Capítulo 3

O problema é que ninguém me treinou. Assim como o emprego na área de engenharia, provavelmente era esperado de que a secretária do senhor Oeri tivesse qualquer experiência além de conseguir resgatar um arquivo no computador e imprimi-lo. Mas eu não tinha. Não sabia nada sobre como ser uma secretária eficiente.

Por sorte, ou não, Vitor Oeri gostava muito, muito de mandar. E não gostava quase nada de repetir suas ordens. Então, não demorei a aprender que, todo dia pela manhã, Victor gostava de encontrar seu café esperando por ele junto com a cópia do seu jornal favorito (porque sim, ele ainda lia jornal impresso). Depois disso, basicamente eu passava o dia atendendo telefone, agendando suas reuniões e compromissos, e revisando e imprimindo papeladas.

– Sai logo daí, pirralha! Até parece que nunca entrou em um elevador.

Meu coração pula uma batida quando ouço a risada de uma criança. Clara Oeri entra correndo pela sala de espera e se j**a em um dos sofás de couro, como se estivesse acostumada a fazer aquilo outras vezes.

Eu não consigo tirar meus olhos dela, um sorriso bobo dançando nos meus olhos. Minha filha. Minha filha estava bem ali, na minha frente. E ela era... tão parecida comigo quando eu era pequena! Os olhos esverdeados, o cabelo liso com o corte em franjinha que Vitor mencionara, as mãozinhas pequenas tentando alcançar o pote de balas na mesa de centro, o sorriso gigante... E era tão perfeita!

Queria ir até ela, abraçá-la e correr dali com a Clara nos meus braços. Mas se eu fizesse isso, eu cairia no mesmo problema que me segurou durante seis anos: estar contra uma família poderosa e sem prova nenhuma. Eu precisava me segurar. Precisava aproveitar a minha proximidade com Vitor Oeri para reunir todas as informações e provas que eu pudesse.

– Não conheço você – ouço uma voz desdenhosa vinda da minha frente e sou trazida de volta a realidade, obrigando-me a olhá-la.

– Boa tarde, senhora Lopez-Oeri, sou a...

– Não perguntei – ela me interrompe. – Não é como se eu fosse me lembrar. Avise ao Vitor que estou aqui.

Tão nojenta quanto diziam. Marina Lopez Oeri, a influenciadora de beleza e moda que tinha fisgado o coração de um dos solteirões mais desejados do país e conseguido um casamento de princesa que dominou todas os perfis de fofocas das redes sociais, cerca de cinco anos atrás. Eu a odiava quase tanto quando eu odiava Vitor Oeri. A mulher que estava criando minha filha como se fosse sua.

– Tem um horário marcado? – Eu provoco. Sei que provavelmente ela não precisa de um, mas... Bem, eu era nova no emprego, não era? Ninguém me orientou quanto a isso.

– Você só pode estar brincando!

Ouço seus saltos finos baterem nervosamente contra o piso de madeira e seus cabelos loiros, presos em um rabo de cavalo, balançam de um lado para o outro enquanto ela segue em direção a sala de Vitor. Então, corro e me coloco entre ela e a porta.

– Eu perguntei... se você tem um horário – digo, desafiadora.

– Secretariazinha idiota. Você vai ser despedida em dois tempos. Agora, sai da minha frente – eu não me movo. – SAI DA MINHA FRENTE!

– Ah... – ouço o barulho da porta se abrindo atrás de mim. – Achei que tinha ouvido sua voz.

Finalmente sou obrigada a me mover e dar passagem a Marina. Observo-a se jogar nos braços do marido e colar seus lábios rapidamente nos seus. Ele parece incomodado com a situação, e logo a afasta.

– Achei que pudéssemos almoçar.

– Você... marcou um horário com a minha secretária?

Vitor me lança um olhar rápido. Ele tinha me ouvido também. Tinha me ouvido desafiar a sua esposa e, algo em seu olhar, me dizia que... ele estava se divertindo com a situação.

– O quê? – Ela soa fria.

– Marina, já conversamos um milhão de vezes, eu não posso simplesmente...

– Papai, papai, papai! – Clara vem correndo, e Vitor se abaixa para abraçá-la e pegá-la no colo.

– Hey, olha quem está aqui! – Ele dá um beijinho em sua testa. – Que surpresa boa, meu anjinho.

– Ah, claro... – Marina desenha. – Ela é uma surpresa boa.

– Escuta... – Vitor continua falando com a menina. – Pode esperar cinco minutos pelo papai? Comportadinha? Preciso conversar em particular com a sua mãe e depois vamos tomar um sorvete, que tal?

– Tudo bem... – ela concorda.

– Pode ficar de olho nela? – Ele me pede, e confirmo com a cabeça.

– Não pode prometer sorvete pra essa garota, não vê como ela está engordando? – Ouço Marina reclamar, enquanto eles entram.

– Cretina... – murmuro. Como ela podia tratar uma criança daquele jeito?

– Cretina... – ouço a vozinha de Clara repetir. – Papai bebe cretina – ela diz.

– O quê? – Pergunto rindo, um pouco em choque por ela estar repetindo aquela palavra.

– Papai bebe cretina antes de malhar. Eu não posso beber porque sou criança. Você também bebe cretina?

Creatina, eu percebo. Não consigo conter a risada.

– É, eu bebo sim. Mas sabe o que você pode beber...? – Estendo a minha mão na direção dela e ela rapidamente segura, me deixando guia-la de volta ao sofá. – Refrigerante! Você gosta?

– Gosto muito! – Ela diz animada. – Mas mamãe vai brigar comigo.

– Então... vai ser um segredinho nosso, tudo bem?

– Tudo bem! – Ela responde animada.

Ligo para o refeitório e peço que me tragam uma latinha de coca e um pedaço de bolo de chocolate. Provavelmente eu não deveria estar fazendo isso. Mas foda-se aquela cretina estupida querendo impedir uma criança de ser criança simplesmente para ela não engordar. Clara me parecia até magrinha demais!

– Eu não vou assinar! Não vou! – Marina saia do escritório de Vitor ainda mais furiosa do que havia entrado.

– Pare de gritar... – Vitor tenta contê-la, me lançando um olhar que mostrava o quanto ele estava desconfortável em me ter ouvindo a discussão.

Mas Marina já não o está mais ouvindo, seus olhos estão fixos em Clara, terminado de comer seu pedaço de bolo de chocolate.

– Sua pirralha estúpida! – Ela vem rapidamente na nossa direção. – Sabe que não pode comer... POR QUE ESTÁ LIMPANDO AS MÃOS NESSE VESTIDO? É UM CHANEL!

Clara se assusta e começa a chorar. Marina levanta a mão na direção dela, como se estivesse pronta para lhe dar um tapa. Sou mais rápida e me coloco entre elas. O tapa me atinge com tudo no rosto.

No momento em que nossos olhos se encontram, eu tenho certeza de que aquele tapa, com aquela força toda, não tinha como destino Clara. Ela me atingiu de propósito. Ela podia ter se detido, mas não quis. Quis me atingir. Talvez porque ela só queria alguém em quem descontar a sua raiva. Talvez porque eu a tenha desafiado. Ou talvez... ela tivesse me reconhecido?

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