POV EnricaO escuro era denso. Não apenas pela ausência de luz, mas por aquele tipo de escuridão que se arrasta sob a pele, como se o próprio corpo tivesse esquecido como existir.O primeiro suspiro veio entrecortado. Os pulmões pareciam esquecer o ritmo. Minha garganta doía. A boca tinha gosto de metal, como se tivesse mordido sangue.Abri os olhos com dificuldade. O teto acima de mim… eu conhecia aquele forro de madeira. A textura das paredes. O cheiro da lareira antiga. A cabana. Mas algo estava fora do lugar. Meu corpo. Meu peito. O colar apertava a garganta como se estivesse tentando me punir por ainda estar ali. Cada centímetro da minha pele doía. E na mente… flashes.Caleb. O baile. O lobo. Os olhos vermelhos. A briga. O rugido. A queda.Arfei.— Enrica?! — Uma voz feminina se aproximou. Alicia.Vi seu vulto se apressar até mim, os cabelos escuros presos de qualquer jeito, os olhos azuis arregalados. Ela parecia aliviada e, ao mesmo tempo, prestes a desabar.— Graças aos deuse
POV EnricaA floresta ao redor parecia estranhamente silenciosa. Como se os pássaros tivessem prendido o fôlego. Um silêncio espesso, fora do normal. Algo estava fora do lugar.E então… uma batida na porta.Meu coração disparou. O som seco ecoou como um trovão na minha mente. Por um instante, pensei que fosse ele. Caleb. Que havia ignorado o próprio recado e vindo mesmo assim.Uma expectativa me tomou de assalto. Então lembrei: ele disse que não se aproximaria sem minha permissão.A mão que tocou a maçaneta era firme. Quando abri a porta… Não era Caleb.O homem diante de mim era alto, elegante, vestia-se com perfeição. Mas o que me atingiu não foi a aparência — foi a aura. Uma presença opressora, sutilmente ameaçadora.— Senhorita Enrica Vellmond — ele disse, com um leve sorriso nos lábios. Vellmond? — Venho em nome do Príncipe Raphael de Liene. Podemos conversar?Minha respiração vacilou.— O príncipe lamenta profundamente os… excessos da noite passada — continuou ele, em tom cortês
POV ENRICA— Enrica… — Alicia se virou para mim, a voz firme. — O que está acontecendo? Ele te conhece de alguma forma? Ele também me conhece? Você precisa me contar tudo.— Já estou cansada disso — murmurei, tentando escapar da conversa, mas ela avançou um passo, não me deixando fugir.— Cansada de quê? De confiar em mim? De me deixar ajudar? Sou tudo que você tem, Enrica!— É mesmo? — rebati, a voz subindo. — Porque às vezes parece que você confia mais nesses alfas do que em mim!Alicia arregalou os olhos, surpresa, como se tivesse levado um tapa.— O que você está dizendo? — a voz dela veio mais baixa, ferida, mas firme.— Quero dizer que você parece bem confortável com o Oliver! — cuspi. — Me diz, desde quando você confia assim em alfas? Desde quando acha que eles estão aqui pra nos proteger e não pra nos destruir?A expressão de Alicia mudou. Ela ficou rígida.— Acha que tô do lado deles? — Alicia deu um passo à frente, a mão tremendo ao soltar o frasco que ainda segurava. — Você
POV ENRICA— Ele não podia… — murmurei, o sangue fervendo. — Ele não podia dizer isso. Ele não podia me usar desse jeito!Meu peito arfava. Andei em círculos curtos dentro da cabana, as mãos tremendo. A raiva e a confusão queimavam sob minha pele como brasas vivas.— Eu nunca pedi isso. Ele mentiu, me usou… — continuei, entre dentes. — E ainda assim… ele me jogou no centro disso tudo como se fosse um jogo político. Como se eu fosse uma peça. Uma desculpa!Alicia se aproximou, séria. Os olhos ainda marejados, mas agora firmes.— Então o que você vai fazer? Fugir de novo? — ela perguntou. — Porque se for isso, me avisa logo. Preparo as coisas. A gente desaparece de vez. Some do mapa. Vai viver do outro lado do continente, se quiser.Minha garganta fechou. Olhei para ela, depois para Samuel, que aguardava em silêncio, respeitando a explosão. Ele não dizia nada, mas seus olhos me observavam, esperando.— Ou você vai enfrentar isso — Alicia continuou. — Vai até ele. Vai perguntar com a próp
POV CALEB— E sobre a movimentação das tropas de retaguarda? — perguntei, finalmente quebrando o silêncio. — Se vamos dividir o exército, quero saber se as reservas conseguem cobrir Marvat caso haja uma emboscada.Magnus assentiu lentamente, ajustando marcadores sobre o mapa.— As reservas estão em Ravarien. Podemos mover metade delas para o norte. Mas isso deixaria a fronteira sul vulnerável.— Então movam apenas um terço. Quero velocidade e cautela. E mantenham patrulhas duplas no limite do Bosque Velkar. Se Raphael tentar contornar pela floresta, não vai passar despercebido — ordenei.Um dos conselheiros, mais velho, bufou.— Isso se essa guerra realmente acontecer. Ainda podemos enviar uma nova carta de mediação.— Já passamos dessa fase — rosnei. — Raphael quer guerra. Vai tê-la.Outro general, de expressão rígida, se adiantou.— Alteza, peço licença, mas ainda é imprudente expor o senhor no campo de batalha. Como futuro rei, sua presença é um risco.Antes que eu respondesse, Ame
POV CALEBOlhei para Samuel, irritado. Dei dois passos firmes até ele, o som das botas ecoando pelo salão. O clima pesou ao meu redor. Parei diante dele, a voz baixa, mas afiada:— Por que você a trouxe aqui?Enrica pareceu vacilar ao me ouvir falar. Não era como se não quisesse vê-la, eu queria e muito. No entanto, não ali, no meio de tanta confusão e olhares julgadores.Samuel sustentou meu olhar, mas havia uma rigidez evidente em sua postura.— Ela quis vir. E eu não ia deixá-la sozinha depois do que aconteceu. Um enviado de Raphael tentou levá-la.Meu sangue esfriou por dentro. O rugido veio, interno, contido, mas vibrando sob a pele.Me virei lentamente para Enrica. Ela parecia menor naquele salão cercado por figuras de poder. Dei um passo em sua direção. Ela recuou, os olhos atentos, o corpo tenso. Estava mais próxima da amiga na entrada do salão.Alguns conselheiros se remexeram, trocando murmúrios entre si, visivelmente incomodados. Anthony franziu o cenho, avançando um passo.
POV CALEB— Você sabe o que eu sou? — Enrica perguntou, firme, a voz soando como um desafio contido.Meus olhos buscaram os dela.— Sei — respondi, com calma. — E não me importa.— Eu sou um monstro — ela sussurrou, mas antes que pudesse continuar, levantei-me, ficando diante dela e feliz por ela não ter recuado. Toquei seus lábios com dois dedos, gentilmente, interrompendo sua fala.— Basta — murmurei. E então, ergui o olhar para os presentes. — Todos. Fora.O salão congelou por um momento.Amelia bufou alto, os olhos faiscando enquanto girava nos calcanhares. Não esperava que ela seguisse meu comando, mas fiquei satisfeito que não insistisse em continuar.— Isso é um absurdo. — resmungou, e saiu, os passos duros ecoando.Alguns conselheiros trocaram olhares e seguiram atrás dela, ainda murmurando entre si. Magnus se aproximou de Samuel.— Venha comigo. Precisamos conversar — disse em voz baixa. Samuel assentiu e antes de sair, indicou Alicia, que os acompanhou em silêncio.Anthony s
POV ENRICACada passo que ele dava pelos corredores era como uma batida a mais do meu coração. Firme, constante, impossível de ignorar.O calor do corpo dele me envolvia e eu só conseguia pensar em tudo o que vi quando entrei naquele salão. As expressões tensas. Os rostos surpresos. O ar denso, cheio de algo que eu não sabia nomear.E, no meio de tudo aquilo… a voz dele. Dizendo que eu era dele. Que seria rainha.Eu era a ômega amaldiçoada que fugia do mundo, e ele… me chamou de rainha.Aquilo podia ser real?A mente gritava que não. Que era loucura. Que aquilo era estratégia, impulso, obsessão. Mas o jeito como ele me olhava, como dizia meu nome… como me carregava agora, com tanto cuidado, com tanto calor… Aquilo parecia mais real do que qualquer coisa que vivi desde que fugi da vila Harari.Eu devia estar com vergonha. E estava. Estava derretendo de vergonha.Meu rosto queimava, enterrado no peito dele, sentindo seu cheiro forte e mesmo assim, quando ousei erguer os olhos, ele sorri