— Você sabe que eu te amo, não sabe? — a voz de Fernando soava triste e pesarosa.
Estávamos sentados no sofá em nossa sala, havia dias que não tínhamos uma conversa decente.
— Claro que sei. E eu te amo do mesmo jeito. — aproveitei o momento de abertura daquela casca esquisita que se tinha criado entre nós nos últimos dias e o abracei, me aconchegando nele, sentindo a falta que fazia não ter o seu toque e calor sempre que eu quisesse.
Desde que tínhamos assumido nosso relacionamento nunca ficamos sem nos falar desse jeito, nem mesmo deixamos qualquer que fosse o problema ficar entre nós. Sempre procurávamos conversar depois de uma briga e acertar tudo.
Esse tinha sido o maior período desde que começamos a namorar que ficávamos sem nos falar e me doía ainda mais não saber o porque, o que tinha dado nele para se distanciar de mim daquela forma?
— Então você vai me entender, vai compreender o meu pedido. — o peito dele se expandiu com a respiração profunda, seus olhos estavam sérios e pareciam cansados. — Depois de pensar muito eu cheguei a conclusão de que o melhor a fazermos é um aborto, eu já procurei uma clínica e achei o lugar perfeito, vou estar do seu lado o tempo todo e depois se ainda quiser um filho podemos tentar de novo, talvez inseminação ou até adoção, não me importo de verdade.
Eu fiquei em choque por alguns minutos, desacreditando do que ele tinha acabado de dizer, só podia ser uma pegadinha de muito mau gosto, mas que ele se redimiria no minuto seguinte.
Mas a risada não veio, a frase que espantaria meu choque nunca apareceu. Fernando continuou ali me olhando sério em expectativa.
— Você está falando sério? — o questionei sentindo todo meu corpo se retesar quando processou cada palavra que ele disse. Fernando acenou afirmando o que eu temia. — Perdeu a cabeça? Eu não vou tirar meu filho, não vou fazer merda de aborto nenhum...
Sai dali me afastando dele e envolvendo as mãos na barriga, mesmo que mal desse para se notar, de forma protetora. Ele continuou sentado no sofá, sua expressão tentava me passar uma calma e confiança de que tudo daria certo, e com certeza se o assunto fosse qualquer outro eu teria confiado, como confiei tantas vezes antes, mas dessa vez não ia funcionar.
— É o melhor para todos você não vê? Uma criança assim requer cuidados especiais, é tudo bem mais complicado e... há tantas complicações Helen, tanta coisa pode acontecer com uma criança assim. — eu balançava a cabeça freneticamente negando todas as babaquices que ele estava dizendo. — É isso o que você quer? Trazer uma criança ao mundo para sofrer e para nos fazer sofrer? Tem ideia de com quantos problemas ele pode nascer? Pode nem mesmo chegar a viver por muitos anos!
Meus olhos estavam cheio de lágrimas a essa altura. Eu não podia acreditar que o homem doce e apaixonante, que sempre tinha tentado me mostrar o lado divertido e positivo da coisa, agora estava falando assim de seu próprio filho.
Mas não me permiti chorar, ele não merecia ver minhas lágrimas, se ele achava que podia me fazer desistir do bem mais precioso que eu havia ganhado ele estava muito enganado.
— Para o inferno você e suas ideias de merda!
— Eu não vou Helen... não vou conseguir ficar aqui e passar por tudo o que acabei de te falar. — Fernando respirou fundo e passou as mãos no cabelo de forma impaciente, estava claro o quanto aquilo o machucava, mas porque ele continuava a dizer? — Como te disse no começo da conversa, eu te amo de uma forma que você não pode imaginar, mas isso? — ele apontou com a mão em direção a minha barriga. — Isso eu não posso fazer com você! Não vou ficar aqui e assistir você se arrastar para esse sofrimento. Sou eu ou o bebê.
Uma risada histérica me escapou quando ouvi o ultimato. Aquilo não era real, Fernando não estava fazendo isso comigo. Ele achava mesmo que aquilo seria uma escolha? Fernando tinha realmente perdido o maldito juízo!
— Você pode pegar todas as suas coisas e ir se foder, vá para o mesmo lugar onde colocou a merda do seu juízo perfeito e o nosso casamento! — gritei deixando claro que não toleraria aquela loucura, não ia ouvir mais nada do que ele dissesse.
Fernando recuou assustado com minha reação, eu entendia já que ele nunca tinha me visto transtornada assim, não era do meu feitio falar palavrões ou gritar, não gostava de discussões já tinha tido o suficiente no meu primeiro casamento. Essa com certeza era a primeira vez que eu falava daquele jeito com ele, mas também era a primeira vez que ele agia como louco de pedra.
— Helen... — ele estendeu a mão encarando meu rosto e parecia querer dar um passo em minha direção, os olhos conturbados e cheios de lágrimas não derramadas me deram a certeza de que aquilo doía nele.
Como não doeria, ele tinha se apegado ao filho, depois de meses tentando engravidar finalmente conseguíamos, Fernando só falava no nosso bebê, na nossa vida juntos, fazia planos para o futuro da criança, e a notícia foi um baque que o fez se fechar em um casulo me deixando para fora, agora eu sei que foi por culpa dos pensamentos negativos, ele se encheu de coisas ruins e agora estava colocando elas para fora da pior forma. Eu nem conseguia imaginar que tipo de coisas estavam se passando na cabeça dele nesse momento, quantas coisas leu ou quais informações erradas ele engoliu durante esses dias.
O homem na minha frente sofria com sua decisão, mas seu orgulho o segurou de dar mais um passo e acabar com a nossa distância. Ao invés disso ele se virou e se trancou no nosso quarto.
Parte de mim queria acreditar que ele tinha ido para lá a fim de guardar suas coisas e sumir, mas eu sabia que era porque suas opções se resumiam ao nosso quarto ou o quarto do bebê e ver as coisas do nosso filho era a última coisa que ele queria.
Sempre soube que na vida havia momentos únicos responsáveis por grandes mudanças no cenário geral, aquela virada de mesa, a girada do mundo e de repente tudo o que você planejou, toda sua vida que parecia perfeita desmorona bem diante de seus olhos e você não tem poder de fazer nada, tinha noção de que estava passando por um desses momentos nos últimos meses.Agora mesmo, por exemplo, pegar um ônibus sozinha para São Fernando, carregando uma mala na mão e meu bebê na barriga, não era o que eu esperava estar fazendo a essa altura da vida, mas era minha única opção no momento, na verdade não a única, mas a melhor.Eu sabia que precisava de apoio nesse momento, não aguentava mais ficar trancada dentro de casa, sufocando um pouco a cada dia com as palavras engasgadas dentro de mim. Por isso no momento em que Emily me ligou insistindo que eu fosse para São Fernando, "que eu fosse para casa", eu sabia que tinha que aceitar.Desde que Fernando tinha decidido me abandonar eu havia passado um
Eu sai cedo da casa do meu pai sabendo que hoje seria o dia que Helen ia chegar, não ia demorar para Emily acordar e ir encontrá-la na rodoviária e eu precisava manter distância dela.Esse tinha sido o motivo real de eu ter saído de São Paulo, peguei minhas férias atrasadas e decidi usar vindo para o mais longe dela, sabendo que se ficasse perto de Helen não responderia por mim, não ia suportar ficar tão perto dela e não a tocar, não querer cuidar dela e isso me faria ceder aos desejos dela como sempre fiz, então quando percebesse estaria apoiando a ideia de ter aquela criança.— O que está fazendo aqui tão cedo? — Vitor questionou ao me ver no bar da cidade pela manhã.— Você está de serviço? Porque não estou vendo nenhuma farda. — ele sorriu se jogando na banqueta ao meu lado. — Também não sabia que a polícia tinha virado fiscal de bar.— E não virei, só estou surpreso de vê-lo aqui advogado.Vitor era da idade da minha irmã, e como a maioria das pessoas em São Fernando ele não tinh
Segunda-feira, dia de loucura no trânsito, loucura no trabalho, na vida, o tempo louco de São Paulo não ajudava a melhorar meu humor de cão. A essa hora da manhã precisava estar chovendo? Ok, não estava caindo o mundo, mas a garoa fina irritante molhava o suficiente para o trânsito virar um caos.Tinha visto no jornal antes de sair de casa que em algum lugar da rodovia # dois carros haviam batido, o que deixava tudo mais e mais lento. Bati a cabeça no volante enquanto esperava que algum daqueles carros se mexessem mais do que um centímetro, respirei fundo tentando me acalmar, seria um longo dia no escritório.Sete horas, esse era meu horário normal, mas já era oito quando finalmente parei meu carro no estacionamento do prédio onde trabalho. A empresa era bem reconhecida e renomada, eu já trabalhava aqui há tantos anos que em dias como esse eu me perguntava por que eu não largava tudo e me mudava.O elevador estava cheio de pessoas se amassando, todos tão atrasados quanto eu e não que
Depois que toda a choradeira acabou passamos o resto da tarde conversando e compartilhando problemas e experiências. Fazia tanto tempo que eu não me sentava com amigas e simplesmente conversava como fizemos hoje, era libertador.O sol já tinha se posto quando deixamos a casa de Bete e o céu estava escuro, mas as luzes e estrelas iluminavam toda a extensão azul acima de nós, aqui em uma cidade sem prédios e arranha-céus era bem mais fácil de apreciar as estrelas em uma noite como aquela, parecia até uma daquelas imagens da NASA, onde o céu está perfeitamente limpo e iluminado, um cobertor azul escuro bordado com pontos de luz sobre nossas cabeças.Continuei com a cabeça para fora do carro aproveitando a brisa no rosto e a paisagem até que Emily estacionasse a caminhonete na entrada de casa. Tudo o que eu queria a essa altura era uma cama e colocar os pés para cima, por mais divertido que fosse passar o dia fora era cansativo somado a viagem e gravidez.Assim que abri a porta meus pensa
Assim que me virei lá estava ele, na penumbra da cozinha, vestido apenas com uma calça de moletom, com a luz parcial do quintal iluminando sua pele nua. O peito subindo e descendo com antecipação, os olhos ávidos na espera por alguma reação minha, e eu tinha certeza de que se pressionasse minhas mãos em seu peito seu coração estaria batendo tão rápido quanto o meu.Não tinha dúvidas porque era assim desde que o conheci.Fernando não disse nada, apenas ficou ali do outro lado do balcão me encarando. Eu fui a primeira a desviar o olhar me concentrando no micro-ondas como a covarde que era, torcia para que ele fizesse logo o que foi fazer ali e fosse embora.Mas o infeliz sabia bem como mexer comigo, não demorou para que eu sentisse o calor do seu corpo perto do meu. Seus braços me envolveram em um casulo quando ele agarrou o balcão a minha frente me deixando presa entre o granito frio e seu peito quente. Senti quando ele esfregou o nariz em meus cabelos, descendo até estar contra minha
Eu estava me sentindo o pior filho da puta, não queria deixar Helen, não queria abandonar ela de novo daquele jeito. Mas eu precisava, era o único jeito de fazê-la entender que eu só queria o bem dela.Nada estava acontecendo como eu queria, como tinha planejado, deveríamos estar juntos em São Paulo preparando tudo para a chegada do nosso filho, eu tinha que estar ao lado dela cuidando, mimando, garantindo que ela tivesse tudo o que queria e precisava, mas ao invés disso eu estava dentro do meu carro dirigindo fugindo da minha mulher pois sabia que se continuasse perto dela ia acabar começando a acreditar no que ela dizia.Mas eu sabia que não podia fazer isso, não podia ser fraco assim quando tinha noção de que nenhum de nós dois estava preparado para a chegada de uma criança com tantas limitações e problemas, seria como trazer um problema para as nossas vidas já sabendo que é um problema e isso seria burrice.Ao menos agora eu estava mais tranquilo, Helen estava com a minha família
Os dias estavam passando rápido de mais, Fernando não tinha aparecido como prometido, havia enviado apenas uma mensagem dizendo o quanto estava corrido e assim que conseguisse viria. Eu conhecia melhor do que ninguém aquele escritório e sabia que sua decisão de ficar lá tinha a ver com nossa situação, ele com certeza preferia adiar nossa conversa sabendo que seria algo definitivo.Mas eu estava ocupando minha cabeça com outras coisas, tinha marcado uma consulta com a obstetra da cidade, passava boa parte do tempo lendo mais sobre bebês com síndrome de Down e me informando em todas as dificuldades que seriam comuns de aparecer, eu queria estar pronta para dar tudo o que eu filho fosse precisar, mesmo que isso não incluísse um pai.E havia Fábio, que também era uma ótima distração, quando ele não estava na escola passava horas me fazendo companhia, cuidávamos do jardim juntos, víamos algum filme ou eu o assistia jogar bola.Nesses dias que se passaram eu finalmente tinha conhecido o fam
Lembrança:Helen parecia não acreditar no que estava vendo diante dos meus olhos. Eu estava parado na porta dela às oito da manhã de um domingo, depois de passar a noite toda planejando o que eu faria com a advoga que vinha mexendo com a minha cabeça, eu precisava dar um jeito de fazer ela se render ao meu charme ia usar toda a minha animação e energia para fazer derrubar as barreiras dela e conquistá-la.Encarei o corpo dela de cima a baixo, ela estava usado uma calça legging e uma regata folgada, tão diferente das roupas sociais que usava no escritório, mas a expressão de advogada durona continuava a mesma.— O que está fazendo aqui? — ela questionou incrédula, como se achasse que eu não iria levar a sério a conversa das amigas dela, eu teria aproveitado qualquer oportunidade de ficar sozinho com ela. — Como sabe onde eu moro?— Perguntas, perguntas. Tsc tsc, o povo de São Paulo não sabe mesmo como ser educado, não é doutora?! — falei e sacudiu a cabeça a chamando de doutora só porq