Foi a pior ideia do mundo escolher aquele restaurante. Mas, no meu currículo de decisões catastróficas, já não era novidade. Mesmo que eu cancelasse a reunião, os abutres da imprensa iriam continuar farejando, especulando e, claro, infernizando Alexander por minha causa. Já tinha bagunçado tudo, então o mínimo que eu podia fazer era limpar a sujeira. Joguei meu crachá de jornalista em volta do pescoço, segurei meu gravador como se fosse uma arma e segui para o restaurante. Estava vestida casualmente, mas o acessório dava o toque de “estou trabalhando” que eu precisava para passar pela horda de jornalistas sem levantar suspeitas. Eles me ignoraram, provavelmente acreditando que eu era só mais uma jornalista desesperada atrás de um furo.Alexander, como sempre, estava impecável e inalcançável, sentado perto da janela, imerso no cardápio, como se o restaurante não estivesse explodindo de gente tentando capturar um vislumbre dele. Seus ombros relaxados e o olhar atento às letras no pape
Enquanto eu olhava para ele ali, sentado na beira da cama como uma estátua paciente, percebi que minha madrugada havia se tornado uma das coisas mais surreais que já experimentei. Primeiro, o pesadelo. Depois, Alexander, me observando como se estivesse em missão — não para me proteger de monstros sob a cama, mas talvez dos meus próprios. Quando chequei o relógio, já passava das três da manhã. A insônia não me incomodava tanto quanto o fato de Alexander ainda estar ali, imóvel, como uma estátua preocupada.— Parece que você não consegue dormir — ele disse, quebrando o silêncio. — Quer que eu traga um copo de leite morno?Eu franzi o cenho, confusa.— Espera… você está aqui esperando eu dormir?Ele assentiu, como se fosse a coisa mais natural do mundo.Sério, como funciona a mente desse homem? Ele não poderia simplesmente dizer: “Charlotte, vou ficar aqui até você adormecer. Quer que eu apague a luz?” Porque, convenhamos, ninguém dorme bem com a luz acesa, brilhando mais que o sol.Mas
Eu ainda estava na banheira, deixando a água quente aliviar minhas tensões, quando ouvi batidas leves na porta. Era claro que só poderia ser Alexander. Sua voz calma atravessou a madeira com precisão cirúrgica. — Charlotte, seu telefone não para de tocar. Acho que pode ser urgente. — Quem é? — perguntei, tentando soar indiferente. — Um número não registrado. Eu bufei, irritada com a interrupção, mas a curiosidade venceu. Enrolei-me na toalha e abri a porta. Alexander estava parado ali, com o celular na mão, impecável como sempre, mesmo àquela hora da manhã. Peguei o telefone com um aceno e olhei para ele. — Atende e põe no viva-voz, minhas mãos estão molhadas. — Fiz um gesto vago com a toalha, fingindo casualidade. Ele obedeceu, e a voz que emergiu do outro lado era masculina, educada e… familiar.— Alô? Charlotte? Meu nome ecoou, e uma pontada de surpresa percorreu meu corpo. — Sim, sou eu. — Minha resposta saiu mais ríspida do que eu pretendia. — Bonjour, aqui é Nadir Duboi
— O que está errado, Alexander? — perguntei de novo, mais preocupada do que gostaria de admitir. — Algum problema no trabalho?— Não. — Sua resposta foi rápida, mas a expressão dizia outra coisa.Cruzei os braços, insistente. — Então, o que é? Ele hesitou por um instante, mas depois, como se tivesse apertado um botão interno, começou a falar sem parar: — Me dói te ver tão afetada por pessoas que nem merecem sua atenção. Você não come, não dorme, e, quando dorme, só tem pesadelos sobre abandono. Eu fico pensando: devo te acordar ou deixar você dormir as poucas horas que consegue? Devo te forçar a falar ou esperar que melhore sozinha? Hoje, quando você sorriu e disse que ia cozinhar, achei que as coisas estavam mudando. Mas aí, depois daquela ligação, tudo desmoronou de novo. Eu não sei mais o que fazer.Eu fiquei olhando para ele, incrédula. Alexander Speredo, o homem que falava menos que um monge em voto de silêncio, agora parecia um rio transbordando.— Uau, você deveria falar mai
Parei de respirar por um segundo antes de agir. E, naquele momento, fiz. Eu tomei a iniciativa de novo. Eu, Charlotte, a rainha do sarcasmo e da lógica torta, dei um passo que só poderia ser chamado de impulsivo.Aproximei-me ainda mais, sentindo o calor de Alexander. Meu coração batia tão forte que era um milagre ele não ouvisse. Fiquei na ponta dos pés, circulei seu pescoço com os braços e pressionei meus lábios contra os dele.Diferente da primeira vez, não hesitei. Não recuei. E definitivamente não deixei que ele fugisse. Mantive meu rosto próximo ao dele, minha respiração se misturando à dele, até abrir um sorriso desafiador.— E agora? Está satisfeito? — perguntei, minha voz carregada de ironia.Ele me olhou, os olhos fixos nos meus, a expressão confusa suavizando-se em algo mais intenso. Então, sem aviso, ele sussurrou:— Não.Antes que eu pudesse processar, Alexander me ergueu como se eu fosse feita de papel. Senti o frio da bancada da cozinha contra minhas pernas enquanto ele
“Porque eu senti sua falta.”Aquilo saiu da boca dele com uma naturalidade que me pegou completamente desprevenida. Alexander, o homem que trata emoções como obstáculos para o sucesso, me dizendo que sentiu minha falta? Fiquei estática, olhando para o teto como se aquele momento fosse uma alucinação induzida por exaustão. Mas eu sabia que não era. Ele realmente tinha dito aquilo.Eu virei o rosto, encarando-o como quem observa algo impossível. Ele continuava olhando para mim, com uma expressão tão séria que era quase desconfortável. Não havia hesitação em seus olhos, mas algo que eu não conseguia identificar. Culpa? Vulnerabilidade? Não era como Alexander.— Depois que você foi embora… — ele começou, com a voz tão grave que parecia ecoar pelo quarto. — Eu me perguntei por que nunca disse isso antes. Achei que você soubesse. Que entendesse.Meu coração deu um salto, mas ele continuou, o tom firme, embora carregado de algo que quase parecia pesar.— Eu pensei que você confiaria em mim.
Conversamos por um tempo que eu nem consegui medir. Na maior parte, fui eu quem perguntou, e Alexander respondeu enquanto comia os doces que eu ofereci. Era uma troca estranhamente confortável, até que ele soltou algo digno de um policial em ação:— Notei um rapaz andando pela casa com frequência ultimamente. Vi você conversando com ele e parecendo bem descontente. Conheci-o hoje e... ameacei-o para que não voltasse. Não importa quem ele seja, ainda é inconveniente para um homem andar tanto pela casa de uma jovem. Ele disse que se chama Samim.Soltei um riso breve, inclinando-me para trás no banco.— Ah, ele é meu ex.Alexander travou. Seus ombros endureceram, e a expressão em seu rosto mudou de “policial investigador” para “professor de moral”. Foi automático. — Você já teve namorado? — ele disparou, incrédulo. — Quantos anos você acha que tem, Charlotte? Como conseguiu um namorado nessa idade? — Já sou adulta, Alexander. Tenho dezoito anos. Vou poder até me casar em breve. Ele fi
Eu achava que Nadir havia sido eliminado da minha vida por Alexander há muito tempo. Felizmente, eu estava enganada. Ou, talvez, nem tão feliz assim.Por um breve momento, acreditei que poderia confiar cegamente em Alexander, entregar a ele qualquer problema para resolver sem questionar. Mas agora percebo que essa foi minha ingenuidade falando. Porque ao delegar a questão urgente de Nadir para ele, quase perdi a oportunidade de descobrir verdades que haviam sido escondidas de mim por anos. Por isso, envio minhas devidas menções: a Nadir, o cavaleiro inconveniente, e a Alexander, o escória metódico. Era uma terça-feira comum, até que meu colega de trabalho enfiou a cabeça pela porta e anunciou, hesitante: — Charlotte, tem uma chamada pra você na recepção. As linhas estão ocupadas. A expressão dele já dizia tudo: a recepção era território proibido. Qualquer interação com Sarah, a recepcionista, era garantia de uma aula de paciência. Eu revirei os olhos antes de me levantar. Sa