O problema é que ninguém me treinou. Assim como o emprego na área de engenharia, provavelmente era esperado de que a secretária do senhor Oeri tivesse qualquer experiência além de conseguir resgatar um arquivo no computador e imprimi-lo. Mas eu não tinha. Não sabia nada sobre como ser uma secretária eficiente.
Por sorte, ou não, Vitor Oeri gostava muito, muito de mandar. E não gostava quase nada de repetir suas ordens. Então, não demorei a aprender que, todo dia pela manhã, Victor gostava de encontrar seu café esperando por ele junto com a cópia do seu jornal favorito (porque sim, ele ainda lia jornal impresso). Depois disso, basicamente eu passava o dia atendendo telefone, agendando suas reuniões e compromissos, e revisando e imprimindo papeladas.
– Sai logo daí, pirralha! Até parece que nunca entrou em um elevador.
Meu coração pula uma batida quando ouço a risada de uma criança. Clara Oeri entra correndo pela sala de espera e se j**a em um dos sofás de couro, como se estivesse acostumada a fazer aquilo outras vezes.
Eu não consigo tirar meus olhos dela, um sorriso bobo dançando nos meus olhos. Minha filha. Minha filha estava bem ali, na minha frente. E ela era... tão parecida comigo quando eu era pequena! Os olhos esverdeados, o cabelo liso com o corte em franjinha que Vitor mencionara, as mãozinhas pequenas tentando alcançar o pote de balas na mesa de centro, o sorriso gigante... E era tão perfeita!
Queria ir até ela, abraçá-la e correr dali com a Clara nos meus braços. Mas se eu fizesse isso, eu cairia no mesmo problema que me segurou durante seis anos: estar contra uma família poderosa e sem prova nenhuma. Eu precisava me segurar. Precisava aproveitar a minha proximidade com Vitor Oeri para reunir todas as informações e provas que eu pudesse.
– Não conheço você – ouço uma voz desdenhosa vinda da minha frente e sou trazida de volta a realidade, obrigando-me a olhá-la.
– Boa tarde, senhora Lopez-Oeri, sou a...
– Não perguntei – ela me interrompe. – Não é como se eu fosse me lembrar. Avise ao Vitor que estou aqui.
Tão nojenta quanto diziam. Marina Lopez Oeri, a influenciadora de beleza e moda que tinha fisgado o coração de um dos solteirões mais desejados do país e conseguido um casamento de princesa que dominou todas os perfis de fofocas das redes sociais, cerca de cinco anos atrás. Eu a odiava quase tanto quando eu odiava Vitor Oeri. A mulher que estava criando minha filha como se fosse sua.
– Tem um horário marcado? – Eu provoco. Sei que provavelmente ela não precisa de um, mas... Bem, eu era nova no emprego, não era? Ninguém me orientou quanto a isso.
– Você só pode estar brincando!
Ouço seus saltos finos baterem nervosamente contra o piso de madeira e seus cabelos loiros, presos em um rabo de cavalo, balançam de um lado para o outro enquanto ela segue em direção a sala de Vitor. Então, corro e me coloco entre ela e a porta.
– Eu perguntei... se você tem um horário – digo, desafiadora.
– Secretariazinha idiota. Você vai ser despedida em dois tempos. Agora, sai da minha frente – eu não me movo. – SAI DA MINHA FRENTE!
– Ah... – ouço o barulho da porta se abrindo atrás de mim. – Achei que tinha ouvido sua voz.
Finalmente sou obrigada a me mover e dar passagem a Marina. Observo-a se jogar nos braços do marido e colar seus lábios rapidamente nos seus. Ele parece incomodado com a situação, e logo a afasta.
– Achei que pudéssemos almoçar.
– Você... marcou um horário com a minha secretária?
Vitor me lança um olhar rápido. Ele tinha me ouvido também. Tinha me ouvido desafiar a sua esposa e, algo em seu olhar, me dizia que... ele estava se divertindo com a situação.
– O quê? – Ela soa fria.
– Marina, já conversamos um milhão de vezes, eu não posso simplesmente...
– Papai, papai, papai! – Clara vem correndo, e Vitor se abaixa para abraçá-la e pegá-la no colo.
– Hey, olha quem está aqui! – Ele dá um beijinho em sua testa. – Que surpresa boa, meu anjinho.
– Ah, claro... – Marina desenha. – Ela é uma surpresa boa.
– Escuta... – Vitor continua falando com a menina. – Pode esperar cinco minutos pelo papai? Comportadinha? Preciso conversar em particular com a sua mãe e depois vamos tomar um sorvete, que tal?
– Tudo bem... – ela concorda.
– Pode ficar de olho nela? – Ele me pede, e confirmo com a cabeça.
– Não pode prometer sorvete pra essa garota, não vê como ela está engordando? – Ouço Marina reclamar, enquanto eles entram.
– Cretina... – murmuro. Como ela podia tratar uma criança daquele jeito?
– Cretina... – ouço a vozinha de Clara repetir. – Papai bebe cretina – ela diz.
– O quê? – Pergunto rindo, um pouco em choque por ela estar repetindo aquela palavra.
– Papai bebe cretina antes de malhar. Eu não posso beber porque sou criança. Você também bebe cretina?
Creatina, eu percebo. Não consigo conter a risada.
– É, eu bebo sim. Mas sabe o que você pode beber...? – Estendo a minha mão na direção dela e ela rapidamente segura, me deixando guia-la de volta ao sofá. – Refrigerante! Você gosta?
– Gosto muito! – Ela diz animada. – Mas mamãe vai brigar comigo.
– Então... vai ser um segredinho nosso, tudo bem?
– Tudo bem! – Ela responde animada.
Ligo para o refeitório e peço que me tragam uma latinha de coca e um pedaço de bolo de chocolate. Provavelmente eu não deveria estar fazendo isso. Mas foda-se aquela cretina estupida querendo impedir uma criança de ser criança simplesmente para ela não engordar. Clara me parecia até magrinha demais!
– Eu não vou assinar! Não vou! – Marina saia do escritório de Vitor ainda mais furiosa do que havia entrado.
– Pare de gritar... – Vitor tenta contê-la, me lançando um olhar que mostrava o quanto ele estava desconfortável em me ter ouvindo a discussão.
Mas Marina já não o está mais ouvindo, seus olhos estão fixos em Clara, terminado de comer seu pedaço de bolo de chocolate.
– Sua pirralha estúpida! – Ela vem rapidamente na nossa direção. – Sabe que não pode comer... POR QUE ESTÁ LIMPANDO AS MÃOS NESSE VESTIDO? É UM CHANEL!
Clara se assusta e começa a chorar. Marina levanta a mão na direção dela, como se estivesse pronta para lhe dar um tapa. Sou mais rápida e me coloco entre elas. O tapa me atinge com tudo no rosto.
No momento em que nossos olhos se encontram, eu tenho certeza de que aquele tapa, com aquela força toda, não tinha como destino Clara. Ela me atingiu de propósito. Ela podia ter se detido, mas não quis. Quis me atingir. Talvez porque ela só queria alguém em quem descontar a sua raiva. Talvez porque eu a tenha desafiado. Ou talvez... ela tivesse me reconhecido?
A coisa toda vira um caos depois daquilo. Vitor e Marina gritando um com o outro, Clara chorando, o telefone tocando insistentemente... Eu só pego Clara pela mão e a puxo para dentro da sala de Vitor, tentando poupá-la ao máximo.Depois de alguns minutos, tudo fica silencioso. Abro a porta lentamente para verificar o lado de fora... eles não estavam mais lá.– Tudo bem, já passou – digo para ela. – Gosta de desenhar? – Ela concorda com a cabeça.Coloco Clara sentada na cadeira de Vitor e abro as gavetas e busca de papeis e algumas canetinhas. Acabo me deparando com o motivo de todo o estresse por parte de Marina. Papéis de divórcio.“– Eu não vou assinar. Não vou.” – Lembro-me dela dizendo.De fato, só tinha a assinatura de Vitor.– A curiosidade matou um gato, senhorita Castilho... – me sobressalto, com Vitor parado na porta, me observando. – Sendo tão gata, deveria tomar mais cuidado com o que espiona.Sinto minhas bochechas corarem. Ele consegue fazer com que sua frase soe tão amea
Eu congelo no lugar. De todas as coisas que Vitor pudesse querer falar comigo, eu não imaginava que esse fosse ser o assunto. Será que ele estava... fazendo conexões? Até que ponto ele poderia imaginar que eu era a garota naquela sala de cirurgia de quem ele deu a ordem para roubarem o bebê recém-nascido?– Acho que vai precisar disso... – ele aponta para um copo de whisky, estrategicamente posicionado. – Sente-se.– Não acho que eu deveria beber em horário de serviço, senhor Oeri – digo, apesar de caminhar em direção a cadeira que me é indicada e me sentar.– Vitor – me corrige, me autorizando a chamá-lo pelo primeiro nome. – Já passou muito do seu horário de serviço hoje, Luna – já ele, não espera por uma autorização para deixar de usar meu sobrenome. – Além do mais, se seu chefe diz que você pode beber, você pode beber. A não ser que não goste de whisky... posso providenciar...– Trabalhei em um bar... – conto, segurando o copo e admirando a bebida antes e experimentá-la. – Quando
– Senhor Oeri, o senhor... – É só a bebida falando... – ele se desculpa. – Vou te levar para a sua casa. Eu respiro fundo. Queria pontuar que não era preciso, que eu podia pegar um ônibus. Queria pontuar que Vitor tinha tomado dois copos de whisky e que provavelmente não deveria estar dirigindo. Queria pontuar que era um tanto desconfortável ficar perto dele quando ele falava coisas como “a não ser que você prefira ir para a minha casa”. Mas eu conhecia muito bem a fama de implacável daquele homem, ele quebraria qualquer um dos meus argumentos em dois segundos. Então, eu só deixei... – Tudo bem... – concordo baixinho. O carro do Vitor era um Porsche Cayenne do ano, o que me fazia ter medo de respirar perto dele e causar algum dano, o que dirá entrar! Então, eu simplesmente fico parada, olhando para a porta. Isso faz com que Vitor contorne o veículo, saindo do lado do motorista, e abra a porta pra mim, fazendo um gesto exagerado com as mãos para indicar que eu entre. – Senhorita...
Ele me ouviu? Vitor Oeri me ouviu dizer que eu o achava gostoso? Quando me viro, lentamente, o sorriso presunçoso em seu rosto é a minha resposta: ele ouviu. Sinto minhas bochechas corarem imediatamente.– Você esqueceu isso... – ele segurava a sacola da loja chique de cosméticos, com o creme que tinha me dado de presente. Não foi uma desfeita. Eu sai tão desesperada do carro que teria esquecido qualquer coisa.– Obrigada – pego a sacola, e permaneço o encarando, torcendo desesperadamente para que ele me dê as costas e vá embora.Mas ele não o faz. Rapidamente Henry está de volta, trazendo nossas tequilas e Vitor recebe suas duas taças de vinho. Ele me oferece uma.– Espero que não seja um dos que você considera barato – diz, em uma referência a nossa conversa de mais cedo.– É um Trapiche Malbec – Henry responde, soando um pouco ofendido.Vitor dá de ombros, como se não se impressionasse muito. Com certeza não passava nem perto de um dos seus favoritos, mas acho que ele não estava es
– O quê? – Pergunto, parando de dançar. Meu corpo reluta. Ele já estava completamente entregue aos comandos de Vitor.– É que eu realmente preciso... – ele tira o celular de dentro do blazer. – Preciso retornar essa ligação. Tem algum lugar silencioso onde eu possa fazer isso?– Ah! – Digo, percebendo que fico um tanto decepcionada com a explicação. – Claro, vem comigo.Sigo com Vitor para as escadas e descemos até meu pequeno apartamento. É meio constrangedor, mas pelo menos era organizado e limpinho. Aponto para Vitor a porta do quarto, falando que ele pode ficar à vontade, enquanto permaneço na sala/cozinha. Ainda assim, era impossível não o ouvir, nervoso. Algo sobre o divórcio.Quando ele desliga e volta a sala, está totalmente irritado, passando a mão pelos cabelos daquela forma que ele
~VITOR~– O que não é possível? – Pergunto, encarando-a.– Que... Que você esteja preocupado com isso, agora, quando tem uma festa com churrasco e cerveja rolando lá em cima... – Luna responde.Ela claramente estava desconversando ao não querer me falar o que estava pensando. Tudo bem, eu estava acostumado com as pessoas terem medo de serem sinceras comigo. Mas... por algum motivo me incomodava que isso viesse de Luna. Quando eu vi aquela garota se colocando entre Marina e Clara para levar um tapa no lugar da minha filha, aquilo mexeu comigo e me fez criar certas expectativas em cima de alguém que eu mal conhecia. Mas que eu definitivamente queria conhecer melhor.– Tem razão – digo. – Acho que tenho te usado demais como ouvinte nas últimas horas. É seu aniversário, você deveria estar comemorando.– N&atild
Na segunda-feira seguinte, atrás da minha mesa na recepção do escritório de Vitor, eu brincava com a corrente finíssima de ouro branco que envolvia o meu pescoço e terminava em um único fio com um pingente de lua – uma referência ao meu nome – na ponta. O pingente era todo cravejado por pequenos brilhantes que, eu esperava de coração, que fossem só zircônia.– Meu amor, é um Ella Deluxe – Julia se refere a marca – é claro que isso é diamante!Minha melhor amiga entendia muito mais de joias e marcas de luxo do que eu, o que a levou a ter um pequeno surto quando viu o presente que Vitor tinha me deixado.– Ele não gastaria tanto dinheiro com uma secretária... – desdenho. – É zircônia.– Olha esse brilho! – Ela quebra meu argumento colocando o colar contra a luz e fazendo
~VITOR~Tinha algo no jeito em que Luna olhava para Clara que me fazia pensar no quanto aquela garota tinha ficado machucada por dentro depois de tudo o que passou com a perda da filha durante o parto. Era quase como se ela pudesse amar Clara, mesmo mal a conhecendo, talvez pelo simples fato da minha filha representar tudo o que ela tinha perdido. E aquilo... era bonito de ver.Elas conseguiram passar quase quinze minutos se divertindo com um balde de pipoca enquanto esperávamos a sessão começar. Clara e Luna jogavam a pipoca uma para a outra, para que pudessem pegar com a boca... Mas o engraçado é que as duas eram muito ruim naquilo.As duas tinham permanecido sentadas em uma mesa na sala de espera, enquanto fui até uma das máquinas para imprimir nossos ingressos. De longe, eu não conseguia parar de observá-las. Clara, com seus seis anos de entusiasmo inabalável, parecia ter enc