Um certo dia, não mais tão vago na memória corrompida de Selene Holloway, sua mãe, Tris, lhe dissera: “Quando tocamos o céu, sentimos nele toda a necessidade e a prudência e nos sujeitamos, lentamente, ao que pode ser considerado bom. Porém, quando é ao contrário, quando tocamos, sem querer, as sombras, parte de nós vai embora. O medo passa a nos sufocar e, sem querer, nos destrói." Tris Holloway estava, digamos, certa, mas quando nossos dedos percorrem um corpo amaldiçoado, quando nosso coração b**e para o mal, nada mais importa. Na verdade, a densidade da sombra é o toque, e tudo que o envolve.
Depois que Cassian, seu noivo, saiu para o trabalho, Selene se dissolveu das roupas e encheu a banheira. Afundou-se nela, deixando que a água morna envolvesse seu corpo tenso, vagando pelos seus pensamentos fragmentados. Os olhos estavam avermelhados, uma mistura de noites mal dormidas e a dor inconfessável que carregava dentro de si. O corpo protestava, cada músculo parecia gritar, mas era sua mente que a torturava incessantemente. Havia um borrão em tudo, como se o que antes era tão sólido agora escorresse pelos seus dedos, escapando-lhe. Ela fechou os olhos, e o rosto de Lucian surgia nas sombras. O coração dela batia mais rápido. Cassian, o homem que ela jurava amar, estava cada vez mais distante na névoa da sua culpa, enquanto o toque proibido de Lucian, marcado por uma intensidade sombria, a puxava mais para o fundo. Cada memória da última vez em que esteve com ele queimava em sua mente. Ela sabia que, se continuasse nesse caminho, sua alma se perderia completamente.
Um grito silencioso ecoou em seu peito, mas nenhum som saiu. Selene afundou-se mais na água, deixando-a cobrir seus ouvidos, abafando o som do mundo exterior, como se assim pudesse silenciar a tempestade que rugia dentro dela. Mas as memórias vinham implacáveis, arrastando-a para a escuridão que sua mente tanto temia. O toque de Lucian, sempre frio, mas ao mesmo tempo arrebatador, voltava em flashes, como uma faca que perfurava a sua sanidade. O cheiro dele, a textura de sua pele, o sussurro rouco de suas palavras sedutoras — tudo estava gravado em sua carne, e por mais que tentasse, ela não conseguia apagar.
Havia algo em Lucian que despertava o pior nela. Ele personificava a própria decadência, o prazer nascido do sofrimento. Quando estava com ele, cada toque a fazia sentir-se viva e morta ao mesmo tempo. Era como se estivesse presa em uma corda bamba entre o êxtase e a destruição. No fundo, ela sabia que ele a estava moldando, destruindo sua essência, mas, ao mesmo tempo, isso a fazia se sentir mais intensamente do que jamais sentira com Cassian. O amor de Cassian era doce, constante, mas o que Lucian lhe oferecia era visceral, irracional, uma chama que queimava tudo que tocava.
“Você está se perdendo” ecoava a voz de Tris em sua mente. Sua mãe sempre avisara sobre os perigos das sombras, mas Selene não havia escutado. Agora, era tarde demais. Lucian havia feito com que ela experimentasse algo que nunca soubera existir, um mundo de sombras onde prazer e culpa andavam de mãos dadas, onde a moralidade não passava de um conceito frágil, facilmente quebrado.
Ela tocou os próprios lábios, lembrando-se de como eles haviam tremido sob o beijo de Lucian. Cada vez que estava com ele, ela sentia como se algo dentro dela estivesse sendo arrancado. Não era apenas um prazer físico; era uma forma de destruição que ela secretamente ansiava. Cada encontro a levava mais fundo para um abismo sem fim, onde cada passo era mais escuro que o anterior. A culpa, porém, era constante, como um peso invisível que a esmagava a cada momento em que pensava em Cassian. Ele era o símbolo de tudo que deveria ser bom em sua vida — estabilidade, carinho, segurança. Mas em comparação com Lucian, a segurança de Cassian era sufocante, sua bondade irritante, e sua ignorância, cruel. Ela amava Cassian, ou ao menos acreditava nisso, mas ao mesmo tempo odiava o que esse amor a fazia sentir. Odiava que ele não fosse suficiente para impedir sua queda.
— Eu não sou a mesma pessoa — ela sussurrou para si mesma, seus lábios mal se movendo sob a água. — Não posso voltar atrás.
Lucian a havia corrompido, não de forma evidente, mas aos poucos, como uma doença que se instala silenciosamente e toma conta. Agora, cada toque de Cassian era um lembrete da traição, uma cicatriz invisível que ela carregava. E, por mais que tentasse, sabia que não poderia manter essa farsa por muito mais tempo. Seu segredo estava começando a apodrecer dentro dela, e a qualquer momento poderia transbordar, arruinando tudo. Ela abriu os olhos e encarou o teto, tentando respirar fundo, mas o ar parecia pesado, carregado de culpa e desejo. A cada respiração, a sensação de estar afundando mais no abismo ficava mais forte. E Lucian… ele estava sempre lá, à espreita, pronto para puxá-la ainda mais fundo, com aquele sorriso diabólico que fazia seu corpo tremer. Selene sabia que estava à beira de perder tudo, mas não conseguia parar.
Selene Holloway estava impecável, vestida com um deslumbrante vestido vermelho de cetim que delineava cada curva de seu corpo de forma provocante. O tecido brilhava sob a luz suave do abajur, como se refletisse a inquietação que corria por suas veias. A maquiagem, perfeitamente aplicada, destacava sua pele bronzeada e seus olhos escuros, que agora pareciam guardar segredos profundos demais para serem ditos. O batom vermelho, tão vibrante quanto o vestido, contrastava com o ar de pureza que ela costumava exalar, mas por dentro, sentia-se tão suja quanto os atos que cometera.
Era noite, e a casa estava silenciosa, exceto pelo suave som dos passos de Cassian, que acabara de chegar do trabalho. Ela podia ouvi-lo se aproximar. Mesmo sem vê-lo, o peso da culpa já começava a sufocá-la. O espelho à sua frente refletia uma mulher linda, mas descomposta internamente. Por trás da perfeição, havia um coração corroído por desejos proibidos e a consciência de que sua alma estava em ruínas.
Cassian entrou no quarto, e por um momento, o ar entre eles pareceu congelar. Seus olhos imediatamente caíram sobre ela. Ele sorriu, encantado pela visão da mulher que amava, sem suspeitar do turbilhão de pecado que ela carregava no peito. Lentamente, aproximou-se, seus passos suaves, como se temesse quebrar o encanto da cena. Cassian, sempre gentil, envolveu os braços ao redor dela por trás, puxando-a para mais perto de seu corpo firme. Selene, ainda olhando para o reflexo no espelho, sentiu o calor de suas mãos descansarem em sua cintura.
— Você está deslumbrante — ele sussurrou em seu ouvido antes de deixar um beijo suave no topo de sua cabeça. A voz dele era carregada de carinho, e a sinceridade por trás das palavras fazia com que o nó de culpa no estômago de Selene se apertasse ainda mais. — Como sempre, a mulher mais linda que já vi.
Ela fechou os olhos ao sentir os lábios dele deslizando suavemente pelo pescoço, mas ao invés de prazer, tudo o que sentia era o peso esmagador da impureza. As mãos de Cassian, tão gentis, pareciam queimar sua pele, como se pudessem perceber a mancha invisível que ela carregava. A cada elogio, a cada gesto de amor, Selene mergulhava mais fundo em seu tormento, sabendo que ele não tinha ideia do monstro que ela havia se tornado. Ela engoliu em seco, forçando um sorriso no espelho, mas o reflexo de seus próprios olhos a denunciava. Não havia mais como escapar da verdade, mesmo envolta naquele vestido luxuoso, naquela maquiagem perfeita. Por fora, era uma deusa; por dentro, uma mulher quebrada, devorada por suas próprias escolhas. Cassian, tão inocente e cego, não sabia que estava beijando uma mulher que, por mais que amasse, havia se perdido para outro homem. E esse homem não passava de seu próprio irmão, Lucian.
— Você está bem? — ele perguntou, a voz carregada de preocupação, ainda sem soltar o abraço. Selene assentiu levemente, sem se atrever a olhar diretamente para ele.
— Sim — ela mentiu, a voz falhando, quase inaudível.
Cassian Thorn era a imagem da perfeição. Sua pele clara contrastava com a jaqueta preta de couro, que parecia abraçar seus ombros largos de forma impecável. O olhar dele, profundo e intenso, escondia um mistério que Selene não conseguia decifrar, mesmo após tantos anos juntos. Seus cabelos loiros, sempre alinhados, conferiam-lhe uma aparência quase única, algo que o distanciava do comum. Os olhos azuis, penetrantes como lâminas, observavam o mundo com uma mistura de frieza e charme, uma combinação que sempre a deixava dividida entre adoração e medo. Ele era lindo, inegavelmente, mas havia algo nele que parecia intocável, algo que ela nunca conseguiria alcançar.
Selene caminhava ao lado de Cassian, de mãos dadas, mas seu coração estava disparado, suas pernas quase trêmulas. Eles estavam chegando à mansão de Lucian, o irmão mais velho de Cassian, e uma sensação de ansiedade tomava conta dela, como se cada passo que dava a aproximasse de um abismo sem fundo. O frio da noite era amenizado pelo toque quente das mãos de Cassian, mas, mesmo assim, ela não conseguia se livrar daquela sensação sufocante de que algo estava prestes a acontecer.
Ela se sentia fora de lugar, desconfortável dentro de seu próprio corpo. O vestido vermelho que vestia parecia estar apertado demais, sufocante, como se o tecido se enroscasse em sua pele, não a deixando respirar. O ar estava pesado ao seu redor, cada respiração mais difícil que a anterior, e seu estômago se retorcia, gerando uma sensação de náusea que ela tentava controlar a qualquer custo. O portão da mansão de Lucian estava à vista, e, ao vê-lo, Selene apertou a mão de Cassian com força, em busca de um conforto que, no fundo, sabia que ele não poderia oferecer. O nervosismo irradiava de seu corpo, quase palpável, mas Cassian parecia não perceber. Ele andava ao lado dela com uma confiança inabalável, seu rosto impassível, como se fosse o dono do mundo que pisava.
Cassian virou-se para ela com um sorriso tranquilizador, completamente alheio ao caos que se passava dentro dela.
— Está tudo bem, amor? — Ele perguntou, a voz macia, tentando dissipar as nuvens de preocupação no rosto de Selene.
Ela apenas acenou com a cabeça, incapaz de formar palavras. O pavor se acumulava dentro dela, uma maré crescente que ameaçava engoli-la por completo assim que atravessassem os portões de Lucian.
Lucian Thorn abriu a porta com uma tranquilidade que beirava o perturbador. Ele se apoiou no batente, um sorriso enigmático desenhado em seus lábios, mas seus olhos — frios, calculistas, como gelo prestes a queimar — eram a verdadeira arma. Vestido impecavelmente em um terno negro, cada linha de seu corpo parecia esculpida pela escuridão. O tecido da roupa se ajustava perfeitamente aos seus músculos, como se a própria noite o envolvesse. O cabelo escuro e perfeitamente penteado brilhava sob a luz suave da entrada, dando-lhe um ar de uma autoridade inquestionável. Havia uma presença em Lucian que, mesmo sem esforço, dominava a sala antes mesmo de qualquer palavra ser dita.
Seus olhos primeiro pousaram em Cassian, seu irmão mais novo, mas foi apenas um olhar breve. O suficiente para esboçar um sorriso que parecia mais um jogo do que qualquer expressão verdadeira de afeto. O abraço entre eles foi breve e seco, a mão de Lucian repousando nas costas de Cassian por apenas um segundo, mais uma formalidade do que um gesto de carinho. Mas quando os olhos de Lucian deslizaram para Selene, a sala pareceu mudar de temperatura. Ele a observou com uma intensidade sufocante, o olhar varrendo-a dos pés à cabeça como se a estivesse avaliando, decifrando cada fração de seus pensamentos. Selene sentiu um calafrio percorrer sua espinha, seus nervos à flor da pele. A forma como ele a olhava era como se ele soubesse, como se já tivesse conhecimento de todos os seus segredos. Seus olhos não deixavam espaço para fuga, como se ele a tivesse prendido com o olhar, uma presa sob o domínio do predador.
Lucian inclinou-se, devagar, com uma lentidão estudada, e beijou o rosto de Selene de forma quase cerimonial. O contato era breve, mas carregado de algo mais profundo, como se ele estivesse cravando sua presença nela, deixando uma marca invisível que queimava.
— O que aconteceu com a minha linda cunhada? — Ele murmurou suavemente, quase num sussurro.
Sua voz era baixa, cheia de charme e perigo. Ele sorria, mas seus olhos continuavam frios, controladores. Selene mal conseguia responder, seu corpo enrijecido sob a presença dele, enquanto Cassian permanecia alheio, distraído pelo hábito de sempre confiar em Lucian. Ele não sabia o quanto a presença do irmão devorava lentamente a sanidade de Selene, ou talvez simplesmente não quisesse perceber.
Lucian recuou um passo, a postura ereta, tão confiante que o chão sob ele parecia se curvar em submissão. Ele era o diabo em forma masculina — uma mistura venenosa de poder e persuasão, controle absoluto e um charme maligno. O sorriso que mantinha nos lábios era maldito, uma armadilha para todos que ousassem se aproximar demais.
A mansão de Lucian ficava escondida entre as árvores altas de uma floresta, como se estivesse intencionalmente isolada do resto do mundo, estando a pouco mais de vinte minutos do centro de Flerks. A fachada de pedra robusta dava ao lugar um ar de antiguidade, como uma fortaleza perdida no tempo. As luzes douradas que emanavam das grandes janelas refletiam calor, mas havia uma frieza inerente na atmosfera, algo que nem mesmo as chamas tremeluzentes do fogo externo poderiam dissipar. O crepitar do fogo no círculo de cadeiras dispostas ao redor evocava um convite, uma promessa de conforto que escondia intenções mais profundas.
Lucian, sempre o anfitrião calculista, caminhava ao lado de Selene e Cassian, sua postura ereta e passos suaves sobre as pedras cuidadosamente posicionadas ao redor da propriedade. — Aqui — ele disse, gesticulando com um movimento leve de mão, — é onde costumo passar minhas noites. A tranquilidade aqui é insubstituível, Cassian. Por que não vem morar comigo? A casa é grande, o suficiente para nós três.
Selene Holloway engoliu em seco enquanto seu noivo abriu um sorriso, como se pensasse na proposta.
Ele guiou os dois através de um caminho que descia suavemente, chegando à entrada principal. Portas de madeira maciça se erguiam à frente deles, abrindo-se com um toque sutil de Lucian, revelando o interior da mansão. A sala de estar era ampla, com móveis de couro preto e detalhes em madeira escura, exalando poder e riqueza sem jamais cruzar a linha da ostentação. Obras de arte abstrata pendiam das paredes, mas eram os pequenos detalhes — as sombras nos cantos, a luz suave e indireta — que faziam Selene se sentir como se estivesse sendo observada, sempre à beira de ser devorada por algo invisível.
— O andar de cima — Lucian continuou, sem se deter por muito tempo em qualquer cômodo, — tem quartos para todos, caso decidam passar a noite — ele virou a cabeça em direção a Selene, seus olhos sempre analisando, como se tentasse desvendar os segredos que ela guardava. — Ou talvez para outras ocasiões.
O ar na casa parecia mais denso à medida que avançavam. A cozinha, com balcões de mármore e aço escovado, era um contraste frio com o calor externo. Selene notou como Lucian se movia pelo espaço com naturalidade, um rei no seu castelo de gelo.
— E aqui — ele disse, parando diante de uma parede de vidro que dava para uma varanda, — é onde gosto de apreciar o entardecer. — Do lado de fora, as luzes da fogueira ainda crepitavam, refletindo sombras nos troncos das árvores.
Cada canto da mansão parecia cuidadosamente planejado, não apenas para impressionar, mas para sufocar. Para garantir que aqueles que cruzavam seus umbrais nunca mais se sentissem completamente livres. Selene sentia um nó crescente em seu estômago, a ansiedade pulsando sob sua pele. As paredes da casa, embora amplas e sofisticadas, pareciam se fechar ao redor dela, cada nova sala trazendo uma sensação crescente de aprisionamento. Lucian, com seu sorriso fácil e olhar penetrante, era o mestre desse labirinto.
Cassian, por outro lado, não percebia o desconforto da noiva. Ele admirava a mansão com olhos curiosos, mas sem profundidade. Lucian, claro, notou.
— O que acha, irmão? — perguntou, dando-lhe um sorriso polido.
Cassian sorriu de volta.
— Impressionante, como sempre, Lucian.
— Ah, eu me esforço — Lucian respondeu, com um olhar que escondia mais do que revelava. — Mas, por favor, façam desta casa sua também. Há tanto para descobrir aqui.
A sala de estar era um reflexo de tudo o que Lucian representava: controle, poder e uma frieza impenetrável. As janelas de vidro iam do chão ao teto, deixando a vista das montanhas desoladas se misturar com a escuridão dos móveis de couro preto, que exalavam uma elegância austera. O chão de madeira escura ecoava seus passos, cada som quase sufocado pelo ambiente vasto, como se a própria sala absorvesse toda a vida e calor que tentasse penetrar ali. A luz, difusa e suave, tornava a atmosfera mais pesada, como se pairasse uma tensão invisível no ar.
Lucian entrou primeiro, seus movimentos fluidos, quase felinos, enquanto caminhava até a poltrona de couro mais próxima. Sentou-se com a calma de quem está no controle absoluto, os dedos longos e tatuados repousando sobre os braços da cadeira, cada gesto calculado. Ele inclinou o corpo para trás, a postura relaxada, mas o olhar era afiado, observando cada detalhe da presença de Selene e Cassian.
— Façam como se estivessem em casa — ele disse, a voz carregada de um cinismo que Selene não pôde deixar de sentir na pele. Seus olhos se fixaram nela por um momento, com a mesma intensidade que usava para estudar qualquer pessoa que entrasse em seu território.
Ele fez um gesto preguiçoso com a mão, indicando o sofá oposto, um convite que soava mais como uma ordem velada. Cassian, sempre o mais leve e despreocupado dos dois, aceitou com um sorriso, puxando Selene pela mão para sentar-se ao seu lado. No entanto, a tensão no corpo dela era palpável, como se o próprio ar ao redor de Lucian fosse denso demais para respirar livremente.
— Espero que gostem do lugar. Eu cuido pessoalmente de cada detalhe — ele continuou, o tom casual, mas com aquela ponta de veneno disfarçada.
Lucian tinha o dom de fazer tudo parecer uma armadilha elegante, um jogo que apenas ele sabia as regras.
Selene desviou o olhar para a vista das montanhas através das janelas, sentindo-se pequena naquele espaço vasto e dominador. O ambiente era imponente, mas nada se comparava ao peso da presença de Lucian, que, com seu sorriso perverso, parecia absorver qualquer segurança que ela pudesse ter tentado reunir.
Selene estava sentada à beira da cama, o tecido macio do lençol roçando contra suas coxas nuas, mas sua mente estava distante, perdida em uma encruzilhada que ela não sabia como cruzar. Cassian estava no banheiro, cantando baixinho, a despreocupação juvenil tão evidente em cada nota que ele emitia. Ele era o homem que todos diziam ser perfeito para ela — belo, doce, e acima de tudo, apaixonado. Mas, naquela quietude, Selene sentiu um vazio estranho. Um sentimento obscuro, uma sombra que crescia, se espalhava pelas suas entranhas e tomava forma de algo que não conseguia nomear, mas que queimava com o calor da culpa. Ela o amava, claro que amava. Mas havia algo de incompleto, algo que Cassian, em sua pureza, jamais poderia oferecer. Ele a adorava como se ela fosse uma joia rara, e, ironicamente, esse tipo de devoção começou a sufocá-la. Ela não queria ser uma joia. Queria sentir-se carne, calor, desejo... E foi Lucian que a fez sentir assim, logo que ela o conheceu. Ele era o opost
O jantar correu com a mesma velocidade exorbitante que Lucian Thorn passou a ditar. De comida, Lucian mandou preparar um Filet Mignon ao Molho de Trufas Negras com Purê de Batatas e Aspargos Grelhados, algo que tanto Cassian quanto Selene saborearam com prazer, ainda mais com um bom Château Margaux 2009. Mesmo que a morena tenha ficado em silêncio a maior parte do jantar, o sabor da refeição não passou despercebido. Cada garfada, cada gole do vinho, eram tentativas desesperadas de se prender à realidade, de não deixar sua mente vagar para os olhares que Lucian lançava a ela. Ela tentou focar apenas na comida, evitando os assuntos entre os dois irmãos, tentando ignorar o jeito como a conversa parecia girar ao seu redor, mesmo sem ela participar. Cassian estava animado, envolvido nas falas de Lucian, sem perceber as pequenas faíscas de tensão entre seu irmão e sua noiva. Após o jantar, Lucian os conduziu até a sala de estar, onde disse que pegaria um ótimo e forte uísque para
Ao tocar novamente a escuridão, é quase certo que escapar de um destino cruel se torna uma tarefa árdua. Selene Holloway, com toda a sua angústia, conhecia essa dura verdade. Cada vez que seus dedos percorriam os músculos daquele corpo, do corpo de Lucian, seu cunhado, sentia o gosto amargo de que o fim estava próximo. Mas a pergunta que pairava em sua mente era clara e cortante: quando tudo isso acabar, o que restará de mim? Talvez apenas a infame lembrança de que tudo havia falhado. A situação era uma equação difícil, que demandava cálculos precisos. Mas Selene nunca foi boa em matemática. Preferia disciplinas que envolviam o pensamento crítico, mesmo que isso também não a tivesse protegido da filosofia sombria de Lucian Thorn. Ela não o amava. Seu coração pertencia inteiramente a Cassian Thorn, o irmão mais novo. Para Lucian, restou o fogo ardente, a faísca que se acendia quando sua pele tocava a dela. O prazer que Lucian extraía não era exatamente o que ele proporcionava a S
O ser humano é, por natureza, um enigma duplo. Ele manipula com a mesma facilidade com que se deixa manipular, flutuando entre o papel de marionete e o de mestre das cordas. Não há beleza na sinceridade de suas intenções, nem pureza nos gestos que ele chama de afeto. O prazer, para esse ser tão desconcertante, não é apenas o objetivo, mas a desculpa para a degeneração e a queda. E ninguém entende isso tão bem quanto Lucian Thorn. Para ele, a manipulação é uma arte que exige sutileza, uma dança cruel onde as máscaras caem, e o prazer não reside apenas no controle, mas na queda do outro. Lucian, nascido sob a sombra de um nome poderoso, foi forjado no fogo da tragédia e na perversidade do desejo. Desde cedo, aprendeu que a dor é uma moeda, uma ferramenta que, nas mãos certas, pode comprar qualquer alma. Quando o corpo do pai foi engolido pela estrada, e sua mãe Evangeline se perdeu nos braços do vício, Lucian viu o mundo se despedaçar — mas ele não chorou. Ele aprendeu. Descobriu,
Quando a semente da dúvida é plantada numa mente perturbada como a de Cassian Thorn, ela não apenas cresce, mas se enraíza nas profundezas de sua alma, sufocando-o de dentro para fora. Enquanto a água quente deslizava por sua pele no banho, Cassian sentia o calor tentando aliviar seu corpo tenso, mas sua mente estava fria, congelada pelo veneno das palavras de Lucian. As mentiras que seu irmão despejara, habilmente disfarçadas de preocupação, envenenavam cada pensamento, como se fossem serpentes sussurrando em seus ouvidos. A imagem de Selene, outrora perfeita, agora distorcia-se em sua cabeça, um retrato quebrado e agora sem utilidade. Será que ela realmente o amava? Ou estaria nos braços de outro, enquanto ele, como um tolo, acreditava em suas juras de lealdade? As dúvidas surgiam como fantasmas no vapor do banheiro, assombrando-o. Lucian havia insinuado, com a sutileza de uma víbora, que a traição estava à espreita. "Enquanto você está aqui, chorando por ela, outro pode esta
O medo, que antes parecia pulsar sob sua pele, dissipou-se como vidro estilhaçado, fragmentado em milhares de pedaços, sem deixar espaço para retorno. Selene não era mais apenas sua noiva; naquele instante, ela era uma mulher determinada a provar seu amor por Cassian Thorn. Ela não precisava de palavras, apenas estendeu a mão em sua direção, os dedos delicados mas firmes. Sem hesitar, ele a seguiu, como se aquela dança entre eles fosse inevitável, algo que ambos precisavam. Ela o guiou de volta ao quarto, um espaço que, para Cassian, era como uma prisão durante a noite, cercado por paredes que pareciam se fechar ao redor de seus pensamentos. Ao entrar, sentiu o peso sufocante daquele ambiente apertar novamente seu peito. Mas agora, havia algo diferente. O toque de Selene, a firmeza com que o fez sentar-se sobre a cama, era uma tentativa de quebrar essas correntes invisíveis. Ela sabia dos fetiches de seu noivo, dos desejos que ele nutria e, naquela manhã, estava disposta a alimen
Lucian Thorn saiu do imponente edifício do Grupo Thorn ao final daquela tarde. A cidade de Flerks exibia seu habitual cenário nebuloso, a chuva recente ainda marcando presença nas calçadas e no ar. As gotas persistentes que escorriam pelas fachadas refletiam a grandiosidade da metrópole, um local de infraestrutura moderna e uma vibração cultural forte, onde os pontos turísticos eram intercalados entre a natureza e a urbanidade. Ele desceu as escadarias de mármore do edifício com passos firmes, sua presença dominante chamando a atenção dos poucos que passavam. Ao chegar ao seu carro, um clássico Mustang negro que brilhava sob a fraca luz das lâmpadas da rua, Lucian deslizou para o interior do veículo com a mesma precisão e controle que aplicava a tudo em sua vida. O motor rugiu sob suas mãos firmes no volante, e ele partiu, cruzando as ruas da cidade que começavam a se encher com as luzes noturnas refletindo no asfalto úmido. O caminho até sua mansão era sinuoso, mas familia
As pessoas são frágeis por natureza. Não na constituição física, não nos ossos ou na carne que as compõem, mas em algo muito mais profundo: a mente. A mente humana é maleável, como um pedaço de argila, moldada pelas mãos daqueles que a tocam, pelas circunstâncias que a cercam. E o mais trágico disso tudo é que, na maioria das vezes, quem molda essas mentes são outras igualmente vazias. Mentes que não têm substância própria, que se dobram e se retorcem ao sabor das influências externas, das expectativas sociais, dos desejos alheios. Somos, todos nós, vítimas e algozes de um ciclo interminável de subserviência mental. Observa-se nas interações diárias como as pessoas se perdem na necessidade de agradar, de serem aceitas, de pertencerem a um coletivo que, por si só, é vazio. É um vazio que ecoa, que ressoa nas decisões que tomam, nas palavras que escolhem dizer e até nos silêncios que optam por manter. A sociedade exige conformidade, uma conformidade tão insidiosa que poucos seque