Jason
O aroma familiar de lavanda e terra molhada da floricultura encheu meus pulmões assim que abri a porta. Fazia cinco anos que eu não pisava aqui. A casa estava quase idêntica ao que eu lembrava – acolhedora, cheia de flores por todos os lados. Mas o ar, aquele que me envolvia agora, era mais denso. Parecia que estava voltando no tempo, parece até... com o dia que Clara chegou para morar conosco. Minha mãe estava ao telefone no balcão da loja, sem perceber minha presença. Seus cachos loiros balançavam conforme ela gesticulava, provavelmente organizando mais uma das suas festas sociais. Minhas amigas de infância estavam ali, rindo, distraídas com alguma conversa animada. Ninguém sabia que eu voltaria hoje. Afinal, elas sempre vem visitar minha mãe, mas o que me intriga é: por quê? "Surpresa", pensei, deixando um sorriso discreto se formar nos lábios. Embora não fosse sincero. Antes que eu pudesse me anunciar, ouvi passos leves vindo do corredor. Quando me virei, meu olhar encontrou Clara. Por um instante, o tempo pareceu parar ao ver aquela que revirou minha vida sem mesmo saber disso. Ela não era mais a adolescente que eu deixei para trás. Seu corpo estava mais esguio, os cabelos caíam em ondas naturais sobre os ombros, e havia uma serenidade fria em seu olhar que eu não reconhecia. O que mais me surpreendeu foi como seu olhar encontrou o meu – sem desviar, sem medo. Sem dúvidas, não é a mesma garota que eu deixei para trás. Ela parou na minha frente, surpresa, mas não exatamente feliz. Seu semblante era de desprezo, como se estivesse vendo um fantasma do seu passado. — Jason? – Sua voz era baixa, quase um sussurro, mas eu pude ouvir a incredulidade e a hesitação. — Que surpresa! Cinco anos. Cinco anos longe dela e, agora que a tinha de volta, meu peito apertava com algo que eu não queria admitir. Porque Clara era... perigosa. Não só porque ela era bonita, mas porque havia algo nos olhos dela – algo que dizia que as coisas nunca seriam simples entre nós. Clara Eu estava ajudando minha madrinha a arrumar alguns vasos quando o vi. Como um fantasma do passado, Jason estava parado ali, na entrada, com aquele meio sorriso convencido nos lábios. O ar pareceu evaporar dos meus pulmões. A raiva, a confusão e uma pontada de ansiedade se misturaram no meu peito. Ele estava de volta. Justo hoje, no meu aniversário. Jason. Os cinco anos que passaram pareciam não ter feito nada para apagar a arrogância dele. O cabelo um pouco mais curto, mas os mesmos olhos cinzentos que me atravessavam, como se ele conseguisse enxergar tudo que eu tentava esconder. Por um momento, senti como se tivesse voltado a ser a garota boba e ingênua que ele adorava irritar. Mas eu não era mais aquela Clara. Não a que se deixava ser humilhada por ele, como se ele fosse dono da minha vida. — Você voltou? – Minha voz saiu seca, cortante, antes que eu pudesse controlar. Ele não pareceu se importar. Ao contrário, o sorriso em seus lábios se alargou. — Surpresa, princesa. Aquele apelido. Ele sabia o quanto eu odiava. Mas não permiti que ele visse qualquer reação minha. Minha madrinha, Helena, largou o telefone e correu para abraçá-lo, gritando de alegria, e as amigas dele se levantaram em um frenesi de risadas e abraços. Enquanto todos o cercavam, eu permaneci imóvel, tentando processar tudo. Suas amigas me dão nojo, cada uma pior que a outra, como se carregassem um rei em seus ventres. Eu deveria ter me preparado para este momento, mas não estava pronta. Não para lidar com Jason e muito menos com a avalanche de sentimentos que sua volta trouxe. Me recusava a acreditar, mas a mistura de sentimentos deixava claro que não era mais uma de minhas ilusões. Enquanto ele se movia pela sala, trocando sorrisos e cumprimentos, seus olhos voltaram para mim, demorando um pouco mais do que o necessário. E foi nesse instante que eu soube: tudo estava prestes a mudar. Depois dos abraços e risos na sala, fiz o que sempre fazia quando Jason estava por perto: fugi. Subi as escadas com passos firmes e me tranquei no quarto. Precisava respirar e, mais do que tudo, me recompor. Ele não mudou nada. Continuava com aquele jeito prepotente e o olhar penetrante que fazia meu coração bater fora de ritmo. Eu estava em frente ao espelho, tirando o vestido simples que usava, quando ouvi a porta ranger. — Clara. – Sua voz me atingiu como um soco. Minha cabeça virou imediatamente, e ali estava ele, encostado na porta como se nada fosse estranho ou inconveniente. — O que você está fazendo aqui? – segurei o vestido contra o corpo, sentindo o rosto arder. — Estou nua, será que pode se retirar e respeitar meu espaço? Ele não respondeu de imediato. Em vez disso, deixou o olhar correr pelo quarto, como se estivesse tomando nota de tudo. Quando finalmente seus olhos cinzentos se fixaram em mim, havia um brilho provocador que eu conhecia bem. — É assim que você recebe um velho amigo? – Ele sorriu, aquele sorriso torto e irritante que me tirava do sério. — E não tem nada aí que eu já não tenha visto antes. — Quem te deu permissão para entrar no meu quarto? – Falando dessa forma, parece que a garota medrosa nunca me deixou de verdade. — Ué, eu morava aqui, lembra? — Cinco anos atrás. Agora é meu espaço, Jason. Além disso, você tem o seu quarto. Ele deu um passo à frente, como se quisesse me desafiar, e fechei a porta do guarda-roupa com mais força do que o necessário. Era como se ele estivesse se divertindo com a minha irritação. — Sabe o que eu achei curioso? – Ele cruzou os braços, como se estivesse à vontade demais para o meu gosto. — Ninguém mencionou que hoje é seu aniversário. Ou será que... ninguém lembra? Meu estômago revirou, mas me obriguei a manter a expressão firme. Então ele sabia, afinal. E escolheu ignorar, como sempre fizeram. — Você veio aqui só para me irritar? Porque, se for, parabéns. Conseguiu. E não me importo se não lembrarem. Afinal, é um dia igual aos outros. Jason riu, e o som baixo e rouco deslizou pela minha pele como uma brisa gelada. — Você não mudou nada. Continua a mesma garota sensível. — E você continua o mesmo idiota. Os anos na Marinha não te disciplinou? Por um momento, o ar entre nós pareceu eletrificado, carregado de palavras não ditas e sentimentos enterrados. Ele deu mais um passo, e agora estava perto demais. Perto o suficiente para que eu sentisse o calor do seu corpo, para que meu coração acelerasse contra a minha vontade. — Você sempre foi boa com palavras afiadas, Clara – ele murmurou, a voz rouca e baixa. — Mas não esqueça: que dita as regras desse jogo sou eu. Engoli em seco, tentando ignorar o fato de que meu corpo inteiro estava tenso sob o olhar dele. O Jason de cinco anos atrás era insuportável, mas este... este era diferente. Mais perigoso. Mais importuno e mais descarado. — Saia do meu quarto. Agora. – Disse brava, como se aquilo fosse adiantar de alguma coisa. Por um segundo, achei que ele fosse se inclinar ainda mais perto. Havia algo nos olhos dele, algo que eu não conseguia decifrar. Mas então ele sorriu novamente – aquele maldito sorriso confiante – e deu um passo para trás. — Como quiser, princesa. Até outra hora, boa veremos bastante a partir de hoje. E com isso, ele saiu, deixando a porta entreaberta e meu coração batendo descompassado. Jason Descer as escadas depois de sair do quarto de Clara foi mais difícil do que eu imaginava. Cada vez que nossos olhares se encontravam, algo dentro de mim se agitava, como uma tempestade prestes a explodir. Ela estava diferente. Crescida, segura de si, mas ainda com a mesma língua afiada. A Clara que eu conhecia jamais teria me encarado daquele jeito. Agora, ela era uma mistura perigosa de força e vulnerabilidade, e eu sabia que deveria manter distância. Sei que a machuque mais do que eu deveria. Ela deveria estar namorando... isso acabaria comigo. Mas não conseguia. Quando passei pela cozinha, ouvi minha mãe e as amigas ainda falando sobre mim, como se eu fosse uma celebridade que acabou de chegar na cidade. Fingi que não escutei nada e peguei uma cerveja da geladeira. Minhas amigas... Mulheres insuportáveis, que cresceram, mas ainda continuam as mesmas garotas mimadas de sempre. — Jason, querido, vamos fazer um jantar para comemorar sua volta! – minha mãe chamou da sala. — Achei que fosse chegar amanhã. — Claro, mãe. Faz o que quiser. Mas não precisa se preocupar comigo. Não sou nenhuma celebridade. A verdade era que eu estava pouco me importando com jantares e festas. Só uma coisa me interessava agora. Clara. E a expressão dela quando eu entrei em seu quarto. Confusa, zangada, mas com algo a mais. Algo que me fez querer testar limites que eu sabia que não deveria. Limites que eu quase ultrapassei no passado e que foram meus motivos para ir embora. Servir a Marinha. Clara Depois que ele saiu do meu quarto, precisei me sentar por alguns minutos para recuperar o fôlego. Meu corpo ainda estava quente, como se a presença dele tivesse deixado uma marca invisível em mim. Como se ele fosse feito de chamas inviáveis que queimam meu corpo sem aviso, mas sempre que chega perto. — Idiota. – Murmurei para mim mesma, apertando os punhos. Jason sempre soube exatamente como me desestabilizar. Mas agora era diferente. Ele não era mais o garoto irritante que eu odiava – era um homem perigoso e irresistível, e meu coração estúpido ainda não tinha aprendido a esquecê-lo. Afinal, como se faz para esquecer o primeiro amor não correspondido? Olhei pela janela e vi que o sol começava a se pôr. Precisava sair de casa, espairecer. Talvez patinar um pouco no rinque antes que ele me enlouquecesse de vez. Mas, enquanto eu calçava os tênis, a verdade me atingiu: por mais que tentasse fugir, agora que ele estava de volta, não havia como escapar do que eu sempre senti. E pior... Jason sabia disso. No rinque, o gelo me trazia de volta a realidade, fazendo-me enxergar o perigo que me rodeia.JasonEu deveria estar em casa agora, ouvindo as risadas falsas das minhas antigas amigas e assistindo minha mãe se desdobrar para fazer o jantar perfeito. Era o mínimo que ela podia fazer depois de cinco anos sem saber se eu voltaria vivo. Mas, claro, havia um problema: Clara. Ela não tinha voltado para casa, e minha mãe insistiu para que eu fosse atrás dela no rinque. "Hoje é o aniversário dela, Jason", minha mãe disse com um suspiro pesado. "Só você e eu lembramos, e eu queria que ela estivesse aqui. Aquela menina já passou por muita coisa sozinha. Não merece passar seu aniversário na solidão mais uma vez". Mais uma vez? Então, quer dizer que os anos que eu passei longe, ela também passou sozinha? Era difícil dizer não para minha mãe, principalmente quando se tratava de Clara. Suspirei e peguei as chaves. As amigas dela nunca foram muitas, e as minhas — as que estavam em casa agora — eram justamente a razão de Clara preferir fugir em vez de comemorar. Eu sabia disso. Sempre soube
ClaraO vinho descia quente pela minha garganta, e com ele, cada lembrança dolorosa parecia vir à tona. Como o beijo em que Jason me deu quando eu tinha 16 anos. Meu primeiro e inesquecível beijos, depois daquele dias, aquilo só se repetiu mais duas vezes e até então, são só lembranças. Estava sentada no chão da floricultura, após tomar um banho quente, na parte onde minha madrinha reconstruiu, — para que eu pudesse passar o dia com ela sem ter que ir para — casa cercada pelas rosas que tanto amava e que, naquele momento, não eram capazes de me trazer conforto algum. Minhas pernas estavam esticadas, e a garrafa de vinho descansava entre elas. A barra do meu vestido subiu, revelando cicatrizes que eu nunca quis que ninguém visse. Marcas que carregavam mais dor do que qualquer palavra que eu fosse capaz de dizer em voz alta. Naquele dia eu estava sozinha, como sempre estive. Desde então, tudo parece uma monótona rotina tediosa, que se prolonga dia pós dia. Hoje deveria ser um dia de c
JasonQuando ela me soltou, senti que estávamos mais próximos que nunca. A verdade é que, sempre pertencemos um ao outro de alguma forma. — Feliz aniversário, Clara. — Minha voz saiu baixa, quase um sussurro, enquanto eu segurava o cupcake na frente dela. A vela acesa tremulava com o ar úmido da chuva que vinha de fora, iluminando por um instante o rosto cansado e os olhos marejados dela. Me vi perdido naquele olhar, como se estivesse olhando para Clara de anos atrás, quando chegou sozinha e desolada pelo luto. Clara piscou, confusa e ainda meio fora de si, mas suas mãos trêmulas tocaram o pequeno bolinho. Por um segundo, ela pareceu frágil, como se estivesse tentando se agarrar a qualquer migalha de carinho.— Sopra a vela — murmurei. — Você merece pelo menos isso. É seu aniversário. — Obrigada, Jason. Por tudo. Ela fechou os olhos e soprou, e o mundo pareceu parar. Era um momento pequeno, mas por algum motivo, pesado e cheio de significado. Eu não tinha ideia de como remediar o
ClaraQuando sair da floricultura, parei em um bar familiar e tomei algumas cervejas, já que eu volto sozinha. Tenho uma dor absurda na alma e sinto como se tivesse um buraco enorme nela, mas, quando Jason está por perto, eu me sinto... protegida. Quando cheguei em casa, minha madrinha havia saído com suas amigas e Jason estava sozinho em casa. Subi para meu quarto e me despi, quando de repetente, ele invadiu o quarto sem aviso.Jason estava perto, mais perto do que eu jamais imaginaria que estaria novamente. A chuva lá fora continuava caindo em um ritmo suave, enquanto dentro do quarto, o silêncio entre nós era denso e carregado de tensão. Eu não sabia se deveria me afastar ou simplesmente ceder. As memórias daquele primeiro beijo, quando eu tinha 17 anos, ressurgiram como uma maré que engoliu qualquer lógica que eu ainda tentava manter.— Jason... — sussurrei, a voz vacilando.Ele não disse nada. Seus olhos cinzentos me encaravam intensamente, como se estivesse lutando com algo den
ClaraA floricultura era o único lugar onde eu conseguia respirar. O cheiro de rosas, lírios e jasmim me envolvia como uma manta de conforto, afastando a sensação sufocante que Jason havia deixado para trás. Eu precisava de espaço, precisava fugir das memórias daquele beijo e da revelação devastadora sobre Amélia.Alex me mandou uma mensagem no caminho para o trabalho: decidir trabalhar até às 23:00. Alex: "E então? Que tal jantar hoje à noite? Só nós dois." E só então, quase às 19:00 foi que eu vi sua mensagem, que ele enviou mais cedo. A tentação de aceitar surgiu imediatamente. Eu sabia que ele estava tentando ser gentil e que sua companhia poderia me ajudar a esquecer, ao menos por algumas horas, o desastre que minha vida havia se tornado.Clara: "Ok. Às nove?"Ele respondeu com um emoji sorridente e um simples “Combinado”, e foi isso.Passei restante do tempo que falava cercada pelas flores, mas a paz que tanto buscava parecia fora de alcance. O beijo de Jason ainda queimava me
JasonA casa estava envolta em silêncio. Minha mãe dormia profundamente, e as luzes estavam apagadas. Mas eu não conseguia descansar. O jantar com Alex mexeu comigo de um jeito que eu não queria admitir. Cada minuto em que Clara esteve longe parecia uma afronta, uma confirmação de que ela estava escapando de mim, novamente e agora eu já não posso fazer mais nada. Quando ouvi o som suave da porta se fechando, soube que era ela. Levantei da cama sem pensar, guiado por um impulso que eu não entendia bem. Eu precisava vê-la. Precisava entender por que, mesmo depois de tudo, ela ainda conseguia me deixar assim: inquieto, confuso e com raiva ao mesmo tempo. Porém, a necessidade de senti-la novamente é mais forte que eu. Abri a porta do quarto dela sem bater, como sempre fazia. O direito de invadir o espaço dela havia se tornado um hábito difícil de largar. Mas, dessa vez, o que vi me tirou o fôlego.Clara estava sentada na cama, uma mala aberta ao lado. Que porra é está acontecendo? — O
Clara Não conseguir dormir, os pensamentos sempre se voltam para Jason e acabam me quebrando ainda mais. Quando sair do quarto, minha madrinha já havia colocado a mesa para o café da manhã. Por um momento, senti meu peito doer por saber que essa será a última vez que estaremos nos sentando juntos para um café da manhã. — Bom dia, madrinha. — Lhe dei um beijo no rosto e um abraço em seguida. Não era surpresa alguma, mas de alguma forma diferente, Jason mexeu ainda um pouco mais comigo hoje. Ele estava descendo as escadas vestido com um roupão. Por um momento, imaginei que Amélia fosse descer também, mas nada disso aconteceu e por um instante, nosso olhares se cruzaram. — Sentem-se, ou estão esperando que eu também o façam sentar? — Como sempre, ela é receptiva demais em tudo que faz e isso, de certa forma, faz eu me sentir como se eu fosse uma ingrata. Nos sentamos e o clima não era o mesmo. Havia uma nuvem de sobrecarga ali, entre mim e Jason, como se alguma coisa nos impedisse
Alguns dias depois... Jason Amélia estava deitada na minha cama, mexendo no celular e rindo sozinha de alguma mensagem que havia recebido. Eu, encostado na porta do quarto, não conseguia tirar Clara da cabeça. A cena dela saindo com Alex no bingo havia acendido uma raiva que eu mal conseguia controlar. Não sei até quando irei com seguir controlar tudo isso, alguma hora vou acabar explodindo. — Jason? — Amélia chamou, sem tirar os olhos da tela. — Preciso voltar para Nova York amanhã. Tenho um projeto importante na faculdade e não posso faltar. Já tirei mais dias do que eu deveria para vir te ver. — Não precisava fazer isso por mim. — Ela me olhou de relance, mas voltou a olhar para gela do celular novamente. — Jason... não precisa ser assim, quando eu estiver formada em direito, vamos ter mais tempo para nós dois. Mas estarei fazendo o que puder para que nosso casamento seja perfeito. Eu assenti, como se isso importasse. — Tudo bem. Vou resolver as coisas do casamento daqui