– Você? – Joyce tenta conter um risinho. – É competente de mais para esse emprego.
– Competente demais para ser secretária e competente de menos para a vaga na minha área? – Franzo a testa. Resolvo ignorar Joyce e falar diretamente com Vitor Oeri. – Quero entrar para o grupo Oeri. Sempre foi meu sonho. Se tiver que começar de baixo e aprender as coisas de dentro, não tenho problemas com isso.
– Se conseguir acessar o computador da Camilla e imprimir o arquivo que preciso, está contratada.
– Eu consigo – garanto.
Apesar de que... invadir o computador de outra pessoa não era exatamente a função de uma secretária. Mas eu estava com sorte. Um dos meus melhores amigos da faculdade era hacker e tinha me ensinado alguns truques. Eu não acreditava que a senha dela fosse ser algo muito difícil de quebrar. Não uma senha de um computador de trabalho.
– Ótimo. Venha comigo.
Vitor Oeri era tão intimidante quanto diziam todas as milhares de reportagens que eu tinha lido sobre ele. Quando ele passava pelos corredores do escritório, em direção aos elevadores, exibindo sua cara carrancuda de quem estava visivelmente irritado, as pessoas chegavam a abaixar a cabeça ou desviar o olhar.
Quando entramos no elevador e a porta se fecha, o desconforto é tanto que sinto como se todo o ar tivesse sido sugado do ambiente. Tento me distrair, olhando a minha imagem no espelho e usando os dedos para pentear e colocar minha franjinha rebelde no lugar. Meus cabelos negros eram muito lisos, mas às vezes achava que a franja tinha vida própria.
Ouço uma risada baixinha e percebo que Vitor está me observando.
– O quê? – Pergunto. Sua risada me irritando ao ponto de me fazer esquecer de que eu estava falando com meu futuro chefe.
– Você tem o mesmo hábito da minha filha.
– Sua filha? – Eu me derreto completamente a menção da minha filha.
– Clara... – ele diz, como se eu não soubesse. – Ela também arruma a franja desse jeito. É adorável.
Eu sorrio, imaginando que, mesmo sem a convivência, minha garotinha e eu tínhamos algo em comum. Acho que Vitor pensa que estou sorrindo pra ele, porque sorri de volta.
– Ela é linda – digo. – Já vi fotos.
– Gosta de crianças, senhorita... ?
– Luna. Luna Castilho.
– Gosta de crianças, senhorita Castilho?
– Sim... – ainda mais de uma, em especial.
– Eu também. Trazem mais vida para o nosso dia a dia.
É, eu sei que gosta. Gosta tanto que roubou a minha. Durante anos eu me perguntei... Por que eu? Por que a minha garotinha? Foi só a convencia de eu ser uma jovem vulnerável sem ninguém ao meu lado naquele hospital ou tinha algo mais por trás? Talvez fosse a aparecia... O mesmo tom de olhos verdes que nos três compartilhávamos, o cabelo liso, o tom da pele... Ao menos vendo por foto, ninguém diria que Clara não era filha dele. Não era tão parecida com Marina Oeri, a esposa de Vitor. Mas era muito parecida com ele. E comigo. De qualquer forma, os motivos não me importavam mais. Eu tinha transcendido a todos os questionamentos. Todos os meus esforços estavam concentrados em tê-la de volta.
– Por favor... – Vitor faz um gesto para que eu vá na frente, quando as portas do elevador se abrem.
Entro em um amplo salão, com confortáveis sofás de couro, uma parede de vidro com vista para o mar e uma mesa enorme com dois computadores. Parecia a sala de espera para aqueles que agendavam um horário com Vitor.
– Faça sua mágica – ele aponta para um dos computadores e eu rapidamente corro para trás da bancada, assumindo meu lugar em uma confortável cadeira de escritório. – Cinco minutos? – Ele pergunta, mas soa mais como uma ordem.
– Cinco minutos? – Me altero. Ele era louco ou o quê?
– Algum problema? – Me desafia com o olhar, indo sentar-se na cadeira de couro com encosto alto mais próxima da minha mesa e tirando o celular de dentro do bolso interno do blazer. – Não costumo ter muito tempo a perder, senhorita Castilho.
– Nenhum problema – minto.
Eu tinha todos os problemas. Primeiro, eu não sabia onde ficava nada. Segundo, eu nem mesmo sabia a senha da internet. Terceiro eu precisava de um pen drive ou um HD externo onde eu pudesse baixar um programa que... Respiro fundo. Eu estava surtando. Tudo que eu precisava era relaxar, pesar menos e executar mais.
– Na verdade... – digo. – Qual a senha da internet?
– Primeira gaveta à direita – ele responde, sem ao menos levantar os olhos do celular.
Abro a gaveta e encontro uma agenda. Camilla, ao menos, era bem-organizada. Na verdade, ela era muito bem-organizada! Sorrio, irônica. O implacável senhor Oeri não tinha sido inteligente o suficiente para procurar a senha do computador na agenda da sua secretária?
– Qual o arquivo que o senhor precisa? – Pergunto, minha voz soando vitoriosa.
– Você conseguiu? – Ele finalmente me olha, a testa franzida em surpresa.
– Eu disse que conseguiria.
– Ótimo. É o projeto do Oasis Spa, deve estar com a data de hoje.
Demoro um pouquinho para me encontrar. Infelizmente o computador de Camilla não era tão organizado quanto sua agenda. Mas logo identifico o arquivo e envio para a impressão. O barulho sutil da impressora atrás de mim faz com que eu corra até ela para recolher os papéis. Confiro tudo e coloco dentro de uma das muitas pastas que encontrei nas gavetas.
– Prontinho... – caminho até Vitor e lhe estendo a pasta.
Ele confere o relógio antes de se levantar e retirar a papelada de minhas mãos.
– Seis minutos e meio.
Ele não diz mais nada, ou ao menos me olha, antes de sair andando confiante em direção a uma porta que ficava à direita da minha mesa. Presumo que seja sua sala.
Seis minutos e meio? Eu tinha salvado a porra da bunda daquele babaca e tudo o que ele me dizia era “seis minutos e meio”? O que isso queria dizer? Eu estava sendo dispensada por causa de um minuto e meio? Sinto meu estômago afundar. Não era possível que eu perderia uma chance daquelas por causa de um minuto e meio. Não podia ser sério.
– Me traga um café... – Vitor abre novamente a porta, apenas o suficiente para colocar a cabeça para fora. – Puro e forte.
Concordo com a cabeça, enquanto tento conter um sorriso. Eu tinha sido contatada.
O problema é que ninguém me treinou. Assim como o emprego na área de engenharia, provavelmente era esperado de que a secretária do senhor Oeri tivesse qualquer experiência além de conseguir resgatar um arquivo no computador e imprimi-lo. Mas eu não tinha. Não sabia nada sobre como ser uma secretária eficiente.Por sorte, ou não, Vitor Oeri gostava muito, muito de mandar. E não gostava quase nada de repetir suas ordens. Então, não demorei a aprender que, todo dia pela manhã, Victor gostava de encontrar seu café esperando por ele junto com a cópia do seu jornal favorito (porque sim, ele ainda lia jornal impresso). Depois disso, basicamente eu passava o dia atendendo telefone, agendando suas reuniões e compromissos, e revisando e imprimindo papeladas.– Sai logo daí, pirralha! Até parece que nunca entrou em um elevador.Meu coração pula uma batida quando ouço a risada de uma criança. Clara Oeri entra correndo pela sala de espera e se joga em um dos sofás de couro, como se estivesse acost
A coisa toda vira um caos depois daquilo. Vitor e Marina gritando um com o outro, Clara chorando, o telefone tocando insistentemente... Eu só pego Clara pela mão e a puxo para dentro da sala de Vitor, tentando poupá-la ao máximo.Depois de alguns minutos, tudo fica silencioso. Abro a porta lentamente para verificar o lado de fora... eles não estavam mais lá.– Tudo bem, já passou – digo para ela. – Gosta de desenhar? – Ela concorda com a cabeça.Coloco Clara sentada na cadeira de Vitor e abro as gavetas e busca de papeis e algumas canetinhas. Acabo me deparando com o motivo de todo o estresse por parte de Marina. Papéis de divórcio.“– Eu não vou assinar. Não vou.” – Lembro-me dela dizendo.De fato, só tinha a assinatura de Vitor.– A curiosidade matou um gato, senhorita Castilho... – me sobressalto, com Vitor parado na porta, me observando. – Sendo tão gata, deveria tomar mais cuidado com o que espiona.Sinto minhas bochechas corarem. Ele consegue fazer com que sua frase soe tão amea
Eu congelo no lugar. De todas as coisas que Vitor pudesse querer falar comigo, eu não imaginava que esse fosse ser o assunto. Será que ele estava... fazendo conexões? Até que ponto ele poderia imaginar que eu era a garota naquela sala de cirurgia de quem ele deu a ordem para roubarem o bebê recém-nascido?– Acho que vai precisar disso... – ele aponta para um copo de whisky, estrategicamente posicionado. – Sente-se.– Não acho que eu deveria beber em horário de serviço, senhor Oeri – digo, apesar de caminhar em direção a cadeira que me é indicada e me sentar.– Vitor – me corrige, me autorizando a chamá-lo pelo primeiro nome. – Já passou muito do seu horário de serviço hoje, Luna – já ele, não espera por uma autorização para deixar de usar meu sobrenome. – Além do mais, se seu chefe diz que você pode beber, você pode beber. A não ser que não goste de whisky... posso providenciar...– Trabalhei em um bar... – conto, segurando o copo e admirando a bebida antes e experimentá-la. – Quando
– Senhor Oeri, o senhor... – É só a bebida falando... – ele se desculpa. – Vou te levar para a sua casa. Eu respiro fundo. Queria pontuar que não era preciso, que eu podia pegar um ônibus. Queria pontuar que Vitor tinha tomado dois copos de whisky e que provavelmente não deveria estar dirigindo. Queria pontuar que era um tanto desconfortável ficar perto dele quando ele falava coisas como “a não ser que você prefira ir para a minha casa”. Mas eu conhecia muito bem a fama de implacável daquele homem, ele quebraria qualquer um dos meus argumentos em dois segundos. Então, eu só deixei... – Tudo bem... – concordo baixinho. O carro do Vitor era um Porsche Cayenne do ano, o que me fazia ter medo de respirar perto dele e causar algum dano, o que dirá entrar! Então, eu simplesmente fico parada, olhando para a porta. Isso faz com que Vitor contorne o veículo, saindo do lado do motorista, e abra a porta pra mim, fazendo um gesto exagerado com as mãos para indicar que eu entre. – Senhorita...
Ele me ouviu? Vitor Oeri me ouviu dizer que eu o achava gostoso? Quando me viro, lentamente, o sorriso presunçoso em seu rosto é a minha resposta: ele ouviu. Sinto minhas bochechas corarem imediatamente.– Você esqueceu isso... – ele segurava a sacola da loja chique de cosméticos, com o creme que tinha me dado de presente. Não foi uma desfeita. Eu sai tão desesperada do carro que teria esquecido qualquer coisa.– Obrigada – pego a sacola, e permaneço o encarando, torcendo desesperadamente para que ele me dê as costas e vá embora.Mas ele não o faz. Rapidamente Henry está de volta, trazendo nossas tequilas e Vitor recebe suas duas taças de vinho. Ele me oferece uma.– Espero que não seja um dos que você considera barato – diz, em uma referência a nossa conversa de mais cedo.– É um Trapiche Malbec – Henry responde, soando um pouco ofendido.Vitor dá de ombros, como se não se impressionasse muito. Com certeza não passava nem perto de um dos seus favoritos, mas acho que ele não estava es
– O quê? – Pergunto, parando de dançar. Meu corpo reluta. Ele já estava completamente entregue aos comandos de Vitor.– É que eu realmente preciso... – ele tira o celular de dentro do blazer. – Preciso retornar essa ligação. Tem algum lugar silencioso onde eu possa fazer isso?– Ah! – Digo, percebendo que fico um tanto decepcionada com a explicação. – Claro, vem comigo.Sigo com Vitor para as escadas e descemos até meu pequeno apartamento. É meio constrangedor, mas pelo menos era organizado e limpinho. Aponto para Vitor a porta do quarto, falando que ele pode ficar à vontade, enquanto permaneço na sala/cozinha. Ainda assim, era impossível não o ouvir, nervoso. Algo sobre o divórcio.Quando ele desliga e volta a sala, está totalmente irritado, passando a mão pelos cabelos daquela forma que ele
~VITOR~– O que não é possível? – Pergunto, encarando-a.– Que... Que você esteja preocupado com isso, agora, quando tem uma festa com churrasco e cerveja rolando lá em cima... – Luna responde.Ela claramente estava desconversando ao não querer me falar o que estava pensando. Tudo bem, eu estava acostumado com as pessoas terem medo de serem sinceras comigo. Mas... por algum motivo me incomodava que isso viesse de Luna. Quando eu vi aquela garota se colocando entre Marina e Clara para levar um tapa no lugar da minha filha, aquilo mexeu comigo e me fez criar certas expectativas em cima de alguém que eu mal conhecia. Mas que eu definitivamente queria conhecer melhor.– Tem razão – digo. – Acho que tenho te usado demais como ouvinte nas últimas horas. É seu aniversário, você deveria estar comemorando.– N&atild
Na segunda-feira seguinte, atrás da minha mesa na recepção do escritório de Vitor, eu brincava com a corrente finíssima de ouro branco que envolvia o meu pescoço e terminava em um único fio com um pingente de lua – uma referência ao meu nome – na ponta. O pingente era todo cravejado por pequenos brilhantes que, eu esperava de coração, que fossem só zircônia.– Meu amor, é um Ella Deluxe – Julia se refere a marca – é claro que isso é diamante!Minha melhor amiga entendia muito mais de joias e marcas de luxo do que eu, o que a levou a ter um pequeno surto quando viu o presente que Vitor tinha me deixado.– Ele não gastaria tanto dinheiro com uma secretária... – desdenho. – É zircônia.– Olha esse brilho! – Ela quebra meu argumento colocando o colar contra a luz e fazendo