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O Crime da Rapieira
O Crime da Rapieira
Por: Rod Rodman
Capítulo 1 - Segundo dia

Sexta-Feira

Aquela tarde não podia estar mais agitada no 14º DP de Pinheiros. O delegado Marcondes de Sá acomodava o corpanzil em sua cadeira quando viu as novas testemunhas adentrarem sua sala. O investigador Noronha os acompanhou até a mesa, esperou que se sentassem e em seguida saiu, ajeitando o aviador acima do nariz. Marcondes viu à sua frente um senhor grisalho aparentando uns quarenta e poucos anos. Estava muito bem trajado de terno Armani preto, camisa Hugo Boss branca e sem gravata. Seu olhar incisivo marcava o rosto ovalado. Seus olhos verdes pareciam escanear cada centímetro quadrado da mesa, onde pilhas indisciplinadas de relatórios brigavam por espaço com um porta-retratos velho, uma luminária, um telefone sem fio e uma caneca fumegante de café. Ao lado do homem estava uma moça caucasiana de cabelos castanhos e olheiras evidentes no rosto enrubescido. Seu tronco e seus membros tremiam quase como se ela não os pudesse conter.

- A moça aceita uma água?

Ela assustou-se com o tom de voz ríspido do delegado. Seus olhos não o encararam um só momento desde que havia se sentado diante dele na mesa. Um ventilador barulhento movimentava-se acima de suas cabeças.

- Minha filha está sob forte estresse. – Falou o homem de cabelos grisalhos, envolvendo os ombros da garota - Tivemos que medicá-la com um calmante para trazê-la aqui. Se o senhor puder ser breve com o depoimento todos nós agradeceremos.

- Farei o possível. – Respondeu Marcondes, com tom irônico. – O senhor deve ser Marco Aurélio Telles de Mendonça, pai da senhorita Regiane Telles de Mendonça. – E indicou a moça ao lado dele, no que o homem assentiu. – Sua filha estava presente na cena de um crime que aconteceu em sua residência ontem à noite por volta das 22:00 horas. Onde o senhor e sua esposa estavam nesse horário?

Marco soltou a filha brevemente e voltou-se para o delegado à sua frente:

- Eu estava em um jantar de negócios próximo ao Trianon-MASP. Tínhamos uma reserva em um hotel da região e passaríamos a noite lá. Voltamos imediatamente quando Regiane nos ligou desesperada.

- Entendo. – Suspirou. - O senhor estava ciente que sua filha daria uma festa em sua casa no mesmo horário?

- Sim, estava. Ela pediu autorização uma semana antes e minha esposa e eu concedemos.

- A ideia do open-bar foi dela?

- Sim. Ela já é maior de idade não vi problema em autorizar uma festa com bebida liberada. Minha única ressalva foi com relação a mobília da casa. Não queria ver nada quebrado ou fora do lugar no dia seguinte. – E mais uma vez os olhos de Marco pareceram condenar a bagunça sobre a mesa do delegado, que não se importou.

- Sua casa costuma ter um segurança particular 24 horas por dia. Onde ele estava no momento da festa?

- Seguindo ordens de Regiane. Ele ficou de prontidão dentro da sala de controle, vigiando as câmeras pelas telas de monitoramento. A sala fica próximo da entrada principal e ele foi para lá para ficar de olho, caso acontecesse algum acidente.

- O que acabou não resolvendo muito! – Ironizou o delegado.

Em seguida o homem buscou pacientemente um envelope pardo na gaveta à sua direita e o pousou sobre a superfície de mogno. Deu um gole no café que cheirava bem, pousou a caneca estampada com o símbolo da Polícia Civil sobre um papel manchado, abriu o envelope e tirou de dentro algumas fotografias. Naquele momento, uma batida na porta anunciou a chegada de um estagiário administrativo da Polícia ao depoimento. Tão logo o rapaz magro, de roupas amarfanhadas, tomou seu lugar diante de um computador no canto da sala, a voz de Marcondes fez-se ouvir novamente:

- Agora que meu estagiário retornou do café, podemos dar início ao depoimento da senhorita Regiane. – Ele apanhou as fotos e escolheu uma, colocando-a sobre a mesa, à vista da garota. – Você reconhece a pessoa da foto?

Um rapaz caucasiano de olhos estáticos, barba por fazer e rosto pálido aparecia na foto. Ele estava no chão da despensa onde um dos empregados da festa da noite anterior tinham-no encontrado caído, morto.

- Conheço... Conheço sim! – Regiane deu uma olhada breve na foto, mas aquilo bastou para reconhecê-lo.

- Ele era um dos convidados da sua festa? – Marcondes retirava da mesma gaveta uma lista de nomes digitados com várias anotações de caneta vermelha por cima. – Como ele se chamava?

- Jonathan. Jonathan Braga. E sim, eu o convidei para a festa. – Sua voz era trêmula. Deu outra olhada na pele esbranquiçada de Jonathan ali na foto. Seu coração acelerou dentro do peito.

- A festa era à fantasia, correto? – Marcondes dava uma olhada na lista que tinha em mãos, procurando algo. – Aqui diz que o rapaz Jonathan estava fantasiado de havaiano. É possível confirmar isso com esta outra foto. – E Marcondes pegou de baixo da pilha de fotos, diante de Regiane, uma que mostrava o rapaz morto de corpo inteiro, largado no chão com uma perfuração no plexo. – O investigador Noronha, que foi até a sua casa pela madrugada, relatou que foi você mesma quem entregou a ele a lista de convidados da festa, mas que não sabia com detalhes quem estava fantasiado de que. Está correto?

Ela anuiu, olhando para o próprio colo.

- O investigador Noronha também relatou que oficialmente a festa era para 50 convidados, mas que tinha uma média de 80 pessoas na casa na hora do crime. A senhorita confirma?

Novamente Regiane anuiu, mordiscando o lábio inferior e apertando forte as mãos entrelaçadas sobre o colo.

- Isso nos dá uma média de umas trinta pessoas aproximadamente que esta lista aqui não identifica. – E Marcondes levantou o papel com os 50 convidados oficiais digitados com o tipo de fantasia que usavam e as características físicas, idade e curso da faculdade riscadas de caneta vermelha por cima. – O Noronha tentou fazer um levantamento das pessoas que você relatou como convidados oficiais. Todo mundo nessa lista já foi intimado a depor, mas faltam 30 nomes. A senhorita conseguiria lembrar de cabeça quem eram essas pessoas?

Marco Aurélio incomodou-se com a pergunta do delegado e subiu o tom:

- Isso é absurdo! Ninguém se lembraria de cabeça de 30 pessoas andando para lá e para cá dentro da própria casa. Em condições normais minha filha não seria capaz de lembrar, imagine à base de remédio e em estado de choque pela morte do amigo!

- Entendo sua preocupação, senhor, mas eu preciso fazer esse tipo de pergunta. – Irritou-se Marcondes - Houve um assassinato nas dependências da sua casa. Havia cerca de 80 pessoas lá dentro no momento do crime e 30 delas não foram identificadas. Ou eu tento afunilar essa lista o mais breve possível ou teremos um crime sem solução na mesa. Qual o senhor prefere?

O homem sentiu-se acuado.

- Volto a perguntar. Há alguma chance de a senhorita lembrar quem eram essas 30 pessoas que não tinham sido listadas previamente?

Regiane limpou as lágrimas que rolavam de seus olhos discretamente com os polegares. Em seguida balançou a cabeça negativamente.

- Antes de você, colhemos o depoimento do DJ, dos quatro garçons, dos bartenders, da recepcionista da festa e de seu assistente pessoal. Todos foram contratados pela mesma agência de eventos e todos negaram qualquer participação no crime, exceto o rapaz que encontrou o corpo de Jonathan Braga na despensa. O que ele estava fazendo próximo à cozinha nessa hora? – O estagiário digitava em seu teclado palavra por palavra do depoimento, registrando-o. Os olhos de Marcondes fixaram-se contemplativos no rosto avermelhado da menina.

- Não sei bem. A Ju me contou...

- "Ju"? Que "Ju"? – Interrompeu Marcondes.

- A Ju... Juliana, a hostess... Que estava encarregada da recepção... Ela me contou depois que o garçom tinha ido buscar mais gelo para as bebidas e que ela mesma pediu para que ele fosse buscar na despensa, ao lado da cozinha.

- Antes disso, onde ele estava?

- Não sei dizer. Eu estava dançando com meus amigos no jardim da casa a essa hora. O garçom saiu de dentro da casa e foi logo falar para a Ju... Juliana... Que tinha encontrado o John... – Regiane desabou a chorar novamente.

As perguntas eram apenas para comparar com aquilo que o próprio garçom e a hostess já tinham contado a ele em depoimento mais cedo. Até aquele momento, Marcondes não tinha encontrado nenhuma incongruência no caso, comparando tudo que já tinha sido dito. O delegado permitiu uma pausa até que Regiane se acalmasse. Vinte minutos depois o interrogatório recomeçou.

- Preciso que se concentre na imagem que vou lhe mostrar, Regiane.

Ela anuiu e o aguardou encontrar a foto em meio à pilha.

- O que você está vendo aqui? – Ele dedilhou com seu indicador levemente a foto sobre a mesa.

- Uma... Uma espada suja de sangue?

Ela não sabia dizer ao certo.

- Essa é a arma usada no crime. Você sabe quem entrou na casa com essa espada?

Regiane segurou a foto em suas mãos e o papel tremulava. Enquanto ela analisava a imagem da lâmina prateada embebida em sangue, Marcondes dirigiu outra questão a seu pai:

- O senhor guardava alguma arma branca desse tipo dentro de casa?

- Não. – Ele fora enfático - A única arma que guardo em casa é uma pistola Glock 9mm, mas está bem escondida em meu cofre, em meu escritório no segundo andar.

Marcondes anotou em um bloco a informação. Em seguida seus olhos voltaram para Regiane.

- E então?

- Não tenho certeza.

Marcondes a sentiu insegura, e então colocou a lista dos nomes dos presentes sobre a mesa.

- Seu pai acabou de confirmar que não havia nenhum tipo de arma branca parecida com a da foto dentro de casa, logo, podemos supor que a arma foi trazida por um dos convidados. Quem poderia ter entrado com esse objeto na festa e perambulado com ele por lá antes de desferir o golpe fatal em Jonathan?

O silêncio na sala só era quebrado pelo girar ruidoso das pás do ventilador de teto e das teclas digitadas pelo estagiário. Os olhos de Regiane agora percorriam a lista de nomes e as marcações em vermelho feitas pelo investigador Noronha na madrugada após o crime. A garota lia nome por nome observando as anotações. Sua mente trabalhava o mais rápido que conseguia, tentando vencer a sonolência causada pelo calmante. Ela tentava relacionar os trajes com a arma do crime. Nenhuma fantasia deveria ter uma espada como adorno. Nenhuma, exceto a do Zorro.

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