Já fazia alguns dias que Malu e a pequena May estavam escondidas naquele pequeno apartamento. Malú sentia-se sufocada ali dentro, o cheiro de mofo e umidade que impregnava o ar, misturava-se com a poeira dos móveis velhos. As paredes descascadas pelo tempo eram de um cinza amarelado e deprimente, e a luz que entrava pela única janela era fraca filtrada por cortinas esburacadas e manchadas. À noite o silêncio era quebrado apenas pelos ruídos distantes da cidade, tornando aquele ambiente ainda mais opressor.
Era um esconderijo sombrio, mas por hora seguro, além disso ela não tinha outra escolha. Visto que desde quando Viktor começou a persegui-la também no Brasil, a paz tornou-se um luxo inalcançável. E tudo a assustava, visto que podia ouvir o som de seus passos ecoando em sua mente. Ou ver seu olhar que a assombrava e parecia seguia-la até nos sonhos. Mas, o pior de tudo era acordar de seus pesadelos com a sensação repugnante de seus toques, ou de seu cheiro que parecia estar impregnado em sua pele, e a terrível sensação de ser vigiada que não a abandonava, nunca era como um aviso de que ele estava sempre perto. O medo era um peso constante em seu peito. Isso porque, por mais que tentasse escapar, ele sempre a encontrava. Era como um caçador implacável, um predador à espreita. Mas ela teve sorte até agora. Sempre conseguiu escapar no último instante, como se uma força maior a protegesse. Talvez fosse sua mãe, do outro lado da vida, zelando por ela e por May. Porém, por mais improvável que parecesse, ele sempre conseguia encontrá-la. Casas, hotéis baratos, abrigos improvisados... não importava onde ela se escondesse, ele acabava descobrindo. Era como se estivesse presa em um jogo do qual nunca conseguiu escapar. Mas desta vez, algo parecia diferente. Desconfiada, Malú começou a pensar que Viktor poderia ter colocado um localizador entre seus pertences ou nos de May. Decidida a cortar qualquer laço com aquele monstro, tomou uma decisão drástica: trocou tudo. Suas roupas, malas e sapatos, até mesmo acessórios. Deixou para trás qualquer coisa que pudesse estar comprometida. Mas, o que mais lhe doeu foi ter que se livrar do relógio de ouro que seu padrasto, Dimitry lhe dera no seu aniversário de 15 anos. Amava o seu pai e nunca aceitou a morte dele como um simples acidente, por isso prometeu a si mesma que um dia iria investigar a sua morte. Por isso que quando teve que se livrar do relógio chorou bastante, visto que aquele relógio era um presente precioso para ela, era um símbolo do amor paterno que Dmitry tinha por ela, porém ao penhorá-lo algo aconteceu as suas suspeitas se confirmaram. Pois pela primeira vez em anos, Viktor não apareceu. Nenhuma perseguição. Nenhuma ameaça, um mês inteiro sem fugir. O choque veio acompanhado de um pensamento terrível. Como ele colocou aquilo ali? Desde quando? Será que desde menina ele já a vigiava? A ideia e deixava com nojo profundo, um arrepio lhe percorreu a espinha como um toque repulsivo. Malú se lembrou do que encontrou no passado: câmeras escondidas em seu quarto, próximas ao closet, e perto da cama. O pensamento a fez estremecer. Quantas vezes ele a viu despida? Quantas vezes testemunhou seus momentos mais íntimos? O asco se misturava com medo, tornando difícil até mesmo respirar. Enquanto vestia May e beijava as suas bochechas, terríveis lembranças lhe vieram à tona, lhe causando arrepios ao lembrar que nada disso era recente. O controle de Viktor sobre ela vinha de muitos anos antes, quando ela era ainda muito jovem. Lembranças de Malú… Naquela noite em seu aniversário de 15 anos. A festa luxuosa ocorria na mansão Petrova, uma construção imponente de arquitetura neoclássica, cercada por um vasto jardim. Foi ali, sobre a sombra das árvores frondosas do jardim, que Viktor se aproximou pela primeira vez. Malú sentiu o cheiro amadeirado de seu perfume que se misturava ao aroma floral ao redor, e tal cheiro associado ao medo que sentiu dele, lhe causou náuseas. Ele tomou sua mão com firmeza e a puxou para mais perto. — Você é minha Malú — sussurrou ele, seus lábios quase roçando seu ouvido. — E não importa onde vá, jamais fugirá de mim. Ela sentiu um calafrio na espinha e tentou se afastar, mas ele apertou a sua cintura com força, imobilizando-a contra o seu corpo. Nesse momento os olhos dele de um azul profundo e gélido brilhavam como uma ameaça silenciosa. — Já te deixo de sobreaviso Malú. — continuou ele, baixando a voz. — se deixar que algum idiota te toque, acabarei com ele, e o matarem lentamente. E você assistir à sua morte. O medo a paralisou. Seu estômago revirou, e sua mente ficou em branco. Depois daquele momento, sua festa perdeu qualquer vestígio de felicidade. Ela quis contar aos seus pais. Quis gritar. Mas, temia muito por eles. E o pior é que eles nunca perceberam a verdadeira face de Viktor. No entanto, depois daquela noite, a vida de Malú se tornou um verdadeiro pesadelo. Ela lembrou que a casa onde cresceu era completamente diferente da casa dos Petrova. Uma mansão ampla também, porém acolhedora. Era rodeada por um jardim vibrante onde variedades de flores exalavam fragrâncias suaves. E dentro da casa os móveis de madeira nobre traziam uma sensação de lar. Ali que ela se sentia segura, ou pelo menos deveria se sentir, mas até lá, foi manchado pela presença de Viktor. Uma noite quando ela tinha apenas 16 anos, ele apareceu de surpresa na saída do colégio. Ele a arrastou para um beco escuro lhe roubou o seu primeiro beijo de forma dura, para castigá-la a beijando-a à força. Seus lábios eram impiedosos e a dor espalhou pelo rosto de Malú — Você gosta dos meus beijos, ou dos dele Malú? — sussurrou Viktor, com os olhos faiscando de ciúme doentio. — Dele?! Dele quem? — perguntou ela desesperada tocando nos lábios doloridos. — Do garoto que teve a audácia de segurar as suas mãos hoje, na entrada do colégio. E não adianta negar meus homens estão de olho. O pânico a tomou. Quando descobriu que Viktor mandava seus homens vigia-la, chorando ela implorou: — Por favor, Viktor não! Não faça mal a Yuri, por favor eu te imploro, eu juro Viktor que não tenho nada com ele, ele é apenas meu amigo! Ele sorriu com um sorriso cruel e vazio. — Então ouça, e grave muito bem isso na sua mente, você é minha. E se não quiser que o seu jovem admirador, ou qualquer outro sofra fique longe dos homens. Está me ouvindo? Ela assentiu, as lágrimas escorrendo pelo rosto. E então ele a pressionou contra o muro, segurando seu rosto com os dedos frios. Ela sentiu que, por algum motivo, ele respirava com dificuldades. Por sorte, ouviu alguém se aproximar. Ele praguejou, pegou no seu queixo e disse: — Vá minha menina antes… Antes que eu esqueça que eu prometi a mim mesmo. E não consiga esperar para fazê-la minha! Ela correu. Fugiu como se o inferno inteiro estivesse atrás dela. Seu coração martelava em seu peito, e o ar parecia faltar em seus pulmões. Correu várias quadras até chegar em casa.E quando entrou correndo não observou direito, então trombou com seu pai. Dimitry segurou seus ombros, evitando que ela caísse.— Calma querida, para que tanta pressa? O que houve? Por que você está chorando?Ela abriu a boca para contar. Para gritar a verdade. Mas ao olhar para fora, viu o carro de Viktor se aproximando. Seu coração congelou.— Não se preocupe pai. Falou ela forçando um sorriso, tentando esconder a verdade. — é coisa de menina, estou apenas sentindo uma leve dorzinha aqui e preciso correr para o meu quarto. — Falou ela, fazendo gestos enquanto tocava a própria barriga.O seu pai sorriu-lhe, sem jeito, enquanto Viktor se aproximava por trás dele, e lançou a ela um olhar frio de alerta. Dmitry então disse:— Eee, filha, então se é coisa de menina, papai é um completo ogro. Mas a sua mãe já chegou do trabalho. Vou falar com ela para te ajudar. Mas olha, se estiver com muita dor, posso te levar ao médico, meu anjo.Falou ele, ainda preocupado.— Não, pai, não é necessár
Ao chegar ao hotel, um prédio imponente de vidro e mármore, foi direto ao setor de Recursos Humanos. O corredor tinha um cheiro forte de produtos de limpeza e café requentado. Porém, quando foi falar com o encarregado do RH, um sujeito de rosto severo e terno engomado, nem esperou que ela explicasse.— Impossível trabalhar aqui com uma criança. No colo!O coração de Malú afundou. Mas apesar de ter ficado inicialmente triste, ela não desistiria, falaria diretamente com o dono. E se o rapaz do RH não escutaria talvez o dono a escutasse, assim como a senhora Moreira falou. Iria explicar-lhe que daria um jeito e que não levaria a pequena com ela, enquanto estivesse trabalhando. Pois, o rapaz do RH não lhe deu nem oportunidade de lhe explicar direito, já foi logo dispensado-a.Ela soube então que o dono estaria lá à noite. Resolveu que insistiria. Por isso, quando deu nove horas, Malú voltou novamente ao hotel, dessa vez pela entrada principal. O saguão era luxuoso, com lustres brilhantes
Malú sentiu o coração disparar ao perceber que o carro estava em movimento, e provavelmente já havia saído do estacionamento. Afinal, ela podia ouvir o barulho de outros carros à sua volta, o suave balanço da estrada, o som abafado de motores roncando ao redor e as buzinas esporádicas confirmavam que não estavam mais no estacionamento. A angústia apertava seu peito como um laço se fechando. Seu primeiro impulso foi gritar, pedir para parar, mas rapidamente descartou a ideia. Se o motorista fosse o dono do carro, poderia pensar que ela era uma ladra tentando se esconder. E, pior ainda, os homens de Viktor podiam estar nas proximidades. Seu desaparecimento não passaria despercebido por muito tempo, e se a encontrassem... não queria nem imaginar. Sentindo o suor frio escorrer por sua testa, fechou os olhos, então começou a orar pela ajuda de Deus. "Deus, por favor! Nos ajude!", sussurrou baixinho: — Deus, por favor! Nos ajude! No escuro do porta-malas, Malú tentou acalmar a r
Enquanto dirigia suavemente lembrou que quando chegou à festa, Alexandre perguntou se ele havia realmente comprado o carro que tanto desejava, pois sabia do alto valor do tal carro. Mas já sabia a resposta, afinal conhecia a paixão de Ravi por carros modernos e caros. Ao olhar para o painel do carro e todo o seu interior, Ravi levantou a sobrancelha e sorriu, ao lembrar o que conversou algumas horas atrás com Alexandre: — Sim, e ainda está com cheirinho de carro novo! — Se continuar assim, não sei onde irá conseguir estacionamento para tantos carros? — Também não é assim, amigo — respondeu Ravi. — Comprei esse por algo em especial que os outros não têm. — E o que seria? — Perguntou curioso o seu amigo. — Espaço... e conforto — murmurou, lembrando-se do motivo pelo qual havia escolhido aquele modelo específico. — Sou uma pessoa bastante espaçosa e preciso disso para me sentir realmente confortável. Além disso, o vendedor me mostrou o quanto ele era moderno, de toque automático e
Porém, naquele momento pensando rápido, Malú apertou os lábios e, com um leve tremor na voz, respondeu em russo: — Извините, господин, я не понимаю, что вы говорите. (Desculpe, senhor, não compreendo o que diz.) Ravi piscou, de queixo caído, pensou: " Russo?! A garota está falando em russo? É isso mesmo, ou estou ficando louco?" Ele se inclinou ligeiramente para frente, os olhos fixos nela. A mulher, por sua vez, deu um passo para trás instintivamente, apertando ainda mais o bebê contra o peito, e olhando em todas as direções, parecia estar procurando uma possível rota de fuga. Mas Ravi sabia que era impossível ela sair de lá, visto que o portão já estava fechado, e na frente havia três seguranças. No entanto, ela também tentava proteger o bebê do vento e da garoa que havia ficado depois da chuva, enquanto balançava o bebê que gradativamente calou-se. Por isso, Ravi falou novamente: — Perguntei quem é você e ainda não ouvi sua resposta! E novamente ela falou em russo, di
Um arrepio percorreu sua pele quando percebeu que estranho também estava acordando. Ele abriu os olhos devagar, piscando algumas vezes antes de focar nela. Um sorriso suave curvou seus lábios, e, ao contrário do que esperava, sua expressão não demonstrava ameaça, apenas um misto de curiosidade e gentileza. — Bom dia, senhorita! Por favor, não precisa ter medo. Está segura aqui. Está se sentindo melhor? — perguntou Ravi, a sua voz estava ainda rouca pelo sono, mas ainda assim firme e acolhedora. Malú engoliu em seco, porém a sua garganta seca dificultava a sua fala naquele momento. O medo ainda pulsava em suas veias, principalmente ao lembrar-se da ameaça anterior dele de chamar a polícia, ela inicialmente ficou sem saber o que responder. Não entendia por que ele estava sendo tão gentil agora. Mas a preocupação com May era maior, por isso respondeu: — Bom dia si... sim estou! — murmurou ela hesitante. Seus olhos não desgrudavam da pequena que estava nos braços dele, seu instin
Naquele momento, ao sentir o olhar afiado de Ravi a tensão de Malú era visível, ela engoliu em seco ao ouvir as palavras dele, sentindo seu coração acelerar. O olhar firme dele a atravessava como se pudesse ver além das suas palavras hesitantes, Ravi a encarou e respondeu com franqueza: — É visível que está fugindo de alguém, porém, tenho toda a certeza de que não é da polícia. Malú sentiu um frio na espinha. Apertou instintivamente os dedos contra a barra do lençol que ainda a cobria. — Por que diz isso? — Sua voz soou mais fraca do que ela gostaria. Ravi inclinou-se levemente para frente, apoiando os cotovelos sobre os joelhos, sem desviar o olhar. — Porque esse alguém a machucou. Muito. E, pelo jeito, ainda quer machucá-la. Ela arregalou os olhos e, sem perceber, segurou a respiração. A mente dela disparava, tentando encontrar uma resposta convincente. — Não, senhor Castellani, acredite está enganado, não é bem assim eu... eu estava fugindo sim, mas não… — começou a dizer M
Malú corou e murmurou um "obrigada", ainda sentindo-se deslocada. Porém, gostou muito de Gabriela e percebeu que May olhava a todos com os olhinhos curiosos, como se já os conhecesse também. Então, baixando a cabeça, falou envergonhada: — Podem me chamar somente de Malú! — Agora que estamos todos apresentados, posso te chamar só de Malú também? — perguntou Ravi. Ela hesitou, então baixou a cabeça e falou num fio de voz: — Sim, Pode sem problemas… — Ótimo! Prefiro assim, Malú. Também pode me chamar somente de Ravi — falou ele, sorrindo. Camila então falou: — Quanto a mim, prefiro Cami. Mas diga-me, Malú, está melhor? — Sim, senhora estou e... aham... poderia ajudar-me a fazer algo para a minha bebê comer? Ela está com fome e... — Claro, Gabriela pode ajudá-la?! — disse Camila. — Sim, claro! Venha, vamos ver o que temos na geladeira de bem nutritivo para essa garotinha ficar ainda mais forte! — falou Gabriela, olhando para a bebê que já estava novamente no colo de