ClaraA manhã chegou com o brilho cruel do sol invadindo a sala. Meu corpo estava pesado, mas minha mente, ainda mais. Jason estava sentado na poltrona ao lado, o rosto cansado, mas atento. Quando percebi, ele já tinha preparado um chá e deixado na mesinha à minha frente. — Como você está? — ele perguntou, quebrando o silêncio e surgindo do nada, me dando um enorme susto.— Melhor, eu acho — respondi, a voz ainda rouca da noite anterior.Ele parecia aliviado, mas ainda carregava aquela tensão que vinha se tornando constante entre nós. Antes que pudesse dizer algo mais, meu celular vibrou no bolso do meu casaco. Era Helena, minha madrinha.— Bom dia, querida! Preciso de sua ajuda hoje — disse ela, com seu tom animado. — Vou escolher as rosas para o casamento do Jason e da Amélia.Meu corpo congelou. Jason desviou o olhar, claramente desconfortável.— Claro, Helena. Onde e que horas? — respondi, tentando manter minha voz neutra.— Nos encontramos na floricultura às dez.Desliguei, tent
ClaraO vento fresco da tarde batia contra meu rosto enquanto eu encarava a estrada através da janela do carro. Minha madrinha, Helena, estava ao meu lado, falando sobre os detalhes do casamento, mas suas palavras soavam distantes, abafadas pelo caos em minha mente. Como se eu pudesse fugir disso. — Você fez um gesto lindo, sabia? — Helena comentou, desviando os olhos da estrada para mim. — Mas, confesso que aí da estou impressionada com tanta... tanta disponibilidade da sua parte. — Só estou tentando ajudar — respondi, com um sorriso forçado. — Aliás, são só flores para o casamento do seu filho. — Ajudar ou se punir? — A pergunta dela veio como uma faca afiada. — E não são somente flores, são as flores que você cultiva. — Eu sei, madrinha. Mas qual diferença iria fazer se eu aceitasse o dinheiro dela? Que sejam felizes, como desejam. Eu só fiz a minha parte, não por eles, mas porque a senhora me ensinou valores que não podem ser pagos com dinheiro. — E esse valor aplica-se també
ClaraO céu estava em tons de cinza quando cheguei em casa. O vento frio soprava contra meu rosto, mas eu mal sentia. Cada passo parecia me arrastar para um vazio mais profundo, como se a própria terra estivesse prestes a me engolir. Nunca havia sentido um mal-estar tão grande, e pela primeira vez não consigo encontrar uma solução para essa dor latejante. Assim que fechei a porta, o silêncio da casa me envolveu, pesado e cruel. Uma parte de mim queria se permitir desabar, mas eu sabia que não podia. Não agora. Não mais. Já havia me perdido por tempo demais em algo que só me causava dor.Peguei o celular e abri a lista de contatos. Jason. O nome brilhava na tela, como uma ferida que se recusa a cicatrizar. Minha mente gritava para não fazer aquilo, mas meu coração estava exausto demais para resistir.Bloquear.A palavra brilhou na tela por um instante, tão simples e definitiva. Meus dedos hesitaram apenas por um segundo antes de confirmar a ação. Uma onda de alívio frio percorreu meu
ClaraE pela primeira vez depois de muito tempo, eu estava parada de frente ao espelho, com a grande indecisão de decidir o que iria vestir para sair com Catarina. Após quase uma hora provando algumas peças, optei pelo casual mesmo; um vestido acima dos joelhos, com um pequeno decote nos seios e um ajuste na cintura, que a deixava marcada. O bar estava mais movimentado do que eu imaginava. O som abafado da música misturava-se ao burburinho de conversas, risadas e o tilintar de copos. Catarina entrou na minha frente, vibrante e animada como sempre. Ela parecia ser feita para lugares assim, onde as luzes piscavam como estrelas e a energia era quase palpável.Eu, por outro lado, me sentia deslocada. Já fazia muito tempo desde que estive em um lugar como esse, e a ideia de relaxar parecia um conceito estranho. Mas Catarina insistiu, e eu não consegui recusar.— Vamos, Clara. Você precisa disso! — disse ela, puxando-me pelo braço em direção a uma mesa vazia. — Além disso, é só uma noite.
ClaraEu sabia que ele estava lá. Era sempre assim, como uma sombra que se recusava a me deixar. Os passos dele ecoavam na calçada atrás de mim, mas eu me recusava a olhar para trás. O Jason que eu conheci não existia mais. Ele não era mais o garoto que eu sempre desejei, que eu sempre vi como meu herói, mesmo na verdade sendo completamente o contrário. Éramos como dois estranhos dentro de casa, isso deveria ter permanecido assim, não mudado porque ele voltou. Afina, ele não me pertence, ou melhor, nunca me pertenceu e eu insisto em me magoar sozinha. — Clara, por favor, espere! — Ele chamou, a voz carregada de urgência, mas eu continuei andando. — Pela primeira vez vamos agir como adultos e conversar. Eu não quero nada de você, mas a gente não conversa desde que eu voltei, eu só te peço uma única chance. Só hoje, por favor! Era difícil não me virar, não encará-lo, mas eu não podia ceder. Ele já havia me machucado o suficiente, e eu precisava me proteger dessa vez.Finalmente, meus
ClaraEu fiquei ali, parada, olhando para as costas de Jason enquanto ele se afastava. Cada passo que ele dava parecia arrancar um pedaço de mim, mas eu não podia correr atrás dele. Não dessa vez. Eu tinha que ser forte, mesmo que isso significasse conviver com a dor.Assim que ele desapareceu na esquina, eu me permiti respirar fundo, mas não consegui evitar que as lágrimas caíssem. Jason sempre soube como mexer comigo, como fazer o mundo parecer menor quando estávamos juntos. Mas agora ele era um homem comprometido, e eu não podia permitir que ele me destruísse mais uma vez.Enquanto enxugava o rosto, meu telefone vibrou no bolso. Era Amélia. A mensagem simples me atingiu como um soco no estômago:“Precisamos conversar.”O que mais ela queria agora? Será que sabia que Jason tinha vindo atrás de mim? Minha mente começou a girar, criando cenários que me deixavam ainda mais tensa. Amélia era inteligente, estratégica. Se ela estava me procurando, não era por acaso.Suspirei e decidi não
Clara Os dias seguintes foram uma mistura de monotonia e tensão. A conversa com Amélia ainda ecoava na minha mente, e cada palavra que ela dizia parecia ter sido calculada para me desestabilizar. Mas, por mais que quisesse me livrar dessa situação, Jason continuava me prendendo de alguma forma, mesmo sem querer. Na floricultura, tentei me ocupar com as encomendas de fim de ano. Trabalhar com flores sempre foi uma forma de aliviar a mente, mas nem mesmo o perfume das rosas ou o toque das pétalas macias me acalmavam. Até que Alex apareceu. — Clara, você está bem? — Ele perguntou, entrando com o ar casual de sempre, mas os olhos carregados de preocupação. — Estou. Por que a pergunta? — No fundo, eu ainda estava brava por ele não ter me contado que era primo de Amélia. Ele se aproximou do balcão e apoiou os cotovelos, como fazia quando queria ter uma conversa séria. — Fiquei sabendo que Amélia foi até sua casa. — Seu olhar de pena sobre mim, me fazia querer dizer algo a ele, mas m
Clara Não demoramos muito no rinque. Jason e eu bebemos alguns drinks antes de cada um tomar seu próprio rumo novamente. Ele me deixou na floricultura e foi embora com seu carro, andando devagar até desaparecer entre a neblina. A noite estava estranhamente silenciosa depois que Jason foi embora. O vento sussurrava pelos galhos das árvores, e o som distante dos carros na avenida parecia um eco de tudo o que eu tentava ignorar. Mas a verdade era que o silêncio externo não refletia o caos dentro de mim. Minha mente era um turbilhão de emoções, meámórias e dúvidas. Voltei para dentro da floricultura, trancando a porta como se isso pudesse proteger meu coração de novos ataques. Sentei-me atrás do balcão, olhando para as flores que tinham sido deixadas para trás no final do dia. Rosas, lírios, girassóis. Cada uma delas carregava um significado, mas todas pareciam desbotadas diante do que eu sentia. Jason sempre teve esse poder sobre mim. Mesmo quando estávamos longe, ele conseguia fazer