Pudim

Isa

Cortei o pudim antes da hora.

FOD4-SE.

Eu precisava de glicose, desesperadamente. 

Rápido demais o evento se tornou normal, logo quando eu estava começando a curtir. 

Primeiro, o tema jornal quase me fez desmaiar. Eu ainda não tinha contado ao meu pai que eu não iria trabalhar lá. O sonho dele era que eu fosse a primeira mulher a assumir o jornal depois de quase 80 anos, e em algum momento vou precisar comunicar pra ele que não vai rolar.

Eu começo no meu novo emprego na segunda quinzena de janeiro, em uma empresa imensa de mkt, em um cargo ok, para alguém que acabou de se formar. Sim, eu fiz publicidade ao invés de jornalismo, e o meu pai não estranhou, afinal, comunicação é comunicação e pronto. 

Esse legado não deveria ser meu e sim do Victor. Esse era o sonho dele, não o meu. 

Ele estava fazendo jornalismo para isso, afinal.

O assunto evoluiu rápido demais para o meu desequilíbrio para finalmente explodir na minha doença. 

Desmaiei uma vez no natal. Só uma. Logo que eu descobri a diabete, a mais de 10 anos atrás. 

E a desgraçada da Luiza sempre dava um jeito de falar sobre a injeção. Sempre! 

Terminei o pudim e cortei mais um pedaço. 

Eu sigo uma dieta muito restrita para evitar qualquer problema, e isso me permite comer e beber quase como uma pessoa normal. Eu sou uma adulta, forte, formada e feliz. 

Qual o problema deles?

- Problemas no paraíso? - A tentativa de piada foi péssima, mas eu ignorei isso assim que a voz me atingiu. 

- Todos os anos. - Eu respondi, cortando mais um pedaço do pudim e enfiando na boca. 

- Agora eu entendo a sua ausência nos últimos anos. - Encarei o Deus predador e ele sorriu. 

Aquele sorriso deveria ser proibido.

- Faz quantos anos que você passa o natal aqui?

- Quantos anos você não passa? - Ele ainda estava sorrindo e parou ao meu lado na bancada. 

- Cometi um erro. - Falei. - Não deveria ter vindo. 

Ele cruzou os braços e eu cortei mais um pedaço do pudim. 

- Como eu vou explicar que falta uma parte do pudim? - Ele perguntou rindo. Encarei ele de novo. - Me ofereci para buscar. - Ele explicou. 

- Só fazer piada, dizer que eu derrubei e eles vão rir e esquecer. - Falei rápido. 

- Isso não seria engraçado. - Ele estava sério agora.

- Para pessoas normais, não para os Blake. - Cortei mais um pedaço e comecei a comer. 

- Eles sentiram a sua falta. - Ele estava mais perto agora, e da posição que eu estava, sentada na banqueta da cozinha, percebi o quão alto ele era, ou o quanto eu era baixinha. 

- Claro que sentiram. - Ironizei. - Os assuntos favoritos não são os mesmos sem a palhaça. 

Sem pedir, ele tirou a colher da minha mão, cortou um pedaço do pudim no meu prato e enfiou na boca. Eu acompanhei cada movimento, desde a mão roçando na minha até a boca se movendo preguiçosamente e depois quando ele lambeu o lábio e fechou os olhos. 

Aquela boca deveria ter uma placa escrito PERIGO MORTAL.

- Já tentou falar que te incomoda? - Ele me devolveu a colher e só aí percebi que eu estava com a boca aberta, depois da cena indecente dele comendo o meu pudim. 

- Já. No ano que falei que eu odiava ser o centro dos assuntos foi pior. - Cortei mais um pedaço e comi. Ele ainda estava olhando para mim. 

- Bem, pelo menos você não caiu. - Ele sorriu e eu revirei os olhos. 

- Ainda. - Ofereci a colher. - Espere mais meia hora, eu devo tropeçar em mim mesma e será a sensação da noite. - Ele deu uma risada gostosa e eu me peguei sorrindo pela primeira vez depois de ironizar o desastre que eu era. 

- Fique perto de mim, ficarei de olho em você e prometo te segurar. - Ele piscou para mim.

O meu cérebro travou. 

Talvez seja o tom. As palavras. O olhar. A piscada.

Ele está flertando comigo?

- Capaz de você se machucar. - Falei rápido, tentando manter o ar engraçado, mas os olhos dele me diziam que ele falava sério. 

- Preciso levar o pudim. - Ele falou, suspirou e pegou a bandeja. 

- Não faça isso comigo!!! - Fingi implorar e fiz biquinho. 

Ele parou, olhou diretamente para a minha boca, com a bandeja nas mãos e respirou fundo.

- Não faça você, isso comigo. - Imediatamente arrumei a postura e desfiz o bico. - Serei obrigado a morder a sua boca se fizer isso de novo. - Ele sussurrou, virou e saiu. 

Levei alguns segundos para perceber que eu não ia conseguir levantar sem cair. 

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