O Amor cruel do NERD
O Amor cruel do NERD
Por: Ullyketyc
O primeiro ano

Todos nós temos segredos inconfessáveis. Coisas que, se viessem à tona, fariam nossa mãe se envergonhar, nossas amigas enrubescerem e os vizinhos cochicharem durante o café da tarde.

Mas o que exatamente transforma algo em segredo? É o ato em si… ou o desejo que o antecede? É aquilo que você faz quando ninguém está olhando, ou o que você deseja que aconteça? Será que você se sentiu livre? Liberta? Desejada? Ou foi apenas o preço que pagou para sobreviver?

O que eu fazia era um pouco de tudo isso. E, de certa forma, nada disso ao mesmo tempo.

Eu ainda estava sentada no chão do meu quarto, a câmera do celular apoiada contra a estante, a iluminação suave da luminária jogando sombras nas paredes desbotadas. Minha respiração voltava ao normal, e o silêncio que tomou o ambiente parecia mais alto do que antes.

Do outro lado da tela, a chamada havia terminado. A última coisa que ouvi foi a voz grave e satisfeita de @DaddyFaminto sussurrando:

— Isso foi… excelente, Clara de Ovo. Você se superou. Vou mandar um bônus por isso.

A tela escureceu, e meu reflexo apareceu nela. A máscara que cobria parte do meu rosto já não escondia tanto. Me olhei por um segundo a mais do que deveria, tentando entender em que ponto aquela vida havia se tornado normal.

Troquei de roupa com pressa, vestindo o uniforme da escola — saia preta, blusa branca e sapatos gastos. Penteei o cabelo, respirei fundo e me forcei a deixar o quarto. Ainda havia o colégio, as provas, os colegas e a rotina que tentava esmagar tudo o que eu realmente era.

Na sala, quase esbarrei em Jacobi, o marido da minha tia.

— Atrasada? — ele perguntou, encostado no batente da porta com uma xícara de café nas mãos.

— É… um pouco. — tentei passar rápido por ele.

O olhar que me lançou fez minha pele arrepiar. Não era um olhar de tio. Era… diferente. Incômodo. Intenso.

— Se quiser, posso te levar — disse, com aquele sorriso que parecia cortar em vez de acolher.

— Não precisa. Um amigo vai me buscar. — menti sem hesitar, só para afastá-lo.

— Qualquer coisa, Doce Cat… é só chamar. — As palavras dele pingavam uma doçura falsa. Sagacidade demais para um simples “tio”.

Assenti, fingindo uma firmeza que não sentia, e saí porta afora. Sentia seus olhos ainda me acompanhando quando dobrei a esquina da rua.

**

O colégio era o mesmo de sempre: paredes descascadas, corredores lotados, alunos barulhentos. A diferença é que eu estava mais cansada, mais inquieta… e mais distraída do que nunca.

Me sentei no fundo da sala de física e apoiei o cotovelo na mesa, descansando o queixo na palma da mão. A professora Laura falava sobre física moderna, mas minha atenção estava em outro lugar.

Na verdade, em outra pessoa.

Ele estava duas fileiras à frente. O garoto novo. Ninguém sabia muito sobre ele. Havia chegado há duas semanas, quieto, discreto, sempre com os fones no pescoço e um livro grosso entre as mãos. Tinha o tipo de beleza que não precisava chamar atenção pra ser notada: cabelo escuro um pouco bagunçado, óculos de armação preta, boca firme e um ar de quem carregava mundos inteiros nos olhos.

Tristan.

A primeira vez que nossos olhos se cruzaram, senti um arrepio estranho. E desde então, vez ou outra, o flagrei me observando. Não de forma invasiva, mas como quem enxerga algo que os outros não veem.

Hoje não foi diferente. Quando olhei pra ele, lá estava: o olhar fixo em mim por um segundo a mais que o necessário. E então, desviou. Mas era tarde. Eu tinha sentido. Ele tinha olhado.

Meu celular vibrou pela quinta vez em cima da mesa. Um lembrete incômodo da minha realidade paralela.

Respirei fundo, olhei discretamente para a professora e abaixei a cabeça. A tela se acendeu, exibindo as mensagens:

@DaddyFaminto:

Você tem um jeito provocante, sabia? Só consigo imaginar você usando um daqueles colares que te mostrei. Nada mais.

Duas fotos de joias caras brilhavam sob a luz artificial.

@DaddyFaminto:

Cem por uma imagem sua… da forma como só eu te vejo.

Minhas mãos suaram. Não era a primeira vez que ele fazia esse tipo de proposta. Mas algo naquela mensagem tinha um tom diferente. Mais direto. Mais exigente.

E eu sabia que, se respondesse, não haveria volta.

A vibração suave do celular parecia ecoar no meu peito.

Dinheiro.

Liberdade.

Controle.

Nada disso vinha fácil. E às vezes… nem limpo.

Ergui os olhos, e Tristan olhava para mim de novo. Como se soubesse. Como se pudesse ver além da máscara.

— Senhorita Catarina — a voz cortante de Laura me arrancou do devaneio — quer compartilhar com a turma o que está achando tão interessante no celular?

Meu coração pulou. Todos os olhos se voltaram para mim.

— É… não… nada, só…

— Pode me entregar o celular então? — Ela estendeu a mão, impaciente. — Talvez eu leia em voz alta pra turma.

O ar me faltou por um instante.

— Não. — saiu mais alto do que eu pretendia.

— Detenção. — ela respondeu de imediato, como se estivesse esperando por isso.

As risadas atrás de mim foram como agulhas cravadas na espinha. Peguei minhas coisas com o rosto em chamas, tentando parecer indiferente. Mas por dentro… eu só queria sumir.

Saí da sala sem olhar pra trás.

Na porta, porém, antes de virar o corredor, olhei uma última vez. Tristan me observava. Seu rosto impassível. Mas os olhos…

Os olhos diziam tudo.

E pela primeira vez, senti que alguém via mais do que eu queria mostrar.

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