- Mas que maldito. – disse Brenda colocando os pés no encosto do sofá, cruzados na altura dos tornozelos.
Ela colocou a garrafa de vinho que pegamos no estoque da minha mãe no chão, entre nós duas. Eu estou deitada no chão, espalhada no tapete escuro da sala. – E esta maldita Vivian. – acrescentou rancorosa minutos depois. Isso me fez pensar de novo na Vivian sempre impecável. Desde o primeiro dia que a vi, lá na casa dos pais de Eduardo. Filha dos amigos mais íntimos da família, irmã do melhor amigo do Eduardo. Sempre enfurnada lá, sempre bajulando. Eu, jovem e insegura, me senti ameaçada pela mulher mais velha, toda alinhada, pintada e bem portada. Conforme nosso namoro se consolidava, Vivian se distanciou, o que mostrava claramente que ela tinha interesse em Eduardo, e eu me senti mais confiante da minha posição, embora não gostasse nem um pouco da sua presença em festas, encontros ou mesmo meramente por acaso. - Deixei que a secretária dele se encarregasse de cancelar tudo. – falei afundando no tapete. - No mínimo. – Brenda respondeu, a luz externa iluminando sua silhueta na casa escura. Seu tom era duro e irritado. Ela também nunca gostou muito da Vivian. - Dá uma certa vergonha. – comentei – Quase ser abandonada no altar. - Não tem porque ter vergonha. – ela retrucou rapidamente – Foi ele quem estragou tudo. – acrescentou se sentando e tentando me observar no escuro. – E você não enviou nenhum convite, Alice. - É, não. – concordei – Mas todo mundo sabia que eu iria casar. – claro que todo mundo sabia, era um longo namoro e o noivado durara dois anos. Dois anos de planejamento que a secretária de Eduardo daria conta de dar fim na manhã seguinte. - Não se preocupe com as pessoas. – a voz dela se suaviza – Só você importa. Balancei a cabeça, pouco confiante, e depois lembrei que ela não conseguia me ver direito, então murmurei um “sim” sem convicção nenhuma. A verdade é que eu pensava em Vivian toda sorridente no sofá de Eduardo, fazendo planos sobre o próximo passo dos dois, dizendo que ela sempre soube que combinavam perfeitamente. Acabo pedindo para Brenda passar a noite, e deixo que ela durma no quarto da minha irmã, Catarina, que nós sabemos muito bem que não vai aparecer tão já em casa de novo. Afundei na cama, preparada para uma noite longa e confusa, mas acabei num sono sem sonhos e acordei na manhã seguinte apenas com uma leve dor de cabeça. O sol entrava pelas frestas da janela, deixando o quarto numa penumbra que me fez pensar de novo no apartamento do Eduardo – que era onde eu estaria naquele horário. A porta do quarto abriu uma mínima fresta, e vi o rosto de Brenda surgir junto com um aroma delicioso de café. Me sentei na cama e garanti que já estava acordada, que estava tudo bem. - Fiz café. – ela disse gentilmente, com a liberdade que adquirimos dos anos de convivência. – Não espero que esteja toda animada, mas não vou deixar que se afunde na cama por dias o dia todo. Observei a casa dando sinais de desordem, já que havia uma folga para a nossa empregada quando minha mãe saiu para sua viagem. Não me sentia nem um pouco tentada em arrumar as coisas, nem mesmo queria ficar naquela casa grande e vazia. - Brenda, como está seu apartamento? – perguntei, estudando sua reação com os olhos. - Como sempre. – respondeu com um pequeno toque de animação, já prevendo que eu queria ir para lá e não ficar sozinha por tempo indeterminado. – Bastante espaço. – ela piscou, cúmplice. - Posso passar um tempo com você? – perguntei, sabendo que era completamente desnecessário, pois ela já dava sinais de que iria adorar. - Claro que pode. – sorriu, pousando a xícara na mesa com cuidado – Vai ser ótimo ter companhia. – dei um sorriso em resposta, mas sabia muito bem que ela adorava o próprio espaço. Durante as duas horas seguintes, juntei as coisas que sabia que iria precisar e coloquei cuidadosamente nas malas enquanto Brenda me observava sentada na cama. Fiquei pensando se todos os planos do casamento já estavam cancelados e me vi com o belo vestido branco que experimentei apenas uma vez. Um modelo tão lindo, que valorizava minha cintura. Eu nunca chegaria a usá-lo. - Esquece isso, pelo menos por agora. – Brenda, adivinhando o rumo dos meus pensamentos, procurou me distrair – Só venha comigo e vamos nos divertir um pouco vendo filmes e tomando sorvete, tudo bem? Concordei, e seguimos para seu apartamento. Eu, afundada no banco do carona do seu carro, como se todas as pessoas ao redor pudessem saber o que aconteceu na noite passada. E Brenda, imponente, dirigindo rapidamente até o conforto do seu lar, decidida a passar o dia comigo, mesmo que seja um terça-feira. - Você não deveria trabalhar? – perguntei afundando em seu sofá macio e grande. Me senti como se estivesse sendo abraçada. - Eles vão sobreviver sem mim. – Brenda se sentou ao meu lado com uma coleção de filmes para eu escolher. Ela era dona de uma loja de roupas imensa e sempre estava lá para cuidar das coisas e das clientes finas. Pelo resto da semana, permaneci naquele sofá sozinha, já que a Brenda voltou para a seu posto na loja, e desfilei pelo mar de filmes que ela possuía. Em algum momento meu celular passou a ficar bem ao meu lado e percebi que eu estava esperando que o Eduardo se arrependesse do que ele estava jogando fora. Com uma pontada de vergonha, coloquei o celular longe quando Brenda voltou para a casa, certa de que ela não ia perceber as minhas esperanças. - Pode esquecer. – ela me disse no jantar, que passamos a fazer no sofá, e eu tentei me fazer de desentendida, mas meu olhar era cheio de culpa com toda a certeza. – Ele não vai ligar para você, Alice. – ela declarou sem medo de me chatear. O que não acontece, porque no fundo eu sabia que ele não tinha se arrependido. Devia estar em algum restaurante chique com a Vivian, com toda aquela magia de início de relacionamento envolvendo os dois. - Eu sei. – respondi, percebendo que não sabia o que fazer dali para a frente. Não sabia como seguir sem os planos que eu tinha elaborado para nós dois. - Vai ter que colocar um rumo. – Brenda disse massageando um dos meus pés, e pensei que devia ter feito mais como ela e investido em algo meu e não apenas cursado a faculdade de administração por cursar. Eu só queria ter uma vida ao lado de Eduardo, nunca pensei em outra coisa. Nesse momento meu celular tocou e meu coração deu pulos, mas era apenas a minha mãe. - Oi. – atendi me odiando por pensar que poderia ser ele. - Alice. – ela disse firmemente – Que história é essa de casamento cancelado? – o tom de reprovação na sua voz era muito claro. A filha perdendo o par perfeito. - Pois é... – afundei no sofá diante do olhar indagador de Brenda. - E por que a secretária do Eduardo me ligou? – ela disparou, e me recordei que no início da próxima semana teríamos uma prova do vestido juntas. - Desculpe, mãe. – suspirei, arrependida de ter atendido o telefone – Eu devia ter ligado. – embora isso nem tivesse passado pela minha cabeça e não sentisse remorso algum. - E esse cancelamento absurdo? – ela disparou novamente, com um barulho de portas abrindo e fechando ao fundo. - Ele não quer se casar. – Brenda estava com os olhos fixos em mim. O silêncio do outro lado da linha era absoluto e pesado – Ele está com outra pessoa. – acrescentei, soltando tudo de uma vez. - Outra pessoa! – minha mãe exclamou com irritação, batendo em alguma coisa – E você vai deixar esse disparate acontecer? – fui tomada pela surpresa e gaguejei, sem saber o que responder – Ainda há tempo, Alice. – ela dispara, outra vez, para falar sobre todo meu tempo investido nesse relacionamento e sobre ele ser um homem de ótima reputação e mil coisas. Quando desliguei me senti encolhida ao tamanho de uma moeda, perdida no sofá de Brenda, que me olhava como quem já sabia o que aconteceu. - Não absorva nada das porcarias que eu sei que você ouviu. – ela disse apontando na minha direção, ordenando, séria e levemente irritada.No sábado à noite, Brenda teve um encontro. Ela sempre tinha vários encontros, mas geralmente não chegavam a se repetir mais de três vezes com a mesma pessoa. E não porque os homens fugiam dela ou ela se envolvia com um tipo cafajeste, na maior parte dos casos a Brenda é que acabava se desinteressando de seus pares por algum motivo ou outro. - Posso desmarcar. – ela me disse, escolhendo entre um brinco de argolas e um de pedras – Não é nada especial, na verdade. É o primeiro encontro. - Não. – respondi sentando na cama, embora eu estivesse mesmo meio deprimida por ficar sozinha – E você está buscando defeitos no rapaz? – s
Acordei com as risadas de Catarina e Brenda vindo da cozinha, um som capaz de me tirar um sorriso. Levantei e as encontrei lutando com uma forma de biscoitos fumegantes.- Bom dia. – falei encostando o quadril no balcão da cozinha. - Oi! – Cat respondeu, animada como sempre – Estávamos testando essa receita, mas só sobrou essa forma. - Sua irmã é um desastre. - Brenda disse com um gesto dramático para o chão, repleto de biscoitos. - Bem sei eu. – sorri me sentando ao lado das duas. Era reconfortante ter as duas por perto logo cedo, o café d
- Até que enfim. – minha mãe me disse quando cheguei em casa segunda-feira de manhã, logo depois da Brenda sair do apartamento um tanto tensa na missão de deixar alguém cuidando da loja, e após um domingo feliz ao lado dela e da minha irmã. – Você conversou com o Eduardo? – senti a leveza das últimas horas ir se esvaindo de mim lentamente. - Não, mãe. – respondi arrastando minha mala até meu quarto. - Alice, você precisa ligar para ele! – ela me seguiu, gesticulando e aumentando o tom de voz. – Esse casamento ia fazer a sua vida, você ia ter total tranquilidade.&nb
- Quando essa viagem sai? – perguntei à Cat pelo celular, logo depois que consegui sair do restaurante, tentando não olhar o Eduardo novamente. - Nossa. – Catarina riu do outro lado – Pouco tempo, se a Brenda estiver de acordo. Onde você está? - Saindo de um restaurante. – respondi acelerando os passos – Seria gentil da sua parte passar a noite em casa. – falei firmemente e Cat apenas concordou – Vou pensar numa forma de Brenda se ajeitar logo. – acrescentei antes de desligar e buscar o número da minha amiga na agenda. - Estou enrolada. – ela disse sem nem m
O resto da semana passou de uma forma estressante pois, tanto Catarina quanto Brenda – que aceitou sair no fim de semana e parecia ter amolecido com a nossa conversa –, estavam ocupadas demais com seus negócios. Minha mãe passou o tempo todo livre deixando claro o quanto ela achava absurdo eu sair quando o Eduardo estava por ai, começando a desfilar com outra. A fofoca parecia, enfim, ter se espalhado e eu precisava me esquivar de telefonemas indesejados e campainhas insistentes. Pessoas que pareciam se condoer da minha situação, mas estavam apenas querendo observar a situação de perto. Parecia mais sensato ficar trancada no quarto, em meio as malas de viagem e as caixas, que aind
- Ela parece uma criança com essa câmera. – Brenda comentou enquanto nós duas andávamos juntas pelo parque. Conseguíamos ver Catarina abaixando e levantando em busca de suas fotos perfeitas. - Com certeza. – confirmei, olhando o parque cheio ao nosso redor. Haviam muitas crianças com os pais e alguns adolescentes aproveitando a noite de sábado nos tradicionais brinquedos. - Vamos esperar aqui. – Brenda apontou um banco. Atrás de nós estava a imensa roda-gigante, cheia de luzes. – Te achei muito para baixo antes de sairmos. – ela comentou suavemente.
A manhã seguinte estava chovendo, o que não ajudou no humor da Brenda – que não parava de repetir que não gostava de andar no mato – e no meu – que passei boa parte da noite tentando descobrir como me orientar e estava morrendo de sono. Cat não se alterou nem um pouco com isso, e após o café da manhã na mesma lanchonete próxima ao hotel, estávamos seguindo viagem. A chuva batia nas janelas, me deixando sonolenta, e em alguns momentos fiquei em dúvida se dormi ou não. Cheguei até a ter alguns sonhos confusos, todos relacionados ao casamento.&nbs
- Será que essa chuva não vai parar? – finalmente, depois de dois dias de chuva sem trégua, o humor de Cat começou a variar. Ela olhava pela janela da cozinha o céu completamente coberto de nuvens. - Não estou achando tão ruim. – Brenda disse, deitada no sofá da sala repleto de almofadas e travesseiros, com o celular nas mãos. - Vamos esperar mais um pouco. – tentei confortá-la com uma mão nos ombros. Sua expressão era tremendamente desapontada. Nos juntamos à Brenda no ambiente aconchegante da sala, ouvindo o tamborilar insistente das go