A coisa toda vira um caos depois daquilo. Vitor e Marina gritando um com o outro, Clara chorando, o telefone tocando insistentemente... Eu só pego Clara pela mão e a puxo para dentro da sala de Vitor, tentando poupá-la ao máximo.
Depois de alguns minutos, tudo fica silencioso. Abro a porta lentamente para verificar o lado de fora... eles não estavam mais lá.
– Tudo bem, já passou – digo para ela. – Gosta de desenhar? – Ela concorda com a cabeça.
Coloco Clara sentada na cadeira de Vitor e abro as gavetas e busca de papeis e algumas canetinhas. Acabo me deparando com o motivo de todo o estresse por parte de Marina. Papéis de divórcio.
“– Eu não vou assinar. Não vou.” – Lembro-me dela dizendo.
De fato, só tinha a assinatura de Vitor.
– A curiosidade matou um gato, senhorita Castilho... – me sobressalto, com Vitor parado na porta, me observando. – Sendo tão gata, deveria tomar mais cuidado com o que espiona.
Sinto minhas bochechas corarem. Ele consegue fazer com que sua frase soe tão ameaçadora quanto sedutora.
– Eu só... Clara precisava de papéis para desenhar.
– Como está seu rosto? – Ele se aproxima tão rapidamente de mim que mal me dou conta de seus dedos deslizando pelo meu rosto e colocando uma mecha do meu cabelo atrás da orelha. Recuo, intimidada. – Se quiser processá-la... Os advogados são por minha conta.
– Tudo bem... – digo com a voz fraca. – Foi só um acidente.
– Se você diz...
Ele se afasta de mim e vai até Clara. Observo os dois trocarem algumas palavras carinhosas enquanto Vitor a acalma e se certifica de que ela está bem.
– Vou levar Clara para tomar sorvete de depois deixá-la na casa da minha irmã. Remarque todas as minhas reuniões de hoje à tarde. Exceto... Exceto Antonella Lennox. Eu volto a tempo para essa. Veja se ela se importa de vir no último horário, ok?
– Sim, senhor.
Vitor faz um gesto para que Clara a abrace e aproveita para pegá-la no colo. Eu os observo com um pouquinho de inveja. Eles pareciam ter uma boa conexão. Diferente de Marina, que não parecia ligar a mínima para a menina, Vitor parecia realmente ser apaixonado por Clara.
– Papai... Tia Luna também gosta de cretina – ela diz, me fazendo arregalar os olhos de susto. Achei que ela tinha esquecido aquela palavra.
– Como é que é? – Vitor se espanta, olhando para trás, em minha direção.
– Antes do treino... – eu digo, fazendo-o rir.
– Sei, sei... – eu rio de volta.
Passo o resto da tarde fazendo o que Vitor me pediu e reagendando seus compromissos. Mal percebo o tempo passar. Por dentro, ainda estou uma pilha de emoções por tudo o que aconteceu naquele dia. Só consigo pensar que eu vi minha filha, eu encostei nela, eu falei com ela... Se eu não tivesse completamente focada no meu objetivo maior, estaria desabando agora. Mas seis anos me fizeram aprender que foco e tranquilidade eram determinantes para chegar aonde eu queria.
– Isso é para você... – Victor coloca uma sacola de papel, de uma loja chique de cosméticos, em cima da minha mesa.
– Pra mim? – Estranho. Ele confirma com a cabeça e eu abro a sacola, tirando de dentro um potinho.
Era um creme facial de aloe vera. Eu conhecia a marca, já tinha ouvido falar muito bem, mas nunca tinha usado nada. Era caríssima.
– Para o seu rosto. Disseram que é calmante.
– Não, não precisa... Nem está tão ruim...
Ele segura meu rosto, virando em direção a luz. Seu polegar me acaricia levemente, causando arrepios por todo o meu corpo. Eu não gostava nada daquela sensação. Não gostava nada de me sentir tão entregue ao seu toque.
– Está bem vermelho ainda.
– Qualquer coisa me deixa vermelha – um dos males da pele muito branca. E eu tinha certeza de que estava ficando ainda mais vermelha agora.
Ouvimos um discreto arranhar de garganta e Vitor pula para longe de mim, quase como se sentisse que tivesse sido pego fazendo algo muito errado.
– Senhora Lennox! – Ele abre um sorriso em direção a visitante.
– Vitor! – A mulher diz, em tom de repreensão. – Por favor!
– Antonella – ele se corrige. – Como vão Matt e as crianças?
– Ótimos, ótimos. Ele queria poder ter vindo hoje, mas... – ela se interrompe, me olhando pela primeira vez. – Luna?
– Ella? – Forço o olhar, a reconhecendo.
– Meu Deus, você simplesmente sumiu! – Sem se intimidar, ela vem até mim, contorna a mesa e me dá um abraço.
É um abraço tão reconfortante. Um abraço que me leva a um dos poucos lugares onde já tinha me sentido acolhido na vida. Ella tinha uma ONG que auxiliava garotas grávidas, tanto financeira quando psicologicamente. A maioria eram garotas que tinha sofrido abuso. Mas havia algumas, como eu, que só tinham sido largadas no mundo. Eu frequentei muito aquele espaço quando estava grávida, mas nos últimos meses de gestação, por algum motivo que eu não me lembrava mais, eu simplesmente tinha parado de ir.
– Como você está? A sua menininha já deve estar enorme agora – ela diz, com um sorriso no rosto. – Cinco? Seis anos?
– Eu... ela... – eu simplesmente balanço a cabeça, como se quisesse que o gesto falasse pelas palavras que me faltavam.
– Ah, Luna... – ela segura minhas mãos, em um gesto sincero de sofrimento. – Meus sentimentos.
– Tudo bem – minto. – Já faz algum tempo. Ela não resistiu ao parto.
– Não consigo imaginar a sua dor... Por favor, passe na ONG quando tiver um tempo livre. Precisamos conversar, tá bom? Promete.
– Prometo sim – respondo com um sorriso, por mais que as memórias daquele lugar, ainda que acolhedoras, talvez fossem algo que eu não queria buscar naquele momento.
A reunião de Vitor e Antonella é demorada. Eu me dou conta de que ela e o marido, Matt Lennox, eram os donos do Oasis Spa. Eles já tinham comparecido à outra reunião essa semana e agora Ella estava aqui novamente, provavelmente para acertar detalhes finais. Vitor estava animado com projeto e eu sabia que isso provavelmente era devido ao fato de ter muito dinheiro envolvido.
Quando a reunião termina, Vitor acompanha Ella até o elevador. Ele parece cansado, mas feliz com o que quer que tenham acordado.
– Minha sala... – ele diz, olhando pra mim por um breve segundo.
Respiro fundo. O que eu tinha feito de errado? Será que ia levar uma bronca por ter tratado uma de suas clientes com um pouco de intimidade? Bom, foi Ella quem começou... Espero alguns segundos depois que ele próprio entrou na sala e vou atrás.
– Então você perdeu uma filha no parto? E ela teria mais ou menos a idade da Clara?
Eu congelo no lugar. De todas as coisas que Vitor pudesse querer falar comigo, eu não imaginava que esse fosse ser o assunto. Será que ele estava... fazendo conexões? Até que ponto ele poderia imaginar que eu era a garota naquela sala de cirurgia de quem ele deu a ordem para roubarem o bebê recém-nascido?– Acho que vai precisar disso... – ele aponta para um copo de whisky, estrategicamente posicionado. – Sente-se.– Não acho que eu deveria beber em horário de serviço, senhor Oeri – digo, apesar de caminhar em direção a cadeira que me é indicada e me sentar.– Vitor – me corrige, me autorizando a chamá-lo pelo primeiro nome. – Já passou muito do seu horário de serviço hoje, Luna – já ele, não espera por uma autorização para deixar de usar meu sobrenome. – Além do mais, se seu chefe diz que você pode beber, você pode beber. A não ser que não goste de whisky... posso providenciar...– Trabalhei em um bar... – conto, segurando o copo e admirando a bebida antes e experimentá-la. – Quando
– Senhor Oeri, o senhor... – É só a bebida falando... – ele se desculpa. – Vou te levar para a sua casa. Eu respiro fundo. Queria pontuar que não era preciso, que eu podia pegar um ônibus. Queria pontuar que Vitor tinha tomado dois copos de whisky e que provavelmente não deveria estar dirigindo. Queria pontuar que era um tanto desconfortável ficar perto dele quando ele falava coisas como “a não ser que você prefira ir para a minha casa”. Mas eu conhecia muito bem a fama de implacável daquele homem, ele quebraria qualquer um dos meus argumentos em dois segundos. Então, eu só deixei... – Tudo bem... – concordo baixinho. O carro do Vitor era um Porsche Cayenne do ano, o que me fazia ter medo de respirar perto dele e causar algum dano, o que dirá entrar! Então, eu simplesmente fico parada, olhando para a porta. Isso faz com que Vitor contorne o veículo, saindo do lado do motorista, e abra a porta pra mim, fazendo um gesto exagerado com as mãos para indicar que eu entre. – Senhorita...
Ele me ouviu? Vitor Oeri me ouviu dizer que eu o achava gostoso? Quando me viro, lentamente, o sorriso presunçoso em seu rosto é a minha resposta: ele ouviu. Sinto minhas bochechas corarem imediatamente.– Você esqueceu isso... – ele segurava a sacola da loja chique de cosméticos, com o creme que tinha me dado de presente. Não foi uma desfeita. Eu sai tão desesperada do carro que teria esquecido qualquer coisa.– Obrigada – pego a sacola, e permaneço o encarando, torcendo desesperadamente para que ele me dê as costas e vá embora.Mas ele não o faz. Rapidamente Henry está de volta, trazendo nossas tequilas e Vitor recebe suas duas taças de vinho. Ele me oferece uma.– Espero que não seja um dos que você considera barato – diz, em uma referência a nossa conversa de mais cedo.– É um Trapiche Malbec – Henry responde, soando um pouco ofendido.Vitor dá de ombros, como se não se impressionasse muito. Com certeza não passava nem perto de um dos seus favoritos, mas acho que ele não estava es
– O quê? – Pergunto, parando de dançar. Meu corpo reluta. Ele já estava completamente entregue aos comandos de Vitor.– É que eu realmente preciso... – ele tira o celular de dentro do blazer. – Preciso retornar essa ligação. Tem algum lugar silencioso onde eu possa fazer isso?– Ah! – Digo, percebendo que fico um tanto decepcionada com a explicação. – Claro, vem comigo.Sigo com Vitor para as escadas e descemos até meu pequeno apartamento. É meio constrangedor, mas pelo menos era organizado e limpinho. Aponto para Vitor a porta do quarto, falando que ele pode ficar à vontade, enquanto permaneço na sala/cozinha. Ainda assim, era impossível não o ouvir, nervoso. Algo sobre o divórcio.Quando ele desliga e volta a sala, está totalmente irritado, passando a mão pelos cabelos daquela forma que ele
~VITOR~– O que não é possível? – Pergunto, encarando-a.– Que... Que você esteja preocupado com isso, agora, quando tem uma festa com churrasco e cerveja rolando lá em cima... – Luna responde.Ela claramente estava desconversando ao não querer me falar o que estava pensando. Tudo bem, eu estava acostumado com as pessoas terem medo de serem sinceras comigo. Mas... por algum motivo me incomodava que isso viesse de Luna. Quando eu vi aquela garota se colocando entre Marina e Clara para levar um tapa no lugar da minha filha, aquilo mexeu comigo e me fez criar certas expectativas em cima de alguém que eu mal conhecia. Mas que eu definitivamente queria conhecer melhor.– Tem razão – digo. – Acho que tenho te usado demais como ouvinte nas últimas horas. É seu aniversário, você deveria estar comemorando.– N&atild
Na segunda-feira seguinte, atrás da minha mesa na recepção do escritório de Vitor, eu brincava com a corrente finíssima de ouro branco que envolvia o meu pescoço e terminava em um único fio com um pingente de lua – uma referência ao meu nome – na ponta. O pingente era todo cravejado por pequenos brilhantes que, eu esperava de coração, que fossem só zircônia.– Meu amor, é um Ella Deluxe – Julia se refere a marca – é claro que isso é diamante!Minha melhor amiga entendia muito mais de joias e marcas de luxo do que eu, o que a levou a ter um pequeno surto quando viu o presente que Vitor tinha me deixado.– Ele não gastaria tanto dinheiro com uma secretária... – desdenho. – É zircônia.– Olha esse brilho! – Ela quebra meu argumento colocando o colar contra a luz e fazendo
~VITOR~Tinha algo no jeito em que Luna olhava para Clara que me fazia pensar no quanto aquela garota tinha ficado machucada por dentro depois de tudo o que passou com a perda da filha durante o parto. Era quase como se ela pudesse amar Clara, mesmo mal a conhecendo, talvez pelo simples fato da minha filha representar tudo o que ela tinha perdido. E aquilo... era bonito de ver.Elas conseguiram passar quase quinze minutos se divertindo com um balde de pipoca enquanto esperávamos a sessão começar. Clara e Luna jogavam a pipoca uma para a outra, para que pudessem pegar com a boca... Mas o engraçado é que as duas eram muito ruim naquilo.As duas tinham permanecido sentadas em uma mesa na sala de espera, enquanto fui até uma das máquinas para imprimir nossos ingressos. De longe, eu não conseguia parar de observá-las. Clara, com seus seis anos de entusiasmo inabalável, parecia ter enc
– Paris? Você vai pra Paris? – Julia só falta pular em cima da cama de tanta alegria. – Preciso fazer uma lista de coisas pra você trazer pra mim.Nós estávamos no quarto que dividíamos. Por mais que, assim como o resto do apartamento, fosse um ambiente apertado, tinha espaço para duas camas de solteiro e um guarda-roupas de casal, que dividíamos. Além de algumas prateleiras apinhadas de livros.Naquele momento, eu estava tentando montar uma mala discreta, para uma semana. Eu sabia que era inverno lá, e esperava que minhas roupas fossem o suficiente para me aquecer. Vitor não tinha me dado muito tempo para me preparar. E não que eu pudesse me dar ao luxo de gastar dinheiro com isso, também.– Ele pode fazer isso? – Julia pergunta. – Te avisar de uma viagem em cima da hora?– Vitor Oeri pode tudo... – reviro os olhos. &nd