- Claro que eu quero me casar, mas não com você.
O som das palavras ficaram fazendo eco para dentro do meu cérebro, penetrando meu ser. Me senti encolhendo gradativamente diante do par de olhos que me encaravam com um intensidade – antes irritada- e agora, claramente aliviada. Por alguns instantes, um surto de arrependimento me tomou, por ter entrado numa discussão sobre as flores do grande dia logo após um dia estressante de trabalho. - Você não está falando sério. – falei baixinho fechando a agenda repleta de compromissos sobre o dia do casamento. - Estou. – e ele se jogou no sofá, afrouxando a gravata. Claramente aliviado por estar falando sobre isso. Eu não conseguia me mover do lado da janela do seu luxuoso apartamento, apenas dei uma olhada para a cidade lá embaixo e por um instante me desliguei do problema ao meu redor. Pensei em pessoas que iam para suas casas após dias de trabalho. – Sei que fomos longe demais. – a voz dele me chamou de volta – Mas eu não quero me casar, Alice. - Não comigo. – afirmei, lembrando suas primeiras palavras quando, irritada com sua falta de capacidade de me ajudar a decidir sobre as flores, perguntei se ele não queria se casar. Uma pergunta cheia de ironia e obviamente sem resposta. Mas ele tinha resposta. – Então com quem, Eduardo? – cruzei os braços, a agenda ainda bem firme na mão. - A Vivian, Alice. – ele respondeu num sussurro e eu senti uma pontada desconfortável dentro de mim. - A Vivian? – engoli o nome dela com força, lembrando dos cabelos loiros sempre impecáveis e das unhas pintadas sem nunca ter uma lasca. – E quando foi que você chegou a essa conclusão? - Poxa, Alice. – ele já não me olhava nos olhos – Você sabe que as coisas entre nós já não andavam tão fáceis. Eu arquejei. Sim, eu sabia que as coisas andavam estranhas, mas eu também sabia que havia a pressão das coisas do casamento para organizar. Foi mais ou menos nesse período que as coisas ficaram estranhas e eu não achei que fossem um indicativo de que estivessem desmoronando. - Vocês estão se encontrando? – minha voz, fria como gelo, não entregou meu interior que está desmoronando. O silêncio de Eduardo me fez querer arrancar os seus olhos com as unhas. – Desde quando? – insisti, com um tom que ele conhece bem. - Encontrei ela por acaso. – ele cedeu finalmente – Eu tinha ido almoçar com um cliente, mas ele desmarcou e esbarrei com ela. – eu imaginei Vivian toda sorrisos, impecável no meio do dia, mesmo que para um almoço casual – Tem um mês mais ou menos. – acrescentou. - E isso já é suficiente para você saber que quer se casar com ela? – questionei, amarga. Conheci Eduardo quando ele fez o divórcio dos meus pais, na época ele era um novato e eu uma adolescente. Imagine o meu espanto quando, depois de concluído o trabalho, recebi flores em casa e um belo cartão que perguntava se poderíamos manter contato. - Não. – ele confessou meio gaguejando – Mas sei que não quero com você. – acrescentou com uma voz firme que não me deixou dúvidas. Enfim, me afastei da janela e peguei minha bolsa no sofá, bem ao lado dele. Um estranho formigamento toma conta do meu corpo e, por um instante, me perguntei se não estava presa num daqueles sonhos malucos. - Posso pedir para a secretária desmarcar tudo. – Eduardo disse num tom culpado. Balancei a cabeça e joguei em cima dele a agenda que reservei exclusivamente para os assuntos do casamento, cheia de anotações vergonhosas. Mas não me importava, não havia como a situação ser mais vergonhosa do que desmarcar o casamento. Saí pela porta sem que trocássemos mais nenhuma palavra e a sensação de que aquela era a última vez me oprimiu um pouco, mas não me permiti pensar muito sobre os detalhes do apartamento de Eduardo, logo substituindo a imagem pela imagem de Vivian entrando toda arrumada e perfumada com uma maleta para passar a noite. Comecei a me afastar do prédio, enfiando as mãos nos bolsos do casaco. A noite caiu por completo, mas ainda havia bastante movimento para um dia de semana. Meus pensamentos voaram para aquele primeiro buquê de flores e o pedido para continuarmos mantendo contato, algo que na época achei tão delicado e romântico. Telefonei para o escritório de Eduardo para agradecer as flores, mas quando me identifiquei para a secretária e disse que gostaria de deixar um recado, ela me transferiu para ele. Com o coração aos pulos disse que tinha achado o gesto amável. - E quanto a resposta? – ele perguntou numa voz macia e envolvente. E eu disse que sim, que gostaria que mantivéssemos contato. E depois disso uma série de visitas se desenrolaram, seguidas de jantares, cinemas e muitos outros passeios. Eu me sentia tão bem andando com um homem quase dez anos mais velho, principalmente quando ele me encontrava na frente do colégio e as outras meninas lançavam um olhar de curiosidade enquanto eu entrava no seu carro. Ficamos assim por alguns meses e então o fim do ano letivo se aproximou, e com ele o fim do ensino médio. Eduardo me levou para um romântico jantar seguido de um passeio de mãos dadas. - O fim se aproxima, então. – ele brincou, sabendo sobre a loucura de provas em que eu me encontrava, sempre em busca pelas notas mais altas. Ergui as mãos em comemoração. – É o fim para nós também? – embora o tom fosse brincalhão, pude perceber um toque de tristeza em sua voz. Olhei para ele, sem entender a ligação das duas coisas. – Você vai para a faculdade. – Eduardo disse, respondendo à pergunta que não fiz. – Não sei se vai querer ficar presa a um homem mais velho. – a forma como ele disse homem mais velho causou arrepios na minha pele. - Quero ficar com você. – respondi olhando em seus olhos. Acho que a intensidade foi forte o suficiente para fazê-lo acreditar, pois o assunto nunca mais voltou. Foi a única vez que Eduardo se sentiu inseguro quanto a nós dois. Coincidentemente, aquela foi a primeira noite que estive no seu apartamento. Eu me lembro de entrar, timidamente, observando os cômodos que ele apresentava, livres de muita decoração, até pararmos no quarto. Meu coração estava aos pulos, o ambiente cheirava o seu perfume e quando ele se aproximou - o peito na altura do meu queixo - o silêncio entre nós parecia adequado. Quando nossos beijos se tornaram longos demais para dar margem a outra coisa, Eduardo se afastou – a camisa amassada, os cabelos despenteados – e me perguntou se eu tinha certeza e eu, apesar de um pouco nervosa e com medo, tinha certeza sim. Afastei a memória enquanto colocava a chave na fechadura, grata pela minha mãe estar em uma viagem com o novo marido e pela minha irmã nunca estar em casa. Entrei no ambiente familiar, porém frio no quesito acolhimento. Por um instante fiquei ali parada, sem saber o que fazer, e pensei em Vivian já no apartamento de Eduardo – agora livre da minha presença. Corri até o telefone, jogando a bolsa de qualquer jeito na imensa mesa de jantar, onde nem mesmo jantamos mais há anos. - Alô. – a voz de Brenda, minha amiga dos tempos de escola, após o terceiro toque era reconfortante de verdade. - Oi. - respondi, sentindo minha voz desmoronar. - O que aconteceu? – ela perguntou no mesmo instante. E eu me vi contando em detalhes sobre o cancelamento do casamento e o caso dele com Vivian.- Mas que maldito. – disse Brenda colocando os pés no encosto do sofá, cruzados na altura dos tornozelos. Ela colocou a garrafa de vinho que pegamos no estoque da minha mãe no chão, entre nós duas. Eu estou deitada no chão, espalhada no tapete escuro da sala. – E esta maldita Vivian. – acrescentou rancorosa minutos depois. Isso me fez pensar de novo na Vivian sempre impecável. Desde o primeiro dia que a vi, lá na casa dos pais de Eduardo. Filha dos amigos mais íntimos da família, irmã do melhor amigo do Eduardo. Sempre enfurnada lá, sempre bajulando. Eu, jovem e insegura, me senti ameaçada pe
No sábado à noite, Brenda teve um encontro. Ela sempre tinha vários encontros, mas geralmente não chegavam a se repetir mais de três vezes com a mesma pessoa. E não porque os homens fugiam dela ou ela se envolvia com um tipo cafajeste, na maior parte dos casos a Brenda é que acabava se desinteressando de seus pares por algum motivo ou outro. - Posso desmarcar. – ela me disse, escolhendo entre um brinco de argolas e um de pedras – Não é nada especial, na verdade. É o primeiro encontro. - Não. – respondi sentando na cama, embora eu estivesse mesmo meio deprimida por ficar sozinha – E você está buscando defeitos no rapaz? – s
Acordei com as risadas de Catarina e Brenda vindo da cozinha, um som capaz de me tirar um sorriso. Levantei e as encontrei lutando com uma forma de biscoitos fumegantes.- Bom dia. – falei encostando o quadril no balcão da cozinha. - Oi! – Cat respondeu, animada como sempre – Estávamos testando essa receita, mas só sobrou essa forma. - Sua irmã é um desastre. - Brenda disse com um gesto dramático para o chão, repleto de biscoitos. - Bem sei eu. – sorri me sentando ao lado das duas. Era reconfortante ter as duas por perto logo cedo, o café d
- Até que enfim. – minha mãe me disse quando cheguei em casa segunda-feira de manhã, logo depois da Brenda sair do apartamento um tanto tensa na missão de deixar alguém cuidando da loja, e após um domingo feliz ao lado dela e da minha irmã. – Você conversou com o Eduardo? – senti a leveza das últimas horas ir se esvaindo de mim lentamente. - Não, mãe. – respondi arrastando minha mala até meu quarto. - Alice, você precisa ligar para ele! – ela me seguiu, gesticulando e aumentando o tom de voz. – Esse casamento ia fazer a sua vida, você ia ter total tranquilidade.&nb
- Quando essa viagem sai? – perguntei à Cat pelo celular, logo depois que consegui sair do restaurante, tentando não olhar o Eduardo novamente. - Nossa. – Catarina riu do outro lado – Pouco tempo, se a Brenda estiver de acordo. Onde você está? - Saindo de um restaurante. – respondi acelerando os passos – Seria gentil da sua parte passar a noite em casa. – falei firmemente e Cat apenas concordou – Vou pensar numa forma de Brenda se ajeitar logo. – acrescentei antes de desligar e buscar o número da minha amiga na agenda. - Estou enrolada. – ela disse sem nem m
O resto da semana passou de uma forma estressante pois, tanto Catarina quanto Brenda – que aceitou sair no fim de semana e parecia ter amolecido com a nossa conversa –, estavam ocupadas demais com seus negócios. Minha mãe passou o tempo todo livre deixando claro o quanto ela achava absurdo eu sair quando o Eduardo estava por ai, começando a desfilar com outra. A fofoca parecia, enfim, ter se espalhado e eu precisava me esquivar de telefonemas indesejados e campainhas insistentes. Pessoas que pareciam se condoer da minha situação, mas estavam apenas querendo observar a situação de perto. Parecia mais sensato ficar trancada no quarto, em meio as malas de viagem e as caixas, que aind
- Ela parece uma criança com essa câmera. – Brenda comentou enquanto nós duas andávamos juntas pelo parque. Conseguíamos ver Catarina abaixando e levantando em busca de suas fotos perfeitas. - Com certeza. – confirmei, olhando o parque cheio ao nosso redor. Haviam muitas crianças com os pais e alguns adolescentes aproveitando a noite de sábado nos tradicionais brinquedos. - Vamos esperar aqui. – Brenda apontou um banco. Atrás de nós estava a imensa roda-gigante, cheia de luzes. – Te achei muito para baixo antes de sairmos. – ela comentou suavemente.
A manhã seguinte estava chovendo, o que não ajudou no humor da Brenda – que não parava de repetir que não gostava de andar no mato – e no meu – que passei boa parte da noite tentando descobrir como me orientar e estava morrendo de sono. Cat não se alterou nem um pouco com isso, e após o café da manhã na mesma lanchonete próxima ao hotel, estávamos seguindo viagem. A chuva batia nas janelas, me deixando sonolenta, e em alguns momentos fiquei em dúvida se dormi ou não. Cheguei até a ter alguns sonhos confusos, todos relacionados ao casamento.&nbs