ClaraO vento fresco da tarde batia contra meu rosto enquanto eu encarava a estrada através da janela do carro. Minha madrinha, Helena, estava ao meu lado, falando sobre os detalhes do casamento, mas suas palavras soavam distantes, abafadas pelo caos em minha mente. Como se eu pudesse fugir disso. — Você fez um gesto lindo, sabia? — Helena comentou, desviando os olhos da estrada para mim. — Mas, confesso que aí da estou impressionada com tanta... tanta disponibilidade da sua parte. — Só estou tentando ajudar — respondi, com um sorriso forçado. — Aliás, são só flores para o casamento do seu filho. — Ajudar ou se punir? — A pergunta dela veio como uma faca afiada. — E não são somente flores, são as flores que você cultiva. — Eu sei, madrinha. Mas qual diferença iria fazer se eu aceitasse o dinheiro dela? Que sejam felizes, como desejam. Eu só fiz a minha parte, não por eles, mas porque a senhora me ensinou valores que não podem ser pagos com dinheiro. — E esse valor aplica-se també
JasonO aroma familiar de lavanda e terra molhada da floricultura encheu meus pulmões assim que abri a porta. Fazia cinco anos que eu não pisava aqui. A casa estava quase idêntica ao que eu lembrava – acolhedora, cheia de flores por todos os lados. Mas o ar, aquele que me envolvia agora, era mais denso. Parecia que estava voltando no tempo, parece até... com o dia que Clara chegou para morar conosco. Minha mãe estava ao telefone no balcão da loja, sem perceber minha presença. Seus cachos loiros balançavam conforme ela gesticulava, provavelmente organizando mais uma das suas festas sociais. Minhas amigas de infância estavam ali, rindo, distraídas com alguma conversa animada. Ninguém sabia que eu voltaria hoje. Afinal, elas sempre vem visitar minha mãe, mas o que me intriga é: por quê? "Surpresa", pensei, deixando um sorriso discreto se formar nos lábios. Embora não fosse sincero. Antes que eu pudesse me anunciar, ouvi passos leves vindo do corredor. Quando me virei, meu olhar encont
JasonEu deveria estar em casa agora, ouvindo as risadas falsas das minhas antigas amigas e assistindo minha mãe se desdobrar para fazer o jantar perfeito. Era o mínimo que ela podia fazer depois de cinco anos sem saber se eu voltaria vivo. Mas, claro, havia um problema: Clara. Ela não tinha voltado para casa, e minha mãe insistiu para que eu fosse atrás dela no rinque. "Hoje é o aniversário dela, Jason", minha mãe disse com um suspiro pesado. "Só você e eu lembramos, e eu queria que ela estivesse aqui. Aquela menina já passou por muita coisa sozinha. Não merece passar seu aniversário na solidão mais uma vez". Mais uma vez? Então, quer dizer que os anos que eu passei longe, ela também passou sozinha? Era difícil dizer não para minha mãe, principalmente quando se tratava de Clara. Suspirei e peguei as chaves. As amigas dela nunca foram muitas, e as minhas — as que estavam em casa agora — eram justamente a razão de Clara preferir fugir em vez de comemorar. Eu sabia disso. Sempre soube
ClaraO vinho descia quente pela minha garganta, e com ele, cada lembrança dolorosa parecia vir à tona. Como o beijo em que Jason me deu quando eu tinha 16 anos. Meu primeiro e inesquecível beijos, depois daquele dias, aquilo só se repetiu mais duas vezes e até então, são só lembranças. Estava sentada no chão da floricultura, após tomar um banho quente, na parte onde minha madrinha reconstruiu, — para que eu pudesse passar o dia com ela sem ter que ir para — casa cercada pelas rosas que tanto amava e que, naquele momento, não eram capazes de me trazer conforto algum. Minhas pernas estavam esticadas, e a garrafa de vinho descansava entre elas. A barra do meu vestido subiu, revelando cicatrizes que eu nunca quis que ninguém visse. Marcas que carregavam mais dor do que qualquer palavra que eu fosse capaz de dizer em voz alta. Naquele dia eu estava sozinha, como sempre estive. Desde então, tudo parece uma monótona rotina tediosa, que se prolonga dia pós dia. Hoje deveria ser um dia de c
JasonQuando ela me soltou, senti que estávamos mais próximos que nunca. A verdade é que, sempre pertencemos um ao outro de alguma forma. — Feliz aniversário, Clara. — Minha voz saiu baixa, quase um sussurro, enquanto eu segurava o cupcake na frente dela. A vela acesa tremulava com o ar úmido da chuva que vinha de fora, iluminando por um instante o rosto cansado e os olhos marejados dela. Me vi perdido naquele olhar, como se estivesse olhando para Clara de anos atrás, quando chegou sozinha e desolada pelo luto. Clara piscou, confusa e ainda meio fora de si, mas suas mãos trêmulas tocaram o pequeno bolinho. Por um segundo, ela pareceu frágil, como se estivesse tentando se agarrar a qualquer migalha de carinho.— Sopra a vela — murmurei. — Você merece pelo menos isso. É seu aniversário. — Obrigada, Jason. Por tudo. Ela fechou os olhos e soprou, e o mundo pareceu parar. Era um momento pequeno, mas por algum motivo, pesado e cheio de significado. Eu não tinha ideia de como remediar o
ClaraQuando sair da floricultura, parei em um bar familiar e tomei algumas cervejas, já que eu volto sozinha. Tenho uma dor absurda na alma e sinto como se tivesse um buraco enorme nela, mas, quando Jason está por perto, eu me sinto... protegida. Quando cheguei em casa, minha madrinha havia saído com suas amigas e Jason estava sozinho em casa. Subi para meu quarto e me despi, quando de repetente, ele invadiu o quarto sem aviso.Jason estava perto, mais perto do que eu jamais imaginaria que estaria novamente. A chuva lá fora continuava caindo em um ritmo suave, enquanto dentro do quarto, o silêncio entre nós era denso e carregado de tensão. Eu não sabia se deveria me afastar ou simplesmente ceder. As memórias daquele primeiro beijo, quando eu tinha 17 anos, ressurgiram como uma maré que engoliu qualquer lógica que eu ainda tentava manter.— Jason... — sussurrei, a voz vacilando.Ele não disse nada. Seus olhos cinzentos me encaravam intensamente, como se estivesse lutando com algo den
ClaraA floricultura era o único lugar onde eu conseguia respirar. O cheiro de rosas, lírios e jasmim me envolvia como uma manta de conforto, afastando a sensação sufocante que Jason havia deixado para trás. Eu precisava de espaço, precisava fugir das memórias daquele beijo e da revelação devastadora sobre Amélia.Alex me mandou uma mensagem no caminho para o trabalho: decidir trabalhar até às 23:00. Alex: "E então? Que tal jantar hoje à noite? Só nós dois." E só então, quase às 19:00 foi que eu vi sua mensagem, que ele enviou mais cedo. A tentação de aceitar surgiu imediatamente. Eu sabia que ele estava tentando ser gentil e que sua companhia poderia me ajudar a esquecer, ao menos por algumas horas, o desastre que minha vida havia se tornado.Clara: "Ok. Às nove?"Ele respondeu com um emoji sorridente e um simples “Combinado”, e foi isso.Passei restante do tempo que falava cercada pelas flores, mas a paz que tanto buscava parecia fora de alcance. O beijo de Jason ainda queimava me
JasonA casa estava envolta em silêncio. Minha mãe dormia profundamente, e as luzes estavam apagadas. Mas eu não conseguia descansar. O jantar com Alex mexeu comigo de um jeito que eu não queria admitir. Cada minuto em que Clara esteve longe parecia uma afronta, uma confirmação de que ela estava escapando de mim, novamente e agora eu já não posso fazer mais nada. Quando ouvi o som suave da porta se fechando, soube que era ela. Levantei da cama sem pensar, guiado por um impulso que eu não entendia bem. Eu precisava vê-la. Precisava entender por que, mesmo depois de tudo, ela ainda conseguia me deixar assim: inquieto, confuso e com raiva ao mesmo tempo. Porém, a necessidade de senti-la novamente é mais forte que eu. Abri a porta do quarto dela sem bater, como sempre fazia. O direito de invadir o espaço dela havia se tornado um hábito difícil de largar. Mas, dessa vez, o que vi me tirou o fôlego.Clara estava sentada na cama, uma mala aberta ao lado. Que porra é está acontecendo? — O