mas a paz que tanto buscava parecia fora de alcance. O beijo de Jason ainda queimava me
JasonA casa estava envolta em silêncio. Minha mãe dormia profundamente, e as luzes estavam apagadas. Mas eu não conseguia descansar. O jantar com Alex mexeu comigo de um jeito que eu não queria admitir. Cada minuto em que Clara esteve longe parecia uma afronta, uma confirmação de que ela estava escapando de mim, novamente e agora eu já não posso fazer mais nada. Quando ouvi o som suave da porta se fechando, soube que era ela. Levantei da cama sem pensar, guiado por um impulso que eu não entendia bem. Eu precisava vê-la. Precisava entender por que, mesmo depois de tudo, ela ainda conseguia me deixar assim: inquieto, confuso e com raiva ao mesmo tempo. Porém, a necessidade de senti-la novamente é mais forte que eu. Abri a porta do quarto dela sem bater, como sempre fazia. O direito de invadir o espaço dela havia se tornado um hábito difícil de largar. Mas, dessa vez, o que vi me tirou o fôlego.Clara estava sentada na cama, uma mala aberta ao lado. Que porra é está acontecendo? — O
Clara Não conseguir dormir, os pensamentos sempre se voltam para Jason e acabam me quebrando ainda mais. Quando sair do quarto, minha madrinha já havia colocado a mesa para o café da manhã. Por um momento, senti meu peito doer por saber que essa será a última vez que estaremos nos sentando juntos para um café da manhã. — Bom dia, madrinha. — Lhe dei um beijo no rosto e um abraço em seguida. Não era surpresa alguma, mas de alguma forma diferente, Jason mexeu ainda um pouco mais comigo hoje. Ele estava descendo as escadas vestido com um roupão. Por um momento, imaginei que Amélia fosse descer também, mas nada disso aconteceu e por um instante, nosso olhares se cruzaram. — Sentem-se, ou estão esperando que eu também o façam sentar? — Como sempre, ela é receptiva demais em tudo que faz e isso, de certa forma, faz eu me sentir como se eu fosse uma ingrata. Nos sentamos e o clima não era o mesmo. Havia uma nuvem de sobrecarga ali, entre mim e Jason, como se alguma coisa nos impedisse
Alguns dias depois... Jason Amélia estava deitada na minha cama, mexendo no celular e rindo sozinha de alguma mensagem que havia recebido. Eu, encostado na porta do quarto, não conseguia tirar Clara da cabeça. A cena dela saindo com Alex no bingo havia acendido uma raiva que eu mal conseguia controlar. Não sei até quando irei com seguir controlar tudo isso, alguma hora vou acabar explodindo. — Jason? — Amélia chamou, sem tirar os olhos da tela. — Preciso voltar para Nova York amanhã. Tenho um projeto importante na faculdade e não posso faltar. Já tirei mais dias do que eu deveria para vir te ver. — Não precisava fazer isso por mim. — Ela me olhou de relance, mas voltou a olhar para gela do celular novamente. — Jason... não precisa ser assim, quando eu estiver formada em direito, vamos ter mais tempo para nós dois. Mas estarei fazendo o que puder para que nosso casamento seja perfeito. Eu assenti, como se isso importasse. — Tudo bem. Vou resolver as coisas do casamento daqui
JasonO aroma familiar de lavanda e terra molhada da floricultura encheu meus pulmões assim que abri a porta. Fazia cinco anos que eu não pisava aqui. A casa estava quase idêntica ao que eu lembrava – acolhedora, cheia de flores por todos os lados. Mas o ar, aquele que me envolvia agora, era mais denso. Parecia que estava voltando no tempo, parece até... com o dia que Clara chegou para morar conosco. Minha mãe estava ao telefone no balcão da loja, sem perceber minha presença. Seus cachos loiros balançavam conforme ela gesticulava, provavelmente organizando mais uma das suas festas sociais. Minhas amigas de infância estavam ali, rindo, distraídas com alguma conversa animada. Ninguém sabia que eu voltaria hoje. Afinal, elas sempre vem visitar minha mãe, mas o que me intriga é: por quê? "Surpresa", pensei, deixando um sorriso discreto se formar nos lábios. Embora não fosse sincero. Antes que eu pudesse me anunciar, ouvi passos leves vindo do corredor. Quando me virei, meu olhar encont