Não há heróis quando a pena que escreve o conto está nas mãos de um vilão. Na visão dos impiedosos, todos ao seu redor refletem apenas sombras e fraquezas semelhantes. Para Cassian Thorn, a percepção da natureza do seu irmão Lucian era como um amargo que jamais dissipava; ele sabia, desde muito cedo, que entre ambos, o vínculo de sangue sempre foi permeado por desconfiança e rivalidade. Lucian era um furacão, uma tempestade que devastava tudo ao redor, movido por impulsos destrutivos e paixões violentas. Já Cassian era uma primavera rara, delicada e cheia de vida, uma brisa suave em meio ao caos da família Thorn. Tão diferente era ele que, por anos, os que conheciam sua mãe Evangeline se perguntaram, em segredo, se aquele rapaz doce e genuíno realmente trazia o mesmo sangue frio dos Thorn nas veias. Contudo, Cassian nunca se deixou abater por murmúrios alheios; ele sabia quem era. Trazia o sangue da linhagem, mas um coração que resplandecia em bondade. Amava o irmão, sim, com um
Selene Halloway estava noiva de Cassian Thorn — ou apenas Cas, como ela carinhosamente o apelidara durante a adolescência, quando a paixão intensa e cheia de rebeldia os consumiu. Ambos tinham a mesma idade: vinte e cinco anos, com a pequena diferença de que Cassian era cinco meses mais velho. Selene tinha cabelos negros e uma pele bronzeada que contrastava perfeitamente com seus olhos azul-claros, um detalhe que sempre encantou Cassian desde o dia em que a viu pela primeira vez. Ele se lembrava nitidamente desse momento, a primeira vez que seus olhos verdes se encontraram com os dela no grande hall da Partenon High School. Naquela época, Selene era baixa, com os cabelos cortados pouco abaixo do pescoço, pele clara e uma timidez que a tornava alvo das piadas cruéis dos estudantes mais influentes. Tinha acabado de se mudar para Flerks, uma cidade importante, habitada por uma mistura de americanos e alemães. Selene, americana de nascença, destacava-se das outras garotas de um jeito
Já era noite. Selene Holloway estava sentada à beira da cama, os olhos fixos no nada enquanto o peso da culpa a sufocava. Seus cabelos negros ainda úmidos escorriam pelos ombros, contrastando com a pele nua e fria. As pernas estavam estendidas, os pés tocando o chão, mas sua mente vagava longe. Cada pensamento era uma punição, uma batalha silenciosa entre o que ela deveria ser e o que estava se tornando. Ela suspirou, os lábios pressionados numa linha fina de hesitação. Sabia que, brevemente, Cassian entraria pela porta, exausto do trabalho, buscando nela o conforto de sempre — conforto que, ironicamente, agora era uma ilusão. E com ele, toda a pressão, toda a falsa normalidade de um relacionamento que havia se quebrado em pedaços invisíveis, mas que ainda pendiam por um fio. Ela fechou os olhos, tentando silenciar a mente que a maltratava. Lucian. Seu nome ecoava como um veneno doce. Era como se a presença dele, mesmo ausente, estivesse ali, impregnando o quarto com lembranças q
Um certo dia, não mais tão vago na memória corrompida de Selene Holloway, sua mãe, Tris, lhe dissera: “Quando tocamos o céu, sentimos nele toda a necessidade e a prudência e nos sujeitamos, lentamente, ao que pode ser considerado bom. Porém, quando é ao contrário, quando tocamos, sem querer, as sombras, parte de nós vai embora. O medo passa a nos sufocar e, sem querer, nos destrói." Tris Holloway estava, digamos, certa, mas quando nossos dedos percorrem um corpo amaldiçoado, quando nosso coração bate para o mal, nada mais importa. Na verdade, a densidade da sombra é o toque, e tudo que o envolve. Depois que Cassian, seu noivo, saiu para o trabalho, Selene se dissolveu das roupas e encheu a banheira. Afundou-se nela, deixando que a água morna envolvesse seu corpo tenso, vagando pelos seus pensamentos fragmentados. Os olhos estavam avermelhados, uma mistura de noites mal dormidas e a dor inconfessável que carregava dentro de si. O corpo protestava, cada músculo parecia gritar, mas
Selene estava sentada à beira da cama, o tecido macio do lençol roçando contra suas coxas nuas, mas sua mente estava distante, perdida em uma encruzilhada que ela não sabia como cruzar. Cassian estava no banheiro, cantando baixinho, a despreocupação juvenil tão evidente em cada nota que ele emitia. Ele era o homem que todos diziam ser perfeito para ela — belo, doce, e acima de tudo, apaixonado. Mas, naquela quietude, Selene sentiu um vazio estranho. Um sentimento obscuro, uma sombra que crescia, se espalhava pelas suas entranhas e tomava forma de algo que não conseguia nomear, mas que queimava com o calor da culpa. Ela o amava, claro que amava. Mas havia algo de incompleto, algo que Cassian, em sua pureza, jamais poderia oferecer. Ele a adorava como se ela fosse uma joia rara, e, ironicamente, esse tipo de devoção começou a sufocá-la. Ela não queria ser uma joia. Queria sentir-se carne, calor, desejo... E foi Lucian que a fez sentir assim, logo que ela o conheceu. Ele era o opost
O jantar correu com a mesma velocidade exorbitante que Lucian Thorn passou a ditar. De comida, Lucian mandou preparar um Filet Mignon ao Molho de Trufas Negras com Purê de Batatas e Aspargos Grelhados, algo que tanto Cassian quanto Selene saborearam com prazer, ainda mais com um bom Château Margaux 2009. Mesmo que a morena tenha ficado em silêncio a maior parte do jantar, o sabor da refeição não passou despercebido. Cada garfada, cada gole do vinho, eram tentativas desesperadas de se prender à realidade, de não deixar sua mente vagar para os olhares que Lucian lançava a ela. Ela tentou focar apenas na comida, evitando os assuntos entre os dois irmãos, tentando ignorar o jeito como a conversa parecia girar ao seu redor, mesmo sem ela participar. Cassian estava animado, envolvido nas falas de Lucian, sem perceber as pequenas faíscas de tensão entre seu irmão e sua noiva. Após o jantar, Lucian os conduziu até a sala de estar, onde disse que pegaria um ótimo e forte uísque para
Ao tocar novamente a escuridão, é quase certo que escapar de um destino cruel se torna uma tarefa árdua. Selene Holloway, com toda a sua angústia, conhecia essa dura verdade. Cada vez que seus dedos percorriam os músculos daquele corpo, do corpo de Lucian, seu cunhado, sentia o gosto amargo de que o fim estava próximo. Mas a pergunta que pairava em sua mente era clara e cortante: quando tudo isso acabar, o que restará de mim? Talvez apenas a infame lembrança de que tudo havia falhado. A situação era uma equação difícil, que demandava cálculos precisos. Mas Selene nunca foi boa em matemática. Preferia disciplinas que envolviam o pensamento crítico, mesmo que isso também não a tivesse protegido da filosofia sombria de Lucian Thorn. Ela não o amava. Seu coração pertencia inteiramente a Cassian Thorn, o irmão mais novo. Para Lucian, restou o fogo ardente, a faísca que se acendia quando sua pele tocava a dela. O prazer que Lucian extraía não era exatamente o que ele proporcionava a S
O ser humano é, por natureza, um enigma duplo. Ele manipula com a mesma facilidade com que se deixa manipular, flutuando entre o papel de marionete e o de mestre das cordas. Não há beleza na sinceridade de suas intenções, nem pureza nos gestos que ele chama de afeto. O prazer, para esse ser tão desconcertante, não é apenas o objetivo, mas a desculpa para a degeneração e a queda. E ninguém entende isso tão bem quanto Lucian Thorn. Para ele, a manipulação é uma arte que exige sutileza, uma dança cruel onde as máscaras caem, e o prazer não reside apenas no controle, mas na queda do outro. Lucian, nascido sob a sombra de um nome poderoso, foi forjado no fogo da tragédia e na perversidade do desejo. Desde cedo, aprendeu que a dor é uma moeda, uma ferramenta que, nas mãos certas, pode comprar qualquer alma. Quando o corpo do pai foi engolido pela estrada, e sua mãe Evangeline se perdeu nos braços do vício, Lucian viu o mundo se despedaçar — mas ele não chorou. Ele aprendeu. Descobriu,