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Lázzaro ficou lá, parado e intrigado por alguns segundos antes de entrar novamente no carro e continuar dirigindo sem rumo. Nunca fora um homem afetuoso, bondoso, caridoso e recíproco ou cheio de empatia. Nunca sentiu misericórdia por alguém, vontade de ajudar alguém como ele tinha vontade de ajudar Lia naquela hora.

Talvez seja por isso que tenha tratado-a daquela forma, para que ela não confundisse as coisas e o visse como um bom samaritano, coisa que não era e estava longe de ser. Ou talvez ele simplesmente tenha agido como ele mesmo.

Entretanto, mais uma vez ele balançou a cabeça e pensou: já tenho problemas demais.

Ao chegar na porta de casa, Lia respirou fundo com o coração quase saindo pela garganta, as mãos suadas e corpo tremendo, já queria chorar de imediato pela reação que sua tia teria. Não custava nada tentar, ela precisava fazer algo por aqueles bichinhos, não poderia simplesmente deixá-los lá.

Quando se preparou para abrir a porta, alguém a fez mais rápido. Se encolhendo um pouco, ela olhou para cima amedrontada, sua tia e seus primos estavam a ponto de lhe fuzilar com os olhos.

— Por que infernos você demorou tanto?! — Gritou Martha com raiva.

— Aconteceram algumas coisas no caminho. Me desculpe tia Martha, aqui está o dinheiro. — entregou o saquinho com apenas vinte dólares e algumas moedas.

Martha abriu o pacote e começou a contar, quando percebeu o valor que tinha, sentiu a fúria subir pela garganta.

— Que miséria é essa? — berrou e Lia se encolheu mais um pouco grudada na caixa com gatos.

— Foi a única coisa que eu consegui hoje. — resmungou baixo com a voz trêmula.

— Isso aqui não serve para nada, sua imunda! — ela jogou o dinheiro no rosto da menina e logo caiu no chão, as moedas fazendo barulho.

Lia apertou os olhos querendo chorar mas sua tia odiava quando ela chorava e acabava ferindo-a.

— Que caixa é essa? Está escondendo algo que ganhou? — Mike o primo perguntou.

— N-Não. — o pânico se instalou em seu coração.

Eles eram tão malvados e poderiam fazer todo tipo de maldade com seus animaizinhos.

— Então mostre o que tem na caixa! — Mara incitou.

— Não é nada. Isso é apenas algo que eu achei na rua. — deu alguns passos para trás cheia de medo.

— Me dê isso! Eu quero ver! — o primo mais velho, Marcos tomou a caixa das mãos frágeis dela.

— Me devolve Marcos! Isso é meu! — pela primeira vez se alterou um pouco. Não era qualquer coisa que estavam tomando dela e sim os gatinhos lindos que ela já havia pego tanto afeto.

— Não grite com meu filho! — Martha entrou na frente do garoto enjoado e deu uma bofetada no rosto de Lia.

— Para! O que eu fiz para vocês? Por que me odeiam tanto?! — questionou chorando.

— Luzia roubou o meu marido, o pai dos meus filhos! Ele amava ela, coisa que nunca sentiu por mim, teve você, uma garota nojenta e mimada que teve tudo enquanto meus filhos não tinham nada! — com a mão ainda no rosto ela olhou nos olhos da tia e sentiu-se tonta com tamanho ódio despejado em cima dela.

— Eu não fazia ideia. Eu não tenho culpa de nada disso. Eu ao menos sei quem é o meu pai. — se pronunciou em meio aos prantos.

— Mathias é o seu pai. Mas ele se foi quando cansou de você e de sua mãezinha, da mesma forma que fez comigo! — revelou causando um impacto negativo na alma da garota.

— E-Então eu sou irmã de vocês? — olhou para os primos todos com ódio no coração, plantados pela mãe todos aqueles anos.

Descobriu da pior forma quem era seu pai e a família podre que infelizmente fazia parte.

— Pode ser no sangue do safado do nosso pai, mas nunca consideraremos você! Nunca! — Mara gritou.

— Gente, pelo amor de Deus, eu não sabia de nada disso. Eu não sou a culpada, não pedi para nascer nem para ser filha do Mathias. — estava desesperada.

— Você deveria ter morrido junto com a vadia da sua mãe! — Maik estrondou.

Doeu, Maik, doeu.

— Não fala assim da minha mãe!

— Sabe como eu torcia para você ser estuprada e morta no meio da rua enquanto pedia esmolas para nós? — Marcos revelou e do coração de Lia foi arrancando mais um pedaço.

— Sua vida miserável não vale de nada! Você tem que morrer Lia Hamilton, morrer! Ninguém te quer aqui na terra, suma de uma vez, você não se enxerga que não é bem vinda aqui? — Mara mais uma vez.

E se foi mais um pedaço do coração puro da garota.

— Nós te odiamos! Te odiamos! — Martha bradou junto com os filhos e o eco continuou ressoando em seus ouvidos.

Era como um demônio sussurrado em seus ouvidos: ninguém te ama, se você morrer, ninguém sentirá sua falta. Você é um estorvo, não serve para nada, você é um erro. Morre Lia.

A moça começou a dar passos para trás tentando fugir o máximo possível de todos aqueles pensamentos, estava destruída por dentro, lágrimas transbordavam de seus olhos, sua alma era toda dor. Ela se pôs a correr, correu e correu sem pensar em nada, tinha apenas a caixa nas mãos e corria até não conseguir mais respirar.

Devem ter passado-se quase trinta minutos quando ela parou sem conseguir respirar e se jogou no chão gramado de alguma casa. Fechou os olhos tentando recuperar o fôlego, olhando para cima viu que estava em frente a um abrigo de animais, era isso.

O destino dos seus bichinhos.

Iria deixar os gatinhos lá, não havia condições de criá-los e nem sabia o rumo que sua vida insignificante tomaria a partir daquele momento, então com dor no coração, ela se despediu e os deixou dentro da caixa frente ao portão. Lá eles teriam os cuidados necessários e quem sabe alguém logo os adotasse.

Rua. Olhou em volta e era agora uma moradora de rua, nem com toda sua bondade não tinha coragem de morar com sua tia novamente, eles já deixaram claro que a odiavam, não poderia suportar mais uma palavra se quer daquele tipo ou seria capaz de tirar a própria vida.

Lia tentava a todo momento não pensar muito sobre as palavras de sua tia e primos, estava doendo demais, precisava não pensar naquilo que era tão amargo sentir. Andou mais um pouco para longe e acabou parando perto da grande praia um pouco longe do centro da cidade.

Pensou que se entrasse no mar e deixasse as ondas levarem-na, seria um favor para o mundo. Mas tinha medo da morte também, acabou sentando-se numa pedra sozinha não evitando desabar mais uma vez, as lágrimas haviam secado, mas o choro não. Minutos depois Lia começou a sentir frio, abraçou o próprio corpo e foi para longe do mar, parando na calçada se preparou para atravessar a rua.

Sua visão ficou embaçada de repente, não havia comido nada durante o dia e também passou por fortíssimas emoções, encostou em um poste e contou até três, só precisava atravessar rápido. E foi isso que ela fez, quando se sentiu um pouco melhor, começou a andar para atravessar a rua chegando ao outro lado onde procurou algum lugar para repousar a cabeça.

Não encontrou.

Assim foram durante três dias, a jovem sozinha, frágil e triste vagou pelas ruas da cidade sem rumo com turbilhões de coisas repassando em sua cabeça, inclusive a humilhação que passou nas mãos de Martha e seus filhos. Olhares maliciosos de homens nojentos, de nojo também de outras – muitas – pessoas, a fome, o frio e a desesperança.

Foi então quando chegou a conclusão de que de nada valia sua vida e não estava fazendo nada mais do que sofrer no planeta terra. Era noite e Lia não sabia bem onde estava, sentia-se fraca, desnorteada. Com a alma vazia ela andou até uma avenida movimentada, dando seu último suspiro a garota entrou na frente dos carro.

No fundo ela não queria morrer. Mas foi covarde o suficiente para desistir, não aguentava mais. E num último segundo pensou em voltar atrás, só que não era mais possível quando uma tontura severa tomou conta do seu organismo. Não comia e não bebia a dias, era até forte demais por estar suportando pensar em alguma coisa.

E outra vez o acaso, quem sabe destino, uniu duas almas vazias e cheias de desilusões. Quando o carro que não vinha em muita velocidade bateu no pequeno corpo jogando-o no chão, Lázzaro desesperou-se, tentou parar a tempo embora tenha sido em vão. Descendo do carro ele olhou por alguns segundos aquele rosto agora com leves machucados e imediatamente reconheceu, era Lia Hamilton novamente em seu caminho.

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