Clara
A floricultura era o único lugar onde eu conseguia respirar. O cheiro de rosas, lírios e jasmim me envolvia como uma manta de conforto, afastando a sensação sufocante que Jason havia deixado para trás. Eu precisava de espaço, precisava fugir das memórias daquele beijo e da revelação devastadora sobre Amélia. Alex me mandou uma mensagem no caminho para o trabalho: decidir trabalhar até às 23:00. Alex: "E então? Que tal jantar hoje à noite? Só nós dois." E só então, quase às 19:00 foi que eu vi sua mensagem, que ele enviou mais cedo. A tentação de aceitar surgiu imediatamente. Eu sabia que ele estava tentando ser gentil e que sua companhia poderia me ajudar a esquecer, ao menos por algumas horas, o desastre que minha vida havia se tornado. Clara: "Ok. Às nove?" Ele respondeu com um emoji sorridente e um simples “Combinado”, e foi isso. Passei restante do tempo que falava cercada pelas flores, mas a paz que tanto buscava parecia fora de alcance. O beijo de Jason ainda queimava meus lábios, e a verdade amarga sobre sua noiva não saía da minha cabeça. A cada vez que eu fechava os olhos, via aquele olhar que ele lançou antes de descer as escadas — o mesmo olhar que me destruiu anos atrás, quando tudo começou. Jason Quando Clara voltou para casa, já era noite. Eu estava sentado no sofá da sala, aguardando, com uma garrafa de uísque ao meu lado. O beijo que trocamos havia sido um erro. Um erro que eu não poderia repetir, por mais que parte de mim quisesse. Assim que ela entrou, ergui os olhos e joguei uma farpa afiada, sem pensar: — Então, depois de uma noite agitada, resolveu finalmente aparecer? Ela parou na porta, me encarando com aqueles olhos que eu conhecia tão bem, mas que agora pareciam mais distantes. — Não foi nada agitado, comparado ao que está por vir. Boa tarde pra você também, Jason. Eu me levantei, dando alguns passos até ela. Mantive a distância mínima necessária para que ela soubesse que, apesar de tudo, eu ainda estava ali, a cercando. Ela estava desafiadora, e seu tom de voz, com convicção demais. — Saiu escondida de novo? — perguntei, minha voz fria como gelo. — Do que tem medo? Clara ergueu o queixo, determinada a não ceder ao meu tom. — Não preciso te dar satisfações. Não sou mais uma adolescente, Jason. E a única coisa que me dá medo, é essa sua arrogância sem fim. E além disso, deveria saber que eu trabalho, deveria experimentar um pouco. Eu ri, sem humor. Mas suas palavras me atingiram, de certa forma, eu me senti um lixo naquele momento. — Não, você definitivamente não é mais uma garotinha. Aliás, porque estava entrando escondida? E por que está de volta tão cedo? Ela desviou o olhar, apertando os lábios, como se tentasse ignorar as palavras que joguei. Mas eu a conhecia bem demais para não perceber a pontada de dor em seu rosto. — Alex me chamou para jantar — disse ela, de repente, lançando as palavras como se fossem um escudo. — Vir mas cedo porque tenho que me arrumar, você sabe... uma roupa bonita para passar uma boa visão. Senti meu maxilar se apertar ao ouvir o nome dele. E como ela estava se mencionando, como se hoje fosse ter algo mais que apenas um jantar. E tudo isso mexe comigo de um jeito incontrolável. — Alex? Esse cara é seu tipo agora? Não sabia que você curtia babacas. Clara cruzou os braços, desafiadora. — Pelo menos ele não me trata como lixo, como você. E eu já curti muito um certo babaca, chamando Jason, cujo é uma pessoa sem escrúpulos e a única coisa que fez de bom foi me humilhar, em toda a minha adolescência. Preciso dizer algo mais? Respirei fundo, tentando controlar o turbilhão que rodopiava dentro de mim. Mas não consigo, ela está certa em cada palavra e eu me sinto um lixo em cada uma delas. — Minha mãe sabe que você vai sair? — Ela está feliz. Disse que é bom eu me socializar mais — Clara respondeu, lançando um olhar firme. — Você também deveria estar feliz. Pode dar meu quarto para alguma amiga da sua noiva dormir, eu não importo. Eu balancei a cabeça, dando um passo para trás. — Claro. Socializar. Parece divertido. — É, Jason. Socializar pode ser divertido, não é? Ela passou por mim sem dizer mais nada, indo direto para o quarto. E eu fiquei ali, parado, com as palavras presas na garganta e o peito apertado com algo que eu não conseguia nomear. Ciúme? Arrependimento? Não importava. Clara No meu quarto, me arrumei lentamente, tentando não pensar no que Jason havia dito — ou melhor, no que ele não disse. Cada vez que eu tentava me afastar dele, ele me puxava de volta com suas palavras frias e olhares intensos. E quando eu me aproximava, ele me empurrava para longe, como se estivesse determinado a me manter na borda de sua vida. Alex era uma distração bem-vinda. Mesmo que eu soubesse que sair com ele era mais uma fuga do que qualquer outra coisa, eu precisava disso. Precisava me lembrar de que ainda havia vida fora do caos que Jason trazia para mim. Antes de sair, passei pela cozinha, onde minha madrinha estava preparando o jantar. — Vai sair, querida? — ela perguntou, sorrindo ao me ver pronta. — Você está linda. Não está, Jason? — Ele fez questão de sair após a pergunta, ignorando completamente sua mãe. — Sim, Alex me convidou para jantar. — Sorri sem graça. — Isso é ótimo! Fico feliz por você estar se socializando mais — disse ela, me abraçando de leve. — Só não volte muito tarde, tá? Qualquer coisa me liga, que eu vou te buscar. Assenti, devolvendo o sorriso. Mas antes que pudesse ir, ela acrescentou: — Ah, e Jason mencionou algo sobre você sair... Ele parecia... preocupado. Eu quase ri, mas me segurei. Preocupado? Jason? Aquele homem era tudo, menos preocupado. — Não se preocupe, madrinha. Ele só está sendo... Jason. E da próxima vez, diga a ele que se preocupe com a noiva dele, não comigo. Ela me lançou um olhar curioso, mas não insistiu. E eu saí, pronta para uma noite que, esperava, me ajudaria a esquecer os fantasmas que Jason sempre deixava para trás. Jason Eu assisti Clara sair pela janela da sala, uma sombra de desconforto crescendo dentro de mim. Ela estava linda. Mais linda do que eu queria admitir. E ela estava indo para os braços de outro homem. Peguei meu celular e o deslizei entre os dedos, hesitante. Amélia havia mandado uma mensagem mais cedo, perguntando sobre planos para o jantar, mas eu não respondi. Meu foco estava em outra coisa. Ou melhor, em outra pessoa. Apertei o celular na mão, sentindo a frustração crescer. Clara sempre soube como me desestabilizar, mesmo sem perceber. E agora, lá estava ela, saindo com Alex, deixando-me sozinho com as memórias do que tínhamos — e do que nunca poderíamos ter. Levantei-me do sofá e fui até a cozinha, onde minha mãe ainda estava. — O jantar vai ser só para nós dois, então? — perguntei, tentando soar casual. Ela me olhou de soslaio, como se soubesse que algo mais estava acontecendo. — Parece que sim. Clara saiu com o Alex. Isso é bom para ela, sabe? Mas você não parece feliz. Isso é bom, não é? Assenti, tentando disfarçar o incômodo. — Claro. Muito bom. Tomara que ela se divirta. Minha mãe sorriu suavemente, mas seus olhos carregavam uma preocupação silenciosa. — Jason... Não a machuque mais do que já a machucou. Eu não sou boba, sei que alguma coisa rola entre vocês dois. Mas não a machuque mais, por favor. Lembre-se, agora você tem uma noiva e ela não se chama Clara, se chama Amélia. Engoli seco, incapaz de responder. Ela sempre soube ler nas entrelinhas, mesmo quando eu não queria admitir. Mas agora, parece que tudo em mim sente um grande incômodo por fazer as coisas sempre tão erradas. Voltei para a sala, sentando-me novamente no sofá. A noite estava apenas começando, e eu sabia que nada do que fizesse me afastaria da única pessoa que realmente importava. E isso era o que mais me assustava.JasonA casa estava envolta em silêncio. Minha mãe dormia profundamente, e as luzes estavam apagadas. Mas eu não conseguia descansar. O jantar com Alex mexeu comigo de um jeito que eu não queria admitir. Cada minuto em que Clara esteve longe parecia uma afronta, uma confirmação de que ela estava escapando de mim, novamente e agora eu já não posso fazer mais nada. Quando ouvi o som suave da porta se fechando, soube que era ela. Levantei da cama sem pensar, guiado por um impulso que eu não entendia bem. Eu precisava vê-la. Precisava entender por que, mesmo depois de tudo, ela ainda conseguia me deixar assim: inquieto, confuso e com raiva ao mesmo tempo. Porém, a necessidade de senti-la novamente é mais forte que eu. Abri a porta do quarto dela sem bater, como sempre fazia. O direito de invadir o espaço dela havia se tornado um hábito difícil de largar. Mas, dessa vez, o que vi me tirou o fôlego.Clara estava sentada na cama, uma mala aberta ao lado. Que porra é está acontecendo? — O
Clara Não conseguir dormir, os pensamentos sempre se voltam para Jason e acabam me quebrando ainda mais. Quando sair do quarto, minha madrinha já havia colocado a mesa para o café da manhã. Por um momento, senti meu peito doer por saber que essa será a última vez que estaremos nos sentando juntos para um café da manhã. — Bom dia, madrinha. — Lhe dei um beijo no rosto e um abraço em seguida. Não era surpresa alguma, mas de alguma forma diferente, Jason mexeu ainda um pouco mais comigo hoje. Ele estava descendo as escadas vestido com um roupão. Por um momento, imaginei que Amélia fosse descer também, mas nada disso aconteceu e por um instante, nosso olhares se cruzaram. — Sentem-se, ou estão esperando que eu também o façam sentar? — Como sempre, ela é receptiva demais em tudo que faz e isso, de certa forma, faz eu me sentir como se eu fosse uma ingrata. Nos sentamos e o clima não era o mesmo. Havia uma nuvem de sobrecarga ali, entre mim e Jason, como se alguma coisa nos impedisse
Alguns dias depois... Jason Amélia estava deitada na minha cama, mexendo no celular e rindo sozinha de alguma mensagem que havia recebido. Eu, encostado na porta do quarto, não conseguia tirar Clara da cabeça. A cena dela saindo com Alex no bingo havia acendido uma raiva que eu mal conseguia controlar. Não sei até quando irei com seguir controlar tudo isso, alguma hora vou acabar explodindo. — Jason? — Amélia chamou, sem tirar os olhos da tela. — Preciso voltar para Nova York amanhã. Tenho um projeto importante na faculdade e não posso faltar. Já tirei mais dias do que eu deveria para vir te ver. — Não precisava fazer isso por mim. — Ela me olhou de relance, mas voltou a olhar para gela do celular novamente. — Jason... não precisa ser assim, quando eu estiver formada em direito, vamos ter mais tempo para nós dois. Mas estarei fazendo o que puder para que nosso casamento seja perfeito. Eu assenti, como se isso importasse. — Tudo bem. Vou resolver as coisas do casamento daqui
JasonOs dias seguintes foram confusos. Clara nunca tinha sido fácil de decifrar, mas agora, parecia impossível. Desde o momento em que saiu da casa de Helena, rindo como se nada importasse, algo começou a me incomodar mais do que eu queria admitir. Amélia percebia minha distração, mas não dizia nada. Talvez ela soubesse que não adiantaria tentar arrancar de mim o que estava preso na minha mente.Hoje, eu estava voltando à casa de Helena para resolver algumas pendências com a mudança. Amélia já havia começado a organizar as coisas, e eu sabia que não teria como evitar Clara para sempre.Quando estacionei em frente à casa, Clara estava lá. Sentada na varanda com Helena, tomando chá como se nada tivesse mudado. Elas riam de algo, uma cena tão familiar que me fez hesitar antes de descer do carro.Respirei fundo e fui em direção à entrada.— Jason! — Helena me cumprimentou com o mesmo entusiasmo de sempre. — Já terminou tudo na nova casa? — O entusiasmo da minha mãe deveria me deixar empo
ClaraOs sons da festa ecoavam em minha cabeça enquanto eu cambaleava pelas ruas. A música pulsava, mas eu só sentia um vazio. O álcool havia me tomado por completo, e eu precisava de algo que não fosse um copo na mão. Não costume beber ao ponto de sentir meu corpo adormecer, mas hoje, acho que a única coisa de que eu preciso é exatamente disso. Mas por ora, Icy já não era mais o meu lugar. Caminhei pela ruas desertas e frias, sentindo meu corpo suplicando por ajuda em silêncio, foi quando entrei no bar, reconheci alguns rostos familiares. Alex estava lá, acompanhado com alguns de seus amigos, mas meu olhar foi direto para Jason. Ele estava em uma mesa, rindo, mas logo seu sorriso desapareceu quando me viu. As lembranças do nosso último encontro ainda estavam frescas.— Clara! — Ele chamou, levantando-se e vindo em minha direção. Como se eu fosse sua prole. — Não, Jason. Hoje não, por favor. Vamos manter a distância necessária — gritei, tentando me afastar. A pressão em meu peito au
ClaraA manhã chegou com o brilho cruel do sol invadindo a sala. Meu corpo estava pesado, mas minha mente, ainda mais. Jason estava sentado na poltrona ao lado, o rosto cansado, mas atento. Quando percebi, ele já tinha preparado um chá e deixado na mesinha à minha frente. — Como você está? — ele perguntou, quebrando o silêncio e surgindo do nada, me dando um enorme susto.— Melhor, eu acho — respondi, a voz ainda rouca da noite anterior.Ele parecia aliviado, mas ainda carregava aquela tensão que vinha se tornando constante entre nós. Antes que pudesse dizer algo mais, meu celular vibrou no bolso do meu casaco. Era Helena, minha madrinha.— Bom dia, querida! Preciso de sua ajuda hoje — disse ela, com seu tom animado. — Vou escolher as rosas para o casamento do Jason e da Amélia.Meu corpo congelou. Jason desviou o olhar, claramente desconfortável.— Claro, Helena. Onde e que horas? — respondi, tentando manter minha voz neutra.— Nos encontramos na floricultura às dez.Desliguei, tent
ClaraO vento fresco da tarde batia contra meu rosto enquanto eu encarava a estrada através da janela do carro. Minha madrinha, Helena, estava ao meu lado, falando sobre os detalhes do casamento, mas suas palavras soavam distantes, abafadas pelo caos em minha mente. Como se eu pudesse fugir disso. — Você fez um gesto lindo, sabia? — Helena comentou, desviando os olhos da estrada para mim. — Mas, confesso que aí da estou impressionada com tanta... tanta disponibilidade da sua parte. — Só estou tentando ajudar — respondi, com um sorriso forçado. — Aliás, são só flores para o casamento do seu filho. — Ajudar ou se punir? — A pergunta dela veio como uma faca afiada. — E não são somente flores, são as flores que você cultiva. — Eu sei, madrinha. Mas qual diferença iria fazer se eu aceitasse o dinheiro dela? Que sejam felizes, como desejam. Eu só fiz a minha parte, não por eles, mas porque a senhora me ensinou valores que não podem ser pagos com dinheiro. — E esse valor aplica-se també
JasonO aroma familiar de lavanda e terra molhada da floricultura encheu meus pulmões assim que abri a porta. Fazia cinco anos que eu não pisava aqui. A casa estava quase idêntica ao que eu lembrava – acolhedora, cheia de flores por todos os lados. Mas o ar, aquele que me envolvia agora, era mais denso. Parecia que estava voltando no tempo, parece até... com o dia que Clara chegou para morar conosco. Minha mãe estava ao telefone no balcão da loja, sem perceber minha presença. Seus cachos loiros balançavam conforme ela gesticulava, provavelmente organizando mais uma das suas festas sociais. Minhas amigas de infância estavam ali, rindo, distraídas com alguma conversa animada. Ninguém sabia que eu voltaria hoje. Afinal, elas sempre vem visitar minha mãe, mas o que me intriga é: por quê? "Surpresa", pensei, deixando um sorriso discreto se formar nos lábios. Embora não fosse sincero. Antes que eu pudesse me anunciar, ouvi passos leves vindo do corredor. Quando me virei, meu olhar encont