Capítulo Quatro

Fernanda

O telefone continuava a tocar, e cada toque parecia ecoar pelo meu pequeno apartamento, enchendo o espaço com um som irritante e insistente. Eu sabia quem era – Miriam. E sabia exatamente por que ela estava ligando. O jogador com quem eu deveria ter passado a noite não estava satisfeito, provavelmente já tinha reclamado, e agora Miriam queria uma explicação.

Eu me sentei na beira da cama, olhando para o telefone que ainda vibrava na minha mão. Podia sentir meu coração acelerado, e minha mente estava correndo, tentando encontrar as palavras certas para explicar a situação. Miriam não era uma pessoa fácil de lidar, e eu sabia que qualquer deslize na minha explicação poderia me colocar em sérios problemas.

Finalmente, respirei fundo e decidi atender. 

― Alô?

― Fernanda, onde você está? O que aconteceu? ― A voz de Miriam era cortante e impaciente, como eu já esperava.

― Estou em casa, Miriam. Houve um problema, eu não consegui... ― comecei a falar, mas ela me interrompeu imediatamente.

― Não conseguiu? Fernanda, você tem ideia do que está dizendo? O cliente está furioso! O que deu errado? ― Ela estava quase gritando, e eu podia sentir sua frustração através do telefone.

Fechei os olhos por um momento, tentando manter a calma. Precisava escolher minhas palavras com cuidado.

― Miriam, eu realmente tentei. Fui até a boate como combinamos, estava tudo bem até que... ― Pausei, tentando reunir meus pensamentos. ― Até que um cara começou a fazer um escândalo. Ele me tratou muito mal, e as coisas simplesmente saíram do controle. 

Houve um momento de silêncio do outro lado da linha, e eu podia imaginar Miriam tentando processar minhas palavras. 

― Escândalo? ― Ela finalmente respondeu, a voz um pouco mais calma, mas ainda tensa. ― E você não conseguiu contornar a situação? Fernanda, você sabe como isso é importante.

― Eu sei, Miriam. Mas ele foi extremamente desrespeitoso, me chamou de coisas horríveis na frente de todo mundo. O dono da boate teve que intervir, foi muito humilhante. Eu... eu não consegui continuar depois disso. ― Minha voz tremia ligeiramente ao lembrar do incidente. 

Houve outro silêncio, e dessa vez pareceu ainda mais longo. Eu podia ouvir a respiração pesada de Miriam do outro lado da linha.

― Tudo bem, Fernanda, eu entendo que foi difícil. Mas você precisa lembrar que nosso trabalho é complicado, e essas coisas acontecem. ― Sua voz tinha suavizado um pouco, mas ainda havia um tom de decepção. ― Precisamos aprender a lidar com situações como essa. E agora, o que vamos fazer sobre o cliente insatisfeito?

Eu sabia que essa era a pergunta crucial. O jogador era importante para o negócio de Miriam, e deixá-lo insatisfeito não era uma opção.

― Eu... posso tentar falar com ele, pedir desculpas pessoalmente e tentar resolver isso. ― Propus, esperando que essa solução pudesse acalmar Miriam.

Ela suspirou profundamente.

― Isso é o mínimo que você pode fazer. Vou falar com ele e ver se ele está disposto a te encontrar novamente. Mas, Fernanda, você precisa garantir que isso não se repita. Nossa reputação está em jogo. ― Havia um tom definitivo em sua voz que não permitia discussões.

― Eu entendo, Miriam. Vou fazer o meu melhor para resolver isso. ― Respondi, tentando transmitir uma confiança que não sentia completamente.

― Ótimo. Vou te mandar os detalhes amanhã. E, por favor, esteja preparada. Não podemos permitir mais erros. ― Com isso, ela desligou, deixando-me sozinha com meus pensamentos tumultuados.

Coloquei o telefone de lado e me deitei na cama, sentindo uma onda de exaustão me atingir. As emoções do dia finalmente estavam começando a pesar, e eu só queria esquecer tudo por um momento.

Olhei para o teto, pensando em tudo que havia acontecido. A imagem do dono da boate, aquele homem que tinha me defendido, passou pela minha mente. Sua intervenção havia sido inesperada, mas de alguma forma reconfortante. Ninguém tinha se levantado por mim daquela maneira antes.

Mas agora, eu tinha problemas maiores para enfrentar. Precisava resolver a situação com o jogador e garantir que Miriam não perdesse a confiança em mim. O mundo em que eu vivia era cruel e implacável, e qualquer fraqueza poderia ser minha ruína.

Levantei-me e fui para o banheiro. Precisava de um banho quente para tentar relaxar um pouco. A água quente ajudou a aliviar a tensão nos meus músculos, mas minha mente ainda estava a mil. 

Enquanto a água corria pelo meu corpo, eu pensava em como resolver a situação com o jogador. Precisava ser profissional, mas também precisava proteger minha dignidade. Não podia deixar que mais ninguém me tratasse como aquele homem na boate havia feito.

Saí do banho e me enrolei em uma toalha, sentindo-me um pouco mais calma. Voltei para o quarto, coloquei uma roupa confortável e me deitei na cama, tentando afastar os pensamentos negativos.

Precisava dormir e recuperar minhas forças. Amanhã seria um novo dia, e eu precisava estar pronta para enfrentar o que quer que viesse. Fechei os olhos, tentando encontrar um pouco de paz em meio ao caos que minha vida tinha se tornado.

Eu tinha aprendido a ser forte, a lutar pelo que queria, mas momentos como esse me lembravam de como tudo podia ser frágil. Precisava me recompor e seguir em frente. Afinal, esse era o único caminho que conhecia.

Enquanto tentava acalmar minha mente, memórias do meu passado começaram a invadir meus pensamentos. Eu me lembrei de como minha vida nunca havia sido fácil. Desde pequena, o mundo sempre foi cruel comigo.

Minha mãe, viciada em drogas, era uma presença ausente e instável. Ela foi minha primeira e mais dura lição sobre a fragilidade da vida. Seus olhos, outrora cheios de amor, se tornaram vidrados e distantes, consumidos pela necessidade incessante de mais uma dose. Ela se afundou cada vez mais no vício, e eu me vi cada vez mais sozinha, uma criança tentando sobreviver em um mundo implacável.

Era muito jovem quando minha mãe começou a me usar como meio para sustentar seu vício. Me lembro da primeira vez que ela me empurrou para os braços de um homem estranho, seus olhos desesperados suplicando por dinheiro. Eu não entendia o que estava acontecendo, só sabia que aquilo não era certo, mas não tinha forças para resistir.

Os anos se passaram e essa se tornou minha realidade. A cada dia, eu me sentia mais aprisionada, mais perdida. Não havia ninguém para me salvar, ninguém para me tirar daquele inferno. Minha infância foi roubada, substituída por uma existência sombria e dolorosa. Eu tinha que me tornar forte, endurecer meu coração para sobreviver.

Até que um dia, não aguentei mais. Eu estava cansada de ser usada, cansada de viver com medo. Então, fugi. Corri o mais rápido que pude, sem olhar para trás. A ideia de um futuro melhor era a única coisa que me mantinha em movimento.

Foi nessa fuga desesperada que conheci Miriam. Eu estava faminta, suja e sem rumo quando ela me encontrou. Seus olhos, ao contrário dos outros adultos que conheci, não mostravam desdém ou indiferença, mas sim uma espécie de compaixão. Ela me levou para um lugar seguro, me deu comida, roupas limpas e, acima de tudo, um pouco de dignidade.

Miriam me ensinou como sobreviver naquele novo mundo. Ela me mostrou as regras do jogo, como me proteger e como ganhar dinheiro de maneira mais segura. Embora nosso trabalho fosse repleto de desafios e perigos, era infinitamente melhor do que a vida que eu deixara para trás. Com o tempo, aprendi a ver Miriam como uma figura materna, alguém em quem eu podia confiar.

Apesar da nova vida que Miriam me proporcionou, o passado nunca desapareceu completamente. Ainda podia sentir as mãos sujas dos homens que minha mãe me empurrou, ainda ouvia os gritos e as súplicas dela por mais drogas. Essas memórias me assombravam, lembrando-me constantemente de quão precária minha vida sempre havia sido.

Deitada na cama, pensei em como tudo poderia desmoronar a qualquer momento. O incidente na boate foi um lembrete cruel de que, não importa o quanto eu tentasse me afastar do passado, ele sempre encontrava uma maneira de me alcançar. Aquele homem, com seu desrespeito e desprezo, havia reavivado as feridas antigas, e eu sabia que precisava ser forte para não deixar que isso me destruísse.

Minha vida com Miriam me ensinou a ser resiliente, a não deixar que os desafios me derrotassem. Eu aprendi a me erguer depois de cada queda, a enfrentar cada obstáculo com determinação. Mas, às vezes, a luta parecia interminável, e o peso do passado se tornava quase insuportável.

Ainda assim, eu sabia que desistir não era uma opção. A vida me ensinou a ser uma lutadora, e era isso que eu precisava ser. Tinha que resolver a situação com o jogador, mostrar a Miriam que ela podia confiar em mim. Precisava continuar, mesmo quando tudo parecia desmoronar ao meu redor.

Olhei para o teto, deixando as lágrimas silenciosas escorrerem pelo meu rosto. A dor do passado ainda estava lá, mas eu sabia que não podia deixá-la definir meu futuro. Precisava seguir em frente, encontrar uma maneira de transformar minha dor em força.

Com um suspiro profundo, limpei as lágrimas e me levantei da cama. Tinha que me preparar para o dia seguinte, enfrentar os desafios que viriam. A vida não esperava por ninguém, e eu não podia me dar ao luxo de ficar parada. 

Lembrei-me das palavras de Miriam quando me encontrou: "Você é mais forte do que pensa, Fernanda. Nunca se esqueça disso." Essas palavras me deram forças inúmeras vezes, e hoje, mais do que nunca, eu precisava acreditar nelas.

Me dirigi ao espelho, olhando para meu reflexo. Vi uma mulher marcada pelo passado, mas também vi uma sobrevivente, alguém que tinha superado obstáculos inimagináveis. Sorri para mim mesma, um sorriso pequeno, mas cheio de determinação. Estava pronta para enfrentar o que viesse, porque sabia que, apesar de tudo, tinha a força para continuar.

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