POV CalebEnquanto Enrica mordiscava um dos bolinhos com o cuidado de quem não sabia se devia saborear ou se preparar para fugir de novo, meu olhar voltou-se para o salão.Samuel conversava com Raphael do outro lado — e aquilo não parecia uma conversa amistosa. O príncipe de Liene mantinha a postura impecável, claro, mas Samuel falava com os ombros tensos e a mandíbula travada. Conhecia aquele olhar. Algo ali estava prestes a explodir.Mais à frente, Oliver interagia com dois guardas, contornando uma situação com dois alfas exaltados. Um deles apontava discretamente na direção da mesa onde estávamos. Meu corpo inteiro se retesou.Não era paranoia. Eu podia senti-los.Outros alfas. Demais deles. Disfarçados, espreitando… ou simplesmente sendo consumidos pelo cheiro que emanava dela, mesmo com o colar. Suprimido, sim. Mas não apagado. Nunca completamente.E então, senti. O olhar dela, minha mãe.Sentada no alto, entre risos e discussões políticas, Amelia não se dava o trabalho de escond
POV CalebEntrei na sala privada anexa ao salão principal com os passos mais pesados do que gostaria de admitir. A porta fechou atrás de mim, abafando o som da festa. Lá dentro, minha mãe esperava, cercada de três conselheiros reais. Quando me viu, não esboçou nenhum sorriso — apenas um aceno breve.— Deixem-nos a sós — disse ela aos homens, e eles se curvaram antes de sair com pressa.O silêncio entre nós durou alguns segundos. Longos demais.— Quem é aquela ômega? — Amelia começou, direto ao ponto. Sua voz era baixa, gélida. — Você pretende manchar sua linhagem por capricho?Minha mandíbula travou. Respirei fundo, tentando manter o controle.— Ela é só uma convidada, mãe. Nada oficial.— Está claro para todos que ela é importante demais para você. — Amelia cruzou os braços, a postura de rainha em cada traço. — Sabe quantos olhos estão observando? Quantos comentários já começaram a circular?— E desde quando me importo com os cochichos da corte? — retruquei, seco.— Você devia. Um di
POV EnricaO som do baile parecia distante agora, abafado pelas paredes e pelo vento suave que vinha da sacada. A comida no meu prato tinha acabado há algum tempo, mas eu continuava ali, imóvel, encarando o céu como se ele fosse me oferecer alguma resposta.Príncipe Caleb.O nome pulsava dentro de mim como uma dúvida que se recusava a morrer.Havia algo errado com ele. Ou talvez… certo demais. E era isso que me assustava.Desde que entrei naquele salão, senti sua presença antes mesmo de vê-lo. E quando nossos olhos se encontraram… não foi como se eu estivesse conhecendo alguém. Foi como se estivesse reencontrando. Como se já soubesse exatamente o que havia por trás daquela máscara.A forma como ele se movia… o jeito que falava… aquele calor estranho que se espalhava por mim quando ele estava por perto. A tensão, a calma forçada, os olhos em brasa. Ele me olhava como se eu fosse o centro de algo que ele tentava desesperadamente conter. Ou reivindicar.E dançar com ele… foi quase demais
POV EnricaO som da briga se tornou um borrão atrás de mim. Estava na sacada, mas parecia em outro mundo. O ar vibrava com tensão, mas dentro de mim, tudo era silêncio. Um silêncio surdo, esmagador. Como se o tempo tivesse prendido a respiração.Minha boca se abriu. Eu queria gritar. Mas a voz não saiu. A garganta travada, o peito preso, como se o medo tivesse engolido meu fôlego.Caleb golpeava Raphael com uma força que não era humana. O som dos socos parecia vir debaixo da terra. Raphael revidava, mas estava em desvantagem. Caleb era puro instinto agora. Puro ódio. E algo além.O baile… o salão atrás de nós… estava em pânico contido. As pessoas espiavam, tentavam entender. Mas ninguém ousava se aproximar da sacada. Ninguém queria estar entre aquelas duas forças em colisão.Até que ouvi:— CALEB! — A voz de Oliver cortou o caos como uma lâmina. — OLHA PRA MIM!Ele se meteu entre os dois, Samuel em seu encalço, os braços abertos, tentando conter o impossível. Mas Caleb já não estava a
POV EnricaO frio da floresta era como agulhas. Cada folha que cortava minha pele parecia querer me lembrar que eu ainda estava aqui, viva… fugindo.O ar entrava e saía com dificuldade. Meu peito ardia. O colar apertava a garganta como um castigo, como se soubesse que eu estava tentando negar o que não podia ser negado.Então, aconteceu. Um uivo.Não era um som comum. Era grave, profundo, reverberava por entre as árvores como algo que não pedia atenção — exigia. E meu corpo respondeu.As pernas travaram. Os dedos se fecharam em punhos. Os olhos se arregalaram. O coração parou por um segundo. O sangue correu quente demais. Frio demais. Como se meu nome tivesse sido sussurrado por algo que me conhecia por dentro.Não consegui me mexer. Como se algo invisível tivesse se enroscado nos meus ossos. Eu não queria responder. Mas já estava respondendo.— Não… — sussurrei, entre lágrimas e fôlego curto. — Por favor… não.Virei o rosto. Não queria olhar. Mas olhei.Entre as árvores, uma sombra s
POV CalebO caminho de volta parecia mais escuro do que antes. As árvores mais altas. O mundo… mais pesado.Eu precisava voltar ao palácio. Mas antes mesmo de alcançar a saída da floresta…— Demorou. — A voz de Oliver surgiu à minha frente. Braços cruzados. Olhar sombrio. Ele avaliou meu estado de cima a baixo e bufou, estendendo uma capa. — Pelo menos cobre essa sua realeza antes de causar outro escândalo.Vesti a capa sem dizer uma palavra. O tecido roçava minha pele como se tentasse apagar os últimos vestígios dela. Mas nada podia.— Samuel está com a rainha e Conselheiro Magnus — continuou Oliver, andando ao meu lado. — Meu pai também… — Ele fez uma careta. — Estão tentando contornar o estrago com Liene. O príncipe ainda está no castelo, cercado por bajuladores e exigências idiotas.— Não me importo com Liene — rosnei, os dentes travando. — Não dou a mínima para o que eles pensam.— Talvez devesse. — Oliver parou. A voz firme, fria. — Antes de pensar nela, pense no seu povo. Se vo
POV Caleb— Então… — Anthony pigarreou, quebrando a tensão, embora seus olhos ainda analisassem cada detalhe da sala. — Quem é essa ômega que colocou metade do reino em alerta e quase iniciou uma guerra com Liene? — Ele estreitou os olhos. — Oliver, está caçando ômegas proibidas pelas costas da guarda real?— O quê?! — Oliver arregalou os olhos, ofendido. — NÃO! Não é minha, juro! Nem toquei nela! Eu só… acompanhei! — Ele logo se calou, percebendo que falara demais.Eu rosnei. Baixo. Quente. O som gutural vibrou no ar antes que eu pudesse conter. Anthony virou-se lentamente, as sobrancelhas arqueadas. E antes que eu dissesse qualquer coisa, Samuel interveio com firmeza:— Ela é uma parente distante minha. — Os olhos dele estavam fixos em Anthony, o tom cortante, como se desafiasse qualquer um a questionar.Magnus estreitou os olhos, mas não disse uma palavra. Apenas encarou o próprio filho, o silêncio carregando mais significado do que qualquer reprovação verbal. Samuel desviou o olha
POV Caleb— Então é guerra que querem? — murmurei, a voz ainda reverberando com a força do comando. — Se guerra é a única forma de diplomacia que Liene conhece… que assim seja.Virei o rosto para Anthony:— Prepare os regimentos. Agora.Ele assentiu com um leve movimento de cabeça, como quem já esperava por isso.— Caleb… — Magnus tentou, cauteloso. — Há caminhos que ainda não exploramos…— Não há mais tempo para caminhos — cortei. — Eles cruzaram uma linha.Amelia não disse uma palavra. Só me observava. O olhar fixo, carregado de algo que eu não soube nomear.— Você não vai levar a futura rainha deste reino — declarei.Um silêncio tenso desceu sobre a sala. Alguns conselheiros olharam uns para os outros, tensos. A palavra “rainha” jamais deveria ser dita sem aprovação do Alto Conselho… mas ninguém ousou questionar. Raphael soltou uma risada breve, seca.— Rainha? Aquela coelha assustada? — O escárnio escorria das palavras dele. — Vocês esperam mesmo que alguém leve isso a sério?— Q