POV CALEBOlhei para Samuel, irritado. Dei dois passos firmes até ele, o som das botas ecoando pelo salão. O clima pesou ao meu redor. Parei diante dele, a voz baixa, mas afiada:— Por que você a trouxe aqui?Enrica pareceu vacilar ao me ouvir falar. Não era como se não quisesse vê-la, eu queria e muito. No entanto, não ali, no meio de tanta confusão e olhares julgadores.Samuel sustentou meu olhar, mas havia uma rigidez evidente em sua postura.— Ela quis vir. E eu não ia deixá-la sozinha depois do que aconteceu. Um enviado de Raphael tentou levá-la.Meu sangue esfriou por dentro. O rugido veio, interno, contido, mas vibrando sob a pele.Me virei lentamente para Enrica. Ela parecia menor naquele salão cercado por figuras de poder. Dei um passo em sua direção. Ela recuou, os olhos atentos, o corpo tenso. Estava mais próxima da amiga na entrada do salão.Alguns conselheiros se remexeram, trocando murmúrios entre si, visivelmente incomodados. Anthony franziu o cenho, avançando um passo.
POV CALEB— Você sabe o que eu sou? — Enrica perguntou, firme, a voz soando como um desafio contido.Meus olhos buscaram os dela.— Sei — respondi, com calma. — E não me importa.— Eu sou um monstro — ela sussurrou, mas antes que pudesse continuar, levantei-me, ficando diante dela e feliz por ela não ter recuado. Toquei seus lábios com dois dedos, gentilmente, interrompendo sua fala.— Basta — murmurei. E então, ergui o olhar para os presentes. — Todos. Fora.O salão congelou por um momento.Amelia bufou alto, os olhos faiscando enquanto girava nos calcanhares. Não esperava que ela seguisse meu comando, mas fiquei satisfeito que não insistisse em continuar.— Isso é um absurdo. — resmungou, e saiu, os passos duros ecoando.Alguns conselheiros trocaram olhares e seguiram atrás dela, ainda murmurando entre si. Magnus se aproximou de Samuel.— Venha comigo. Precisamos conversar — disse em voz baixa. Samuel assentiu e antes de sair, indicou Alicia, que os acompanhou em silêncio.Anthony s
POV ENRICACada passo que ele dava pelos corredores era como uma batida a mais do meu coração. Firme, constante, impossível de ignorar.O calor do corpo dele me envolvia e eu só conseguia pensar em tudo o que vi quando entrei naquele salão. As expressões tensas. Os rostos surpresos. O ar denso, cheio de algo que eu não sabia nomear.E, no meio de tudo aquilo… a voz dele. Dizendo que eu era dele. Que seria rainha.Eu era a ômega amaldiçoada que fugia do mundo, e ele… me chamou de rainha.Aquilo podia ser real?A mente gritava que não. Que era loucura. Que aquilo era estratégia, impulso, obsessão. Mas o jeito como ele me olhava, como dizia meu nome… como me carregava agora, com tanto cuidado, com tanto calor… Aquilo parecia mais real do que qualquer coisa que vivi desde que fugi da vila Harari.Eu devia estar com vergonha. E estava. Estava derretendo de vergonha.Meu rosto queimava, enterrado no peito dele, sentindo seu cheiro forte e mesmo assim, quando ousei erguer os olhos, ele sorri
POV ENRICAA brisa que soprava pela sacada era fria, mas não incômoda. Meus olhos se perderam no jardim abaixo, onde as sombras das árvores se alongavam com o fim do dia.O ar tinha cheiro de terra úmida e de silêncio. Apoiei os braços no parapeito, sentindo o coração bater mais lento agora. Mas não calmo.Eu estava no quarto dele. No castelo dele. Depois de tudo.Parte de mim queria se convencer de que aquilo era só mais um esconderijo. Só mais uma pausa antes da próxima fuga. Mas… não era. Nada na presença de Caleb era temporário. E talvez esse fosse o verdadeiro problema.Fechei os olhos e inspirei fundo.Confiar nele era um risco. Um risco estúpido. E ainda assim… ele me carregou até aqui. Me protegeu. Se ajoelhou diante de todos por mim. Aquele não era o comportamento de um príncipe que só queria posse.Mas será que era o bastante? Uma batida suave na porta me tirou dos devaneios.— Com licença? — A voz feminina veio delicada. Quando me virei, uma mulher de aparência gentil estav
POV ENRICAMeus dedos se fecharam discretamente sobre a rosa enquanto o silêncio se estendia entre nós. As palavras de Caleb ainda ecoavam, impregnadas na minha pele como uma marca que eu não sabia se queria apagar.“Eu destruiria o mundo por você.”Foi como se um peso antigo voltasse a pressionar meu peito. Porque eu sabia o que o mundo fazia quando se movia por minha causa. Quantos já tinham sangrado. Quantos enlouqueceram. Aquilo não era romântico, não era poético. Era um lembrete. Do que eu era. Do que o meu cheiro podia provocar.Engoli seco. A garganta arranhava.Caleb pareceu notar. O brilho intenso dos olhos dele suavizou, e a linha da mandíbula se desfez um pouco da tensão.— Enrica — ele disse, a voz mais calma. — Me desculpe. Eu não quis assustar você. Não foi por impulso. Nem por instinto. Eu só…Ele passou a mão pelos cabelos e respirou fundo.— Eu sei o que suas experiências te ensinaram. E não quero ser mais um que usa a força ou o instinto como justificativa. Quando di
POV CALEBVer Enrica desabar diante de mim foi como ouvir o som de um espelho se partindo por dentro.A dor dela era minha. Os traumas, as fugas, os gritos calados. Tudo me atingia como se fosse meu, e talvez… sempre tivesse sido. Eu queria tocá-la, enxugar suas lágrimas, envolvê-la com meu corpo inteiro até que o mundo esquecesse de doer para ela. Mas hesitei. Minhas mãos pairaram no ar, vazias. Como se eu não tivesse o direito.Sentei à frente dela. Minhas pernas dobradas, os cotovelos apoiados nos joelhos. A distância entre nós parecia um abismo.— Eu também tenho fantasmas, Enrica — murmurei, a voz rouca. — E eles ainda me caçam, todas as noites.Ela ergueu os olhos inchados para mim. O brilho molhado do verde me desmontou. Eu continuei:— Não sou o príncipe perfeito. Nem o lobo que todos acham que posso controlar. — Fechei os olhos por um segundo. — Quando eu tinha dez anos, tive minha primeira transformação. Não foi como acontece com os outros. Minha pele queimava. Meus ossos es
POV CALEBMinha boca ainda repousava sobre a dela, faminta, entregue. O gosto de Enrica era doce, mas havia algo selvagem e cru também. Algo que me fazia perder a noção do tempo, do lugar, de mim.Meus dedos subiram por sua cintura, contornando suas costelas, sentindo a pele quente sob o tecido fino do vestido. Ela não recuou. Pelo contrário — se aproximou mais, seus dedos cravando levemente nos meus ombros. Seu cheiro me envolveu, adocicado, viciante, antigo. Como se uma floresta tivesse decidido respirar apenas para mim.Meu corpo inteiro gritou por mais. Minha garganta emitiu um rosnado baixo, instintivo, e eu senti quando o lobo em mim pediu. Pediu para marcá-la. Para tomá-la. Para torná-la minha. Ali. Agora. Ela não resistiria. Eu sentia. Ela deixaria. E era isso que me assustava.Porque não era a hora.Afastei meu rosto com esforço, os olhos ainda fechados, a respiração descompassada. Minha testa encostou na dela. Enrica arfava, confusa. Quando abri os olhos, vi o brilho de ince
POV CALEBA biblioteca do castelo era um relicário de segredos. Prateleiras tão altas que tocavam o teto abobadado, escadas móveis presas por trilhos de ferro. O cheiro de tempo impregnava tudo — pergaminho, cera de vela, poeira sagrada. Era o lugar perfeito para esconder verdades que ninguém mais queria encarar.Samuel estava sentado de braços cruzados, encarando Alicia com um olhar cético, enquanto ela apontava para algo aberto diante deles, em um dos livros.— Eu não estou inventando — Alicia insistia, os olhos azuis faiscando. — Tá escrito aqui, você que não quer aceitar.— Não é de você que eu duvido — Samuel respondeu, seco. — É do que esse livro insinua.O embate parou assim que perceberam nossa presença. Alicia ergueu os olhos e veio direto até Enrica, completamente alheia à minha presença.— Você tá bem? — perguntou, os olhos cheios de preocupação.— Sim — ela respondeu, soltando minha mão com certa hesitação.A ausência do toque dela foi mais incômoda do que eu esperava. Ela