O estranho arrepio percorreu sua espinha até a nuca quando foi puxada para cima com apenas um impulso. Erguendo os olhos avistou um grande homem com o dobro do seu tamanho. Lia o encarou instantaneamente encantada com o rosto bonito à sua frente, sentiu um calor incomum e tentou se lembrar se já havia visto tal beleza antes e não conseguiu.
Ele simplesmente parecia uma obra de arte de tão bonito. Vestido num terno preto de camurça fina muito elegante, parecia até mesmo um modelo. No entanto as roupas estavam desgrenhadas, a camisa aberta e gravata borboleta sem nó, não que isso o tornasse menos bonito, pelo contrário só realçou sua beleza humana. Seus olhos castanhos escuros – muito escuros – não tão grandes, as sombrancelhas intocáveis, os lábios desenhados, a expressão dura e máscula a deixou um tanto sem fôlego.
Ele por sua vez a encarava com curiosidade e um misto de preocupação, embora seu olhar estivesse escuro, seus olhos penetraram na íris de Lia como um feiticeiro querendo ler a mente de alguém. Ele sentiu a estranha obsessão de continuar olhando para ela naquele momento.
Sentindo-se intimidada e exposta com aquele olhar, ela desviou os seus sentindo suas estranhas se contraírem e esfriarem de modo insólito. Nunca havia sentido-se de tal forma, ressaltou novamente. O homem continuou estudando-a de cima a baixo enquanto sentia o coração acelerado.
Os dois estavam.
Lia quase tinha certeza que alguém em um país distante poderia ouvir suas batidas frenéticas e ela não entendia o porquê disso.
O homem nunca havia presenciado em sua frente, moça tão bela. Uma beleza diferente de tudo que já vira antes. As feições doces e perfeitamente desenhadas chamou sua atenção. O rosto aparentemente cansado – consequências de muitas decepções recentes – , os olhos caídos se abriram na intenção de observá-la mais um pouco, ele não conseguia não olhá-la, era linda demais e o deixara intrigado.
No entanto suas roupas rasgadas e feias não passaram despercebidas por, franzindo o cenho ele pensou que tipo de pessoa vagava pelas ruas com vestes furadas exageradamente antes mesmo de amanhecer o dia? Ela poderia ser uma mendiga. Ou realmente era.
— Muito obrigada... — agradeceu quando finalmente conseguiu respirar de novo — Aí! — exclamou ela sentindo uma dor aguda nas costelas.
— Você se machucou? — perguntou ele com olhar de solicitude.
— Não sei... Acho que sim. Está doendo muito aqui. — apontou para sua costela.
Então ele se aproximou com cautela para não assustá-la, naquele momento pensou em quando havia sido gentil com alguém antes mas ignorou tal pensamento quando ela mordeu o lábio inferior e uma expressão de dor nasceu em sua bela face.
— Posso? — pediu ele fazendo menção de levantar a blusa dela somente até ver seu ferimento.
Assim sendo, ela rapidamente olhou para o lado vendo um carro esporte mas muito chique com os faróis acesos e portas abertas, entregando que a pessoa saiu às pressas dele. Constatou o óbvio em segundos, fora ele quem quase a atropelou.
— Acho que não. — ela recuou dois passos assustada e quase voltou a cair no precipício.
— Por que? Quero apenas saber se está machucada. Não vou abusar de você. — disse ele um tanto irritado.
Lia sentiu o hálito de bebida alcoólica e não evitou a pergunta automática e decepcionada.
— O senhor está bêbado? — afirmou mais do que perguntou. Sua expressão chocada o fez soltar uma risada baixa.
— Não. — respondeu secamente.
— Mas é claro que está! O cheiro de álcool está tão forte que eu quase posso ficar bêbada também. — disparou ela contraindo a costela mais uma vez.
— Mesmo que estivesse, por que isso seria da sua conta? — seu tom saiu mais grosseiro do que ele pretendia, porém não se importou.
Nunca se importava com ninguém.
— Talvez porque quase me atropelou e estava dirigindo bêbado! Isso é crime! - o acusou horrorizada.
— Não seja dramática, as pessoas fazem isso todos os dias. Vai me dizer que não sabe que a maioria dirige bêbado por ai? — o homem deu de ombros e bufou.
— Eu não faço ideia da imprudência das pessoas. — disse ela e sentiu a dor aumentar, não evitando outra careta.
— De qualquer forma isso não é importante agora. Deixe-me ver o seu machucado. — o homem não esperou permissão e se aproximou de Lia puxando-a para longe do barranco.
— Você é algum tipo de médico? — indagou a moça não pensando em protestar quando a dor estava ficando muito intensa.
— Não. — respondeu ele posicionando a menina em frente ao seu carro, próximo a luz.
— Então para quê quer ver meu machucado? — questionou com um frio na barriga.
— Todo ser humano deveria saber alguma coisa sobre primeiros socorros. — comentou encontrando a luz exata para que pudesse examinar a garota. — Venha, aqui será melhor. — as mãos fortes do rapaz seguraram os quadris de Lia levantando-a facilmente para sentá-la no capô do carro.
— Pelo menos sabe o que está fazendo? — a jovem perguntou receosa.
— E por que eu não saberia? — respondeu perguntando ríspido.
— O senhor está muito bêbado, não acho que consiga distinguir alguma coisa nesse estado. — a menina implicou.
— Já disse que não estou bêbado! Se você não quiser que eu veja seu ferimento, eu vou embora sem nenhum peso na consciência. Estou apenas tentando fazer uma gentileza. — vociferou ele e a jovem semicerrou os olhos indgnada.
— Então não veja, oras. O senhor quem me atropelou, deveria ser eu a ficar chateada com isso. — Lia cruzou os braços irritada.
— Se não tivesse vagando de madrugada pelas ruas, nada disso teria acontecido! — acusou-a com grosseiria.
— Não acredito que agora a culpa é minha! — gritou zangada e fez menção de descer do capô do carro, no entanto foi impedida por ele.
Lázzaro segurou suas coxas automaticamente lançando-lhe um olhar de reprovação. Odiava ser desobedecido.
Formigamentos calorosos surgiram nela no local onde foi tocado por ele e se espalharam por todo o corpo. Os dois se olharam fixamente por alguns segundos e ambos sentiram-se estranhos como nunca haviam se sentido antes.
— Não faça escândalos, odeio isso. — censurou ignorando o que sentiu.
— Eu não posso nem me defender? — ela sibilou encolhida com a repreensão do grosseiro e ele bufou — Você quase me atropelou, estou machucada e agora eu sou a culpada? Não consigo me conformar com isso! — se irritou e empurrou o corpo forte dele para longe.
Logo suas mãos foram paradas por duas três vezes maiores, em seguida ele apertou fazendo ela gemer de dor ao mesmo tempo que sentiu sua pele arder.
— Você é o que? Uma criança de cinco anos? — bramou em desaprovação.
— Ai minha mão! Seu... Seu... Ah, seu grosseiro! — sorriu, nunca havia sido xingado de forma tão doce.
— Só fica quietinha está bem? — exigiu sussurrando e ela apenas assentiu não conseguindo mais dizer uma palavra se quer quando sentiu o toque quente.
Lia parou de respirar corretamente quando ele se aproximou dela e com os dedos longos levantou um pouco sua blusa, as coxas ficaram tão perto uma da outra que acabaram se encostando, o homem sentiu a teimosia de sua masculinidade pulsar, no entanto tratou-se de concentrar no machucado.
—Há alguns arranhões aqui, nada grave. — disse ele quando se afastou.
— Mas está doendo muito. — choramingou.
— Está recente, por isso o ardor e não dor.
— Quando digo que é dor é dor. Sou eu quem estou sentindo. — sentiu a irritação subir no sangue.
— Está bem. Não quero ocupar o lugar da segunda criança nessa discussão idiota. — bufou irritado.
— Não sou criança e muito menos idiota. — se defendeu com raiva.
— É sim. Agora fica quieta, sua gritaria está me dando dor de cabeça.
— A ressaca já deve estar começando e o senhor quer me culpar pela dor de cabeça. — murmurou baixo obedecendo mesmo sem perceber ao comando dele.
Sentiu o rosto vermelho de repente quando foi fitada pelos olhos escuros daquele homem que a encarou com uma sombrancelha arqueada.
Muito teimosa e faladeira essa pessoinha. Pensou ele.
— Você está vermelha, senhorita... — sussurrou com voz grave lembrando-se de não saber como chamá-la — Como se chama?
— Lia. Lia Hamilton. — engoliu em seco — E o senhor? — Tratou-o com a educação que ganhara de sua mãe.
— Lázzaro Bartholomeu. — replicou.
Lázzaro pegou de repente o pulso de Lia colocando dois dedos no inferior, dando um leve sorriso diabólico olhou para a garota que estava parecendo uma maçã vermelha, os rostos cada vez mais perto.
— Sua pulsação, está muito acelerada, senhorita Hamilton. Você está com medo de mim? — Provocou.
— M-Medo? — Ela sorriu nervosa — C-Claro que não. — balançou a cabeça.
— Cuidado. Da próxima vez, pode ser que seja um psicopata a atropelá-la.
Repentinamente Lázzaro se afastou com um sorriso travesso entrando em seguida dentro do carro, voltando em menos de dois minutos com uma pomada. Ele sempre tinha uma mini farmácia dentro do porta luvas contendo vários remédios para situações diversas e menos prováveis possíveis.
— Aqui. — entregou a ela — Espero que eu esteja redimido com você. Foi um prazer senhorita Hamilton. — proferiu num tom um tanto rude para o gosto de Lia.
Ela já descida do capô do carro, se afastou quando ele entrou no automóvel e dirigiu para longe. Finalmente conseguiu respirar direito e se perguntou que raios de sensações foram aquelas que sentiu quando o homem estranho tocou-na.
— Os gatinhos! — lembrou-se e então olhou para baixo ignorando a dor.
Pronta para descer de volta em busca dos seus bichinhos.
Lázzaro não podia negar que sentiu uma forte e estranha conexão com aquela menina, a qual ele nunca tinha visto antes, era apenas uma menina em sua visão, todavia o seu corpo traiçoeiro e mulherengo não pensou da mesma forma ao ficar excitado tocando somente centímetros da pele macia e quente de Lia.Por outro lado logo tratou de repreender-se. Era uma mendiga, andarilha ou até mesmo garota de programa. O que uma moça "decente" estaria fazendo na rua uma hora daquelas e sozinha se não fosse algo desse tipo? Fora que suas roupas rasgadas também entregavam o estado crítico de pobreza em que a menina vivia.Indignou-se quando percebeu que estava pensando tempo demais em Lia Hamilton enquanto dirigia de volta para casa, ainda engolindo a dúvida de não saber o porquê dela estar lá, sozinha, na rua, de madrugada... Sentia-se quase preocupado, e outra vez indignou-se
Lázzaro Bartholomeu tentou passar adiante, não era problema dele, mas uma força maior e incompreensível, o fez dar ré. Parando o carro perto da garota, abriu o vidro e sentiu um nó na garganta ao ver o estado em que ela se encontrava.— Senhorita Hamilton? — chamou-a que olhou imediatamente limpando as lágrimas com o coração batendo rapidamente.— Ah, olá senhor Bartholomeu. — o cumprimentou soluçando em uma tentativa vã de disfarçar a crise de choro.— O que ainda faz aqui? — indagou Lázzaro com o olhar confuso.— Eu já estava indo para casa. Terminei agora o... O trabalho, mas... — tentou dizer mas uma onda de lágrimas novamente se esvaiu dela.— O que houve? Alguém te machucou? — a impaciência e preocupação disputavam em sua voz.— Sim.
Lázzaro ficou lá, parado e intrigado por alguns segundos antes de entrar novamente no carro e continuar dirigindo sem rumo. Nunca fora um homem afetuoso, bondoso, caridoso e recíproco ou cheio de empatia. Nunca sentiu misericórdia por alguém, vontade de ajudar alguém como ele tinha vontade de ajudar Lia naquela hora.Talvez seja por isso que tenha tratado-a daquela forma, para que ela não confundisse as coisas e o visse como um bom samaritano, coisa que não era e estava longe de ser. Ou talvez ele simplesmente tenha agido como ele mesmo.Entretanto, mais uma vez ele balançou a cabeça e pensou: já tenho problemas demais.Ao chegar na porta de casa, Lia respirou fundo com o coração quase saindo pela garganta, as mãos suadas e corpo tremendo, já queria chorar de imediato pela reação que sua tia teria. Não custava nada tentar, ela precisava f
Acordando com uma brutal dor de cabeça, Lia ouviu os bipes dos aparelhos, instantaneamente também sentiu aquele cheiro único de hospital. Nada havia atingido o seu cérebro pois lembrava muito bem que tinha sido atropelada por alguém, apenas não teve chance de ver quem fora.— Oh, ela acordou. — disse o médico se aproximando da cama. — Bom dia, senhora Bartolomeu.— O que?! — foi a primeira pergunta espontaneamente confusa.— Está tudo bem, ele só vai fazer os últimos exames e saber se está realmente tudo certo com você. — Lia ouviu a voz de Lázzaro preencher seus ouvidos e quase sentiu-se derreter quando ele também se aproximou dela.É apenas uma voz Lia...Mal podia acreditar que ele estava lá, novamente em seu caminho. Tão bonito e elegante, até mesmo os fios do seu cabelo
Lázzaro estava tão aliviado que quase deu um abraço forte em Lia, mas conteve a emoção. Parou um segundo para analisar que nunca havia pensando antes em se casar, nunca teve a visão de casamento como algo sagrado ou importante em sua vida. Desta forma isso não seria tão difícil para ele, eram apenas papéis e uma situação na qual não haveria envolvimento físico ou emocional.Iria morrer em breve e por mais que esse pensamento o consumisse a alma, pois era um amante das coisas boas da vida, teria de se conformar e aproveitar ao máximo seus últimos dias.Nada mudaria, ele só teria Lia sob seu radar a todo instante por causa do dinheiro e mais nada. Continuaria sendo solteiro na prática e vivendo a vida como sempre viveu. Cuidando acima de tudo para que seu patrimônio e do pai rendesse muito mais e então deixaria quem sabe para um futur
Quando entraram no hall da grande casa rapidamente foram recebidos pelos empregos do homem, todos com olhares curiosos sobre a companhia do patrão que nunca levou nenhuma mulher para sua casa.— Levem essas bolsas para o melhor quarto de hóspedes, com banheira de preferência e a preparem. Façam isso rapidamente! — ditou suas ordens que foram obedecidas de imediato — Essa é Lia Hamilton e será amanhã a senhora Bartholomeu, dêem a ela tudo que pedir e obedeçam suas ordens como se fossem as minhas, entendido? — todos assentiram e se foram.Nádia a empregada que tinha interesses em seu patrão logo se viu com muita raiva e inveja da pobre garota. Os olhares de desdém que ela recebeu de todos foram tão dolorosos... No entanto já estava acostumada com isso todos os dias.— Onde está Magdalena? — o dono da casa perguntou.Magd
Lia estava indo para o quarto quando encontrou Magdalena no corredor acompanhada de Nádia.— Boa noite. — a moça cumprimentou as empregadas que olharam para ela com estranheza.Elas não responderam por alguns instantes fazendo Lia sentir-se acanhada.— Boa noite, senhora Bartholomeu. Deseja alguma coisa? — perguntou Magdalena.— Não, só estava passando para ir para o quarto. E podem me chamar de Lia apenas. — ela sorriu.— E decidiu cumprimentar nós duas? — Nádia indagou com um tom de ironia ignorando a última frase.— Sim. — respondeu com firmeza.— Uau...— Por que? As pessoas não dão boa noite para as outras aqui nessa casa? — a jovem perguntou.— Não. Quando não pretendem pedir nada nem nos olham.— Mas eu não sou assim. &mdas
Lázzaro pensou ter ouvido ela conversando com alguém, ouviu corretamente a voz de um homem e não gostou nenhum pouco. Não se importou também em demonstrar isso.— Com quem estava? — indagou olhando ao redor vendo apenas pessoas desconhecidas por ele.— Ah, eu vim beber água e tinha um homem aqui batendo no bebedouro mas ele já foi. — explicou calmamente.— Quem era?— Não sei. Nunca o vi antes e também não nos apresentamos. — ela era tão sincera que o fez se acalmar.Lia não entendeu muito bem as perguntas mas fez questão de responder sem hesitação.— Vamos para o tribunal. — informou puxando sua mão pequena.— Não deu certo um acordo? — perguntou ela tentando acompanhar o passos dele.— Não. Ela ainda quer meu dinheiro e o resultado