A noite fora intensa, marcada por uma conexão silenciosa, um misto de desejo e mistério que dispensava palavras. Aline, deitada ao lado do desconhecido, sentia uma exaustão boa, o tipo que apenas momentos verdadeiros de entrega proporcionam. Ele, por sua vez, parecia igualmente satisfeito, mas não disseram nada. Não era o momento para perguntas ou trocas de histórias pessoais. O cansaço finalmente os venceu, e ambos adormeceram, embalados pelo calor um do outro.
Quando o sol começou a invadir o quarto pelas frestas da cortina, o desconhecido despertou. Seu corpo se moveu lentamente, os olhos pesados pela noite mal dormida. Ele virou a cabeça e a viu. Aline estava ao seu lado, os cabelos ruivos espalhados pelo travesseiro, o rosto sereno como se o mundo lá fora não pudesse tocá-la.
Ele não conseguiu desviar o olhar. Um sorriso discreto surgiu no canto de sua boca, quase como um reflexo involuntário. Durante longos minutos, permaneceu assim, admirando a beleza daquela mulher que parecia, ao mesmo tempo, forte e vulnerável. Era uma mistura hipnotizante.
— Quem é você, afinal? — ele pensou, embora não ousasse pronunciar as palavras.
O silêncio foi interrompido pelo som abafado de seu celular vibrando na bancada próxima. Ele suspirou, relutante, e se levantou com cuidado, tentando não acordá-la. Pegou o aparelho e viu a mensagem que acabara de chegar.
— Droga! — murmurou baixinho, ao ler o texto enviado por seu assistente pessoal. — Quem marca uma reunião em pleno sábado? Só meu pai mesmo...
Com um leve movimento de cabeça, demonstrando irritação, ele digitou uma resposta rápida:
“Estou indo. Chego aí em cinco minutos.”
Enquanto colocava o celular no bolso, lançou outro olhar para Aline. Ela continuava dormindo profundamente, alheia à urgência que agora tomava conta de sua manhã. Ele começou a se vestir, puxando a camisa de botões e calçando os sapatos apressadamente, mas seus olhos insistiam em voltar para ela.
— Você é um mistério, sabia? — murmurou, com um sorriso quase imperceptível.
Antes de sair, algo chamou sua atenção: um pequeno bloco de anotações sobre a mesa de canto. Ele pegou uma caneta e escreveu algumas palavras em uma folha.
“Meu número. Se quiser saber mais, me ligue. – Clark.”
Destacando a folha com cuidado, ele a colocou sobre o travesseiro, exatamente ao lado dela. Ficou mais alguns segundos ali, observando-a, como se tentasse gravar aquele momento em sua memória.
— Espero que você ligue... — disse baixinho, antes de atravessar a porta.
Assim que saiu do quarto, Clark caminhou em passos firmes, mas silenciosos, pelo corredor do hotel. Ele não queria fazer barulho e, menos ainda, ser notado. Apesar do ar confiante que carregava, havia algo diferente naquele momento — um peso, ou talvez um magnetismo, que o mantinha conectado à mulher que deixara para trás.
Ao chegar ao saguão, ele avistou o concierge ao lado do balcão principal, sempre impecavelmente vestido e com um sorriso discreto que transmitia profissionalismo. Clark aproximou-se, inclinando-se ligeiramente para falar em tom baixo, quase conspiratório.
— Bom dia. Preciso de um favor. Poderia providenciar um café da manhã para o quarto 305? Algo leve, mas completo. Frutas, suco fresco, e, se possível, croissants quentinhos.
O concierge, que já o conhecia de outras estadias, assentiu prontamente, sem sequer consultar o sistema.
— Certamente, senhor Johnson. Será entregue em alguns minutos.
Clark Johnson sorriu, o tipo de sorriso que parecia carregar uma promessa de boas relações futuras. Ele era um homem bonito e elegante, com feições perfeitas e sorriso conquistador, seu nome precedia.
— Obrigado, meu amigo. Sempre um prazer contar com sua eficiência.
— Estamos aqui para servir, senhor. Tenha um excelente dia.
Clark ergueu a mão em um leve aceno de despedida, mas antes de sair, parou por um instante, como se hesitasse. Virou-se novamente para o concierge e completou:
— Ah, quase me esqueci. Acrescente um bilhete ao pedido. Algo simples. Escreva assim: “Espero que seu dia comece tão bem quanto o meu terminou. – Clark.”
O concierge sorriu educadamente, mas com um brilho curioso nos olhos.
— Será feito, senhor.
Com isso resolvido, ajeitou o terno com um movimento fluido, respirou fundo e atravessou o saguão em direção à saída. Do lado de fora, o vento matinal o cumprimentou, fresco e revigorante, mas incapaz de dissipar os pensamentos.
Enquanto caminhava até o carro, seu telefone vibrou novamente. Era outra mensagem, provavelmente do assistente. Ele a ignorou por alguns segundos, encarando o horizonte como se buscasse clareza para as emoções que o consumiam.
Entrou no veículo e acomodou-se no banco do motorista, mas antes de dar partida, passou as mãos pelo volante, pensativo. A reunião o esperava, o mundo de negócios clamava por sua atenção, mas sua mente permanecia presa naquele quarto.
“Que mulher arrebatadora...” murmurou para si, enquanto o motor rugia suavemente e ele partia em direção ao compromisso.
A batida leve na porta parecia um eco distante para Aline, ainda envolta no calor do sono tranquilo e da cama que parecia abraçá-la. Mas o som insistente logo trouxe-a de volta à realidade. Ela se remexeu lentamente, ainda lutando contra a preguiça que a mantinha imóvel, até que abriu os olhos. A luz suave que entrava pelas cortinas bem-posicionadas a fez semicerrar os olhos enquanto seu corpo despertava aos poucos. Por um breve momento, ela deixou-se relaxar, aproveitando a maciez dos lençóis e a calma daquele espaço. Mas, como uma corrente elétrica, as lembranças da noite anterior começaram a invadi-la, abruptas e intensas. Subitamente, ela pulou da cama, o coração disparado, enquanto agarrava o lençol para cobrir o corpo desnudo. O movimento brusco fez algo cair no chão com um leve som abafado. Aline olhou rapidamente na direção do barulho, mas antes que pudesse examinar o que havia caído, seus olhos foram atraídos para o pequeno sofá no canto do quarto. Lá estavam suas roupas, d
Ao sair do hotel, Aline foi imediatamente envolvida pelo vento fresco daquela manhã. O ar parecia mais leve, mas sua mente estava pesada, confusa. Enquanto caminhava, percebeu a realidade à sua frente: dividia o apartamento com Isadora, sua amiga e cúmplice por tantos anos. No entanto, depois do que havia acontecido, encará-la parecia impossível. "Como vou lidar com isso? Onde eu estava com a cabeça?", pensava enquanto seus passos a levavam, quase automaticamente, em direção ao apartamento. A cada esquina que se aproximava de seu prédio, sua mente formulava cenários diferentes, estratégias para uma conversa que sabia ser inevitável. Mas, na verdade, nenhuma solução parecia satisfatória. Quando chegou à entrada do prédio, avistou o porteiro, seu Alfredo, sentado em sua cadeira habitual. Ele a reconheceu de imediato, levantando-se com um sorriso amigável. — Bom dia, senhorita Aline! — cumprimentou ele, ajeitando o boné. Aline retribuiu o sorriso com gentileza, embora estivesse dist
Aline apertou o casaco ao redor do corpo enquanto o vento gelado cortava a manhã cinzenta. O parque florestal estava praticamente vazio, salvo por alguns corredores dedicados e um ou outro cão passeando com seus donos. Ela escolheu um banco de madeira desgastado pela umidade e se sentou, deixando a mala ao lado. Seus pensamentos estavam desordenados, como as folhas secas espalhadas pelo chão. "Para a casa da tia? Nem pensar," concluiu, cruzando os braços como se defendesse a ideia absurda de voltar para aquela prisão. A convivência com a tia sempre fora insuportável. Aline sabia que sua tia jamais permitiria que ela tivesse paz — cada erro, cada decisão seria questionada e julgada sem piedade. Ela suspirou, encarando os galhos nus das árvores. Precisava de um apartamento.— Tenho o suficiente para começar, — pensou, lembrando do dinheiro que conseguiu juntar com esforço ao longo dos anos.— Se eu economizasse, conseguirei me estabilizar em alguns meses. Pensava ela.Com a decisão fo
Naquela sexta-feira, Clark saiu do escritório com o semblante carregado, seus pensamentos fervendo após mais uma discussão amarga com seu pai. Dominic Johnson tinha o talento único de provocar nele um misto de raiva e frustração que parecia incontrolável. Era como se cada palavra entre eles fosse um duelo velado de egos, ressentimentos e expectativas não atendidas. Enquanto ajustava a gravata ao sair pela porta principal da empresa, ele resmungou para si: — Essa empresa não vai me engolir. Clark sabia que precisava de um escape, um lugar onde pudesse acalmar os ânimos antes que sua raiva transbordasse. Não queria ir a nenhum dos bares sofisticados que frequentava com seus colegas de trabalho ou clientes. Escolheu, ao invés disso, um bar discreto na cidade, um lugar onde poderia ser apenas mais um homem com um copo de uísque nas mãos, sem as pressões de ser Clark Johnson, o herdeiro de um império empresarial. O bar era acolhedor, iluminado de forma sutil e com uma música suave que
Assim que Clark entrou na sala de reuniões, o ambiente estava carregado de tensão. Dominic Johnson, seu pai, o encarava com uma expressão séria, como se estivesse esperando um movimento errático. Clark, no entanto, decidiu tomar as rédeas da situação antes que qualquer conflito ressurgisse. — Vamos esquecer a nossa conversa de ontem e focar no que realmente importa. — Clark disse com firmeza, aproximando-se da mesa de reuniões. — Estou disposto a ir para o Japão, se esse é o seu desejo. Dominic manteve o olhar fixo no filho, os olhos estreitados, avaliando cada palavra. Ele apoiou as mãos na mesa com calma, mas seu tom era carregado de autoridade quando respondeu: — Sobre a nossa conversa de ontem, confesso que não será esquecida. Mas falaremos sobre isso em outro momento. Dominic se acomodou na cadeira com a elegância de quem sabia que estava no controle da situação. Sem rodeios, ele continuou: — Partirá amanhã cedo para o Japão. E levará a Janine com você. Clark arqueou as sob
Quando Clark entrou no hotel, o ambiente elegante parecia contrastar com a inquietação que o dominava. O concierge, sempre atento, o cumprimentou com um sorriso caloroso. — Boa tarde, senhor Johnson! Como foi sua manhã? Clark, sem perder tempo, ignorou a cordialidade habitual e perguntou diretamente: — Fez o que pedi? O concierge, um homem de meia-idade com uma postura impecável, assentiu com um sorriso que parecia misturar profissionalismo e um toque de curiosidade. Aproximando-se discretamente, ele respondeu quase em um cochicho: — Sim, senhor. O café foi enviado como solicitado, mas... ela não tocou em nada. Clark franziu a testa, claramente frustrado. Antes que pudesse dizer algo, o concierge continuou: — Ah, e encontrei isso no chão do quarto. Com um movimento preciso, o homem retirou um pedaço de papel dobrado de seu bolso e o entregou a Clark. O bilhete parecia levemente amassado, como se tivesse sido descartado sem importância. Clark o pegou com certa hesitação e, ao
Estava anoitecendo quando o táxi parou diante da casa onde Aline havia passado uma infância repleta de alegria e momentos inesquecíveis ao lado de seus pais. O motorista olhou pelo retrovisor, curioso com o olhar distante da passageira. Aline pagou a corrida, agradeceu baixinho e saiu do carro, puxando a mala de rodinhas. Ela parou na calçada, encarando a fachada da casa. A pintura desbotada denunciava o tempo que havia passado desde a última vez que alguém cuidara do lugar. As janelas estavam fechadas, mesmo assim parecia que cada canto daquele lar ainda guardava os ecos de risadas e conversas. A rua, antes vibrante e cheia de vozes infantis, agora estava mergulhada em silêncio, com apenas o som distante de um cachorro latindo e as folhas balançando ao vento. Ela se lembrou de como costumava correr por ali com Carla, Beatriz e Jéssica, suas melhores amigas da infância. Lembranças de brincadeiras, risadas e aventuras preenchiam sua mente, e um sorriso involuntário surgiu em seus láb
Quando Aline abriu a porta, seu coração deu um salto ao ver Jéssica parada ali, com a mesma expressão calorosa e acolhedora de sempre. Era como se o tempo tivesse recuado, apagando os anos de distância e trazendo de volta uma parte de sua infância. — Jéssica... é você mesmo? — A voz de Aline tremeu de incredulidade e emoção. Antes que Jéssica pudesse responder, Aline a puxou para um abraço apertado. As duas começaram a rir, dando pulinhos de alegria, como se fossem novamente as meninas despreocupadas que costumavam ser. — Não acredito que você está aqui! — Aline disse, finalmente se afastando o suficiente para encarar o rosto da amiga. — Eu estava passando e vi uma luz acesa. Não podia acreditar que era você! — respondeu Jéssica, sua voz transbordando entusiasmo. — Você voltou! Aline olhou ao redor, seus olhos repousando brevemente na casa que guardava tantas memórias. Um sorriso suave apareceu em seu rosto, misturado com uma ponta de melancolia. — Voltei... — ela murmurou