Capítulo 4

A coisa toda vira um caos depois daquilo. Vitor e Marina gritando um com o outro, Clara chorando, o telefone tocando insistentemente... Eu só pego Clara pela mão e a puxo para dentro da sala de Vitor, tentando poupá-la ao máximo.

Depois de alguns minutos, tudo fica silencioso. Abro a porta lentamente para verificar o lado de fora... eles não estavam mais lá.

– Tudo bem, já passou – digo para ela. – Gosta de desenhar? – Ela concorda com a cabeça.

Coloco Clara sentada na cadeira de Vitor e abro as gavetas e busca de papeis e algumas canetinhas. Acabo me deparando com o motivo de todo o estresse por parte de Marina. Papéis de divórcio.

“– Eu não vou assinar. Não vou.” – Lembro-me dela dizendo.

De fato, só tinha a assinatura de Vitor.

– A curiosidade matou um gato, senhorita Castilho... – me sobressalto, com Vitor parado na porta, me observando. – Sendo tão gata, deveria tomar mais cuidado com o que espiona.

Sinto minhas bochechas corarem. Ele consegue fazer com que sua frase soe tão ameaçadora quanto sedutora.

– Eu só... Clara precisava de papéis para desenhar.

– Como está seu rosto? – Ele se aproxima tão rapidamente de mim que mal me dou conta de seus dedos deslizando pelo meu rosto e colocando uma mecha do meu cabelo atrás da orelha. Recuo, intimidada. – Se quiser processá-la... Os advogados são por minha conta.

– Tudo bem... – digo com a voz fraca. – Foi só um acidente.

– Se você diz...

Ele se afasta de mim e vai até Clara. Observo os dois trocarem algumas palavras carinhosas enquanto Vitor a acalma e se certifica de que ela está bem.

– Vou levar Clara para tomar sorvete de depois deixá-la na casa da minha irmã. Remarque todas as minhas reuniões de hoje à tarde. Exceto... Exceto Antonella Lennox. Eu volto a tempo para essa. Veja se ela se importa de vir no último horário, ok?

– Sim, senhor.

Vitor faz um gesto para que Clara a abrace e aproveita para pegá-la no colo. Eu os observo com um pouquinho de inveja. Eles pareciam ter uma boa conexão. Diferente de Marina, que não parecia ligar a mínima para a menina, Vitor parecia realmente ser apaixonado por Clara.

– Papai... Tia Luna também gosta de cretina – ela diz, me fazendo arregalar os olhos de susto. Achei que ela tinha esquecido aquela palavra.

– Como é que é? – Vitor se espanta, olhando para trás, em minha direção.

– Antes do treino... – eu digo, fazendo-o rir.

– Sei, sei... – eu rio de volta.

Passo o resto da tarde fazendo o que Vitor me pediu e reagendando seus compromissos. Mal percebo o tempo passar. Por dentro, ainda estou uma pilha de emoções por tudo o que aconteceu naquele dia. Só consigo pensar que eu vi minha filha, eu encostei nela, eu falei com ela... Se eu não tivesse completamente focada no meu objetivo maior, estaria desabando agora. Mas seis anos me fizeram aprender que foco e tranquilidade eram determinantes para chegar aonde eu queria.

– Isso é para você... – Victor coloca uma sacola de papel, de uma loja chique de cosméticos, em cima da minha mesa.

– Pra mim? – Estranho. Ele confirma com a cabeça e eu abro a sacola, tirando de dentro um potinho.

Era um creme facial de aloe vera. Eu conhecia a marca, já tinha ouvido falar muito bem, mas nunca tinha usado nada. Era caríssima.

– Para o seu rosto. Disseram que é calmante.

– Não, não precisa... Nem está tão ruim...

Ele segura meu rosto, virando em direção a luz. Seu polegar me acaricia levemente, causando arrepios por todo o meu corpo. Eu não gostava nada daquela sensação. Não gostava nada de me sentir tão entregue ao seu toque.

– Está bem vermelho ainda.

– Qualquer coisa me deixa vermelha – um dos males da pele muito branca. E eu tinha certeza de que estava ficando ainda mais vermelha agora.

Ouvimos um discreto arranhar de garganta e Vitor pula para longe de mim, quase como se sentisse que tivesse sido pego fazendo algo muito errado.

– Senhora Lennox! – Ele abre um sorriso em direção a visitante.

– Vitor! – A mulher diz, em tom de repreensão. – Por favor!

– Antonella – ele se corrige. – Como vão Matt e as crianças?

– Ótimos, ótimos. Ele queria poder ter vindo hoje, mas... – ela se interrompe, me olhando pela primeira vez. – Luna?

– Ella? – Forço o olhar, a reconhecendo.

– Meu Deus, você simplesmente sumiu! – Sem se intimidar, ela vem até mim, contorna a mesa e me dá um abraço.

É um abraço tão reconfortante. Um abraço que me leva a um dos poucos lugares onde já tinha me sentido acolhido na vida. Ella tinha uma ONG que auxiliava garotas grávidas, tanto financeira quando psicologicamente. A maioria eram garotas que tinha sofrido abuso. Mas havia algumas, como eu, que só tinham sido largadas no mundo. Eu frequentei muito aquele espaço quando estava grávida, mas nos últimos meses de gestação, por algum motivo que eu não me lembrava mais, eu simplesmente tinha parado de ir.

– Como você está? A sua menininha já deve estar enorme agora – ela diz, com um sorriso no rosto. – Cinco? Seis anos?

– Eu... ela... – eu simplesmente balanço a cabeça, como se quisesse que o gesto falasse pelas palavras que me faltavam.

– Ah, Luna... – ela segura minhas mãos, em um gesto sincero de sofrimento. – Meus sentimentos.

– Tudo bem – minto. – Já faz algum tempo. Ela não resistiu ao parto.

– Não consigo imaginar a sua dor... Por favor, passe na ONG quando tiver um tempo livre. Precisamos conversar, tá bom? Promete.

– Prometo sim – respondo com um sorriso, por mais que as memórias daquele lugar, ainda que acolhedoras, talvez fossem algo que eu não queria buscar naquele momento.

A reunião de Vitor e Antonella é demorada. Eu me dou conta de que ela e o marido, Matt Lennox, eram os donos do Oasis Spa. Eles já tinham comparecido à outra reunião essa semana e agora Ella estava aqui novamente, provavelmente para acertar detalhes finais. Vitor estava animado com projeto e eu sabia que isso provavelmente era devido ao fato de ter muito dinheiro envolvido.

Quando a reunião termina, Vitor acompanha Ella até o elevador. Ele parece cansado, mas feliz com o que quer que tenham acordado.

– Minha sala... – ele diz, olhando pra mim por um breve segundo.

Respiro fundo. O que eu tinha feito de errado? Será que ia levar uma bronca por ter tratado uma de suas clientes com um pouco de intimidade? Bom, foi Ella quem começou... Espero alguns segundos depois que ele próprio entrou na sala e vou atrás.

– Então você perdeu uma filha no parto? E ela teria mais ou menos a idade da Clara?

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